Renda básica, coronavírus e a população mais vulnerável

Fotografia: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Não se trata de uma medida ideológica, mas de uma necessidade emergencial. Economistas e sociólogos brasileiros, de diferentes espectros políticos, estão apoiando a implementação desta medida.

Matheus Silveira de Souza

Fonte: Justificando
Data original da publicação: 25/03/2020

Com a provável ocorrência de enormes impactos na vida das famílias brasileiras mais vulneráveis, em virtude das restrições econômicas impostas pela pandemia, algumas medidas começam a ser anunciadas e elaboradas pelos governos em nível municipal, estadual e federal. Alguns agentes políticos e sociais anunciam uma proposta específica como possível solução para amenizar os efeitos colaterais destes tempos de pandemia. Estamos falando de algo que, talvez, você já ouviu falar na última semana, denominado Renda Básica.

A Renda Básica de Cidadania já está garantida em uma lei federal (lei 10.835/04) promulgada há mais de 15 anos, e apesar disso nunca chegou a ser implementada no Brasil, nos moldes em que foi proposta. Isso evidencia algo que não é óbvio para todos: o fato de existir uma lei estabelecendo um direito, não garante que esse direito será concretizado. 

A lei 10.835/04 é de autoria do ex-senador e atual vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy, grande defensor e divulgador dessa medida no Brasil, que pode identificar na atual crise do coronavírus uma janela de oportunidades para a implementação gradativa dessa política. Embora a Renda de Cidadania estabeleça o direito de todo cidadão em receber, individualmente e de forma incondicional, um benefício monetário do Estado, é muito provável que se a medida for implementada durante este período, deverá ser feita de forma condicionada, ou seja, aplicada apenas à população mais vulnerável, que sofrerá os maiores impactos da crise.

A Renda Básica de Cidadania, conforme estipulada em lei, não se confunde com o Programa Bolsa Família, pois aquela deveria ser paga a todo cidadão brasileiro, independentemente de sua condição financeira. O Programa Bolsa Família, além de estabelecer diversos requisitos para o recebimento do benefício, foi pensado, inicialmente, como uma das etapas de implementação da Renda Básica.

A criação de uma renda mínima não é algo novo, tendo sido experimentada em diversos lugares do mundo nas últimas décadas, como Irlanda, Reino Unido, Alasca, Bélgica, Dinamarca, entre outros. Atualmente, diversos países mantêm em funcionamento o programa da Renda Básica Universal, com variações quanto ao desenho institucional. Em países como Finlândia, Holanda e Canadá, a renda básica está sendo implementada gradualmente nos últimos quatro anos, embora haja consideráveis diferenças em relação à amplitude das políticas e ao valor redistribuído.

Diante da crise do coronavírus, algumas medidas estão sendo propostas em diferentes níveis do Estado. O senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP) apresentou um projeto de lei, no dia 20/03, prevendo criação de uma renda básica emergencial. A proposta do senador amapaense prevê o pagamento de, no mínimo, R$ 300 individualmente, por pelo menos seis meses, para todos os brasileiros com renda familiar per capita inferior a três salários mínimos. Quem já usufrui do Bolsa Família receberá suplemento do mesmo valor. O projeto ainda estipula que cada família poderia receber, no máximo, R$ 1.500,00. A medida custaria, segundo a equipe do senador, até 23 bilhões de reais.

Inicialmente, a renda básica emergencial deveria ser aplicada aos 77 milhões de brasileiros que estão identificados no Cadastro Único e aos milhões de desempregados que podem ser listados pelo Número de Identificação Social (NIS). Os trabalhadores informais possivelmente devem entrar nessa conta.

Não se trata de uma medida ideológica, mas de uma necessidade emergencial. Economistas e sociólogos brasileiros, de diferentes espectros políticos, estão apoiando a implementação desta medida. Os EUA, pouco adeptos de programas de redistribuição de renda, já anunciaram o pagamento do valor de U$1.000,00 aos norte americanos, em virtude dos impactos financeiros causados pelo isolamento social imposto pelo covid-19. Portugal também pagará dois terços dos salários dos trabalhadores (com um teto salarial estipulado previamente) durante um período de seis meses.

Em terras brasileiras, além da demora do governo federal para propor medidas para o enfrentamento desta crise, ainda temos as alucinações de Bolsonaro, que continua fazendo, de forma irresponsável, pouco caso da pandemia. Os R$ 200,00 anunciados por Paulo Guedes para cada trabalhador informal é claramente um valor insuficiente para conter os impactos que virão.

Do mesmo modo, o pacote de auxilio às empresas, proposto pelo Ministério da Economia, terá um efeito mitigado se não for acompanhado de alguns requisitos, como a garantia de que os empregadores que receberem essa ajuda não despedirão os seus funcionários.

Em um país com extremas desigualdades como o Brasil, não é apenas a renda mínima que vai solucionar os inúmeros problemas estruturais que carregamos. Entretanto, considerando as limitações financeiras que serão impostas aos mais vulneráveis em decorrência da pandemia, a implementação de uma renda básica emergencial, com determinadas condições, pode amenizar a turbulência que atravessaremos nestes tempos. 

Matheus Silveira de Souza é mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Teoria do Estado.

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