Reforma deixa 55% dos empregados sem representação nas empresas

A reforma trabalhista enviada ao Congresso no fim de dezembro deixa mais da metade dos empregados formais do país e 99,3% das empresas sem representação no local de trabalho. A regra que estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado, que consta no Projeto de Lei 6.787, estipula a eleição de representante nos locais de trabalho apenas em companhias com mais de 200 funcionários.

Dos 48 milhões de brasileiros com carteira assinada, 55,2% estão empregados em estabelecimentos com até 199, conforme o Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) de 2015.

A possibilidade de eleição de um funcionário em empresa com mais de 200 funcionários é prevista na Constituição, apesar de pouco colocada em prática. Essa prerrogativa -em versão melhorada, com limite menor de empregados – é a contrapartida exigida pelos sindicatos que aceitam o princípio do negociado sobre legislado (CLT).

Poucas empresas do comércio e dos serviços teriam representação, diz o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah. Os dois setores são a maioria dos 12,8 milhões de filiados da central, atrás apenas da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

O sindicalista critica a mudança de última hora no número mínimo de funcionários – de 50, conforme a minuta enviada às centrais dois dias antes do anúncio da reforma, para 200. “O ministro Ronaldo [Nogueira] havia nos prometido que só falaríamos nesse assunto [a reforma] em 2017. O anúncio em si já nos surpreendeu”, diz Patah. Segundo dados da Rais, 99,3% das 3,9 milhões de empresas do país têm até 199 funcionários.

A percepção da entidade só não foi pior, afirma, porque o governo concordou em mudar o formato da proposta de MP, que teria vigência imediata, para projeto de lei, a ser discutido no Congresso. Patah defende o corte de 100 funcionários para a eleição de um representante – 47,6% dos trabalhadores com carteira assinada estão em empresas que têm até esse tamanho. Para esses 22,8 milhões, a representação seria feita apenas pelos sindicatos, que, segundo o dirigente, deveriam ser fortalecidos para fazer frente às mudanças nas relações de trabalho.

Helio Zylberstajn, professor da USP, lembra que, no texto inicial, a previsão era que a eleição fosse de um representante sindical, e não apenas de um representante, como veiculado no PL. “É um retrocesso”, diz destacando que, sem vinculação com as entidades sindicais, o trabalhador eleito teria poder de negociação mais limitado.

Para o presidente da CUT, Vagner Freitas, a alteração aumenta as chances de que a escolha seja manipulada pelas empresas e que sejam aprovadas mudanças desvantajosas para os trabalhadores. “É um atentado à estrutura sindical”. O dirigente também faz duras críticas à forma como o texto foi encaminhado ao Congresso, “na calada da noite do fim de dezembro”, e adianta que o movimento sindical organizará sua agenda de enfrentamento à “tentativa de retirada dos direitos trabalhistas”.

Para o coordenador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, ao não assegurar a livre organização no local de trabalho – com o piso de 200 funcionários, ela ficaria limitada a poucos -, a possibilidade de flexibilizar regras da CLT enfraquece a representação dos empregados e favorece os empresários.

Sindicatos mais organizados, como metalúrgicos do ABC (CUT) e de São Paulo (Força Sindical), já fizeram negociações por empresa que flexibilizavam algumas regras contidas na CLT, como intervalo para almoço. Esses acordos, contudo, foram barrados na Justiça do Trabalho, apesar de aprovados em assembleia e negociados, na maioria dos casos, com apoio de comissões de fábrica. “Nos outros países onde essas negociações acontecem, a presença do sindicato nas empresas é uma realidade. A proposta do governo não assegura essa contrapartida”, diz Ganz Lucio.

A regra não deixa claro se haverá um representante por empresa ou por local de trabalho com 200 empregados, diz Ganz Lucio. Ele usou como exemplo o Banco do Brasil, que tem várias agências com mais de 200 funcionários. Para Zylberstajn, a escolha dessa linha de corte é “arbitrária” e “injustificável”. Procurado, o Ministério do Trabalho não retornou o pedido de entrevista. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) não se manifestou sobre os temas.

Zylberstajn também considera prejudicial aos trabalhadores a possibilidade de que a mudança via negociação aconteça não apenas através de acordos coletivos, feitos por empresa, mas também por meio de convenções coletivas, que valem para um categoria inteira. Esse dispositivo também elevaria as chances de que fossem aprovadas alterações que deteriorem as condições de trabalho de determinados grupos de trabalhadores.

“Poderia existir possibilidade de mudança através da convenção, mas com validação posterior em cada uma das empresas, feita por sindicatos”, afirma. O projeto prevê 13 casos em que o acordado pode se sobrepor à legislação.

Fonte: Vermelho, com DCI – Diário Comércio Indústria & Serviços
Data original da publicação: 07/01/2017

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