Reconhecimento dos direitos dos trabalhadores domésticos

Eduardo Camin

Fonte: Estrategia.la
Data original da publicação: 24/08/2018

Os trabalhadores domésticos constituem uma parte considerável da força de trabalho em emprego informal, e se encontram entre os grupos de trabalhadores mais vulneráveis do mundo. Trabalham para lares privados, com frequência sem condições de emprego claras, sem estar registrados, e excluídos do alcance da legislação trabalhista.

Na atualidade, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) existem ao menos 67 milhões de trabalhadores domésticos no mundo, sem incluir as crianças trabalhadoras domésticas, e esta cifra cresce a um ritmo constante, em países desenvolvidos e não desenvolvidos. Embora haja um número considerável de homens que trabalham no setor – como jardineiros, motoristas ou mordomos – segue sendo um setor onde predominam as mulheres: 80% de todos os trabalhadores domésticos são mulheres. Suas tarefas podem incluir a limpeza da casa, cozinhar, lavar e passar a roupa, cuidar dos filhos, dos anciãos ou dos membros doentes da família.

A realidade é que, em muitos de nossos lares, os nossos seres queridos recebem serviços e cuidados básicos destes 67 milhões de trabalhadores domésticos em todo o mundo. Não obstante, essas pessoas com frequência são vítimas de várias formas de violência e acosso, exploração e coação, em particular abuso verbal e violência sexual, que em algumas ocasiões podem chegar até à morte.

Os trabalhadores domésticos que vivem na casa dos seus empregadores são especialmente vulneráveis. Muitos são os casos nos quais mulheres acabam sendo vítimas de trabalhos abusivos, que muitas vezes podem equivaler a formas modernas de escravidão. Em todo o mundo, as pessoas que trabalham em um contexto isolado, sem presença de terceiros, são particularmente vulneráveis à violência e ao acosso no trabalho. Isso acontece, em particular, aos trabalhadores domésticos.

Para muitos deles (e especialmente delas), os abusos cotidianos, como a falta de descanso e o não pagamento do salário podem levar facilmente a casos de trabalho forçado. “O motivo subjacente dessa situação é a discriminação”, aponta Philippe Marcadent, diretor da Unidade da OIT sobre Mercados de Trabalho Inclusivos, Relações Trabalhistas e Condições de Trabalho.

Ele agrega que “com frequência, nos encontramos com a falta de reconhecimento às trabalhadoras e aos trabalhadores domésticos, à sua condição de trabalho, além da discriminação sofrida pelas mulheres, aos grupos sociais mais pobres ou marginados, em particular migrantes e povos indígenas”.

As normas internacionais

Pelo teor do debate mantido atualmente na OIT sobre a possível adoção de um novo instrumento jurídico sobre a violência e o acosso no trabalho, há uma esperança de que as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos possam chegar a uma conquista importante. As normas internacionais podem constituir ferramentas muito eficazes para a proteção de trabalhadores domésticos.

Em virtude do Convênio 189 sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos, aprovado em 2011, milhões de empregados domésticos conquistaram o reconhecimento da sua condição de trabalhadores, tornando-se empoderados e capazes de advogar por seus direitos em casos de violência e acosso. Ademais, no marco do Protocolo da OIT relativo ao trabalho forçado, aprovado em 2014, os Estados membros devem adotar medidas eficazes para evitar o trabalho forçado, proteger as vítimas e velar pelo acesso destas à justiça. Basicamente, os países devem garantir a aplicação da legislação pertinente a todos os trabalhadores, em todos os setores.

Essa obrigação é especialmente pertinente no caso dos empregados domésticos, visto que, em determinadas legislações nacionais, nem sempre se reconhece sua condição de trabalhador, o que os priva dos direitos e da proteção que outros trabalhadores possuem.

Não obstante, até o dia de hoje somente 25 países ratificaram esse Convênio 189 sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos, cerca de 30 países promulgaram legislações ou políticas que permitem ampliar a proteção dos trabalhadores domésticos, e apenas 25 países ratificaram o protocolo relativo ao trabalho forçado.

É uma obrigação dos governos, empregadores e trabalhadores a tarefa de velar pela proteção dos trabalhadores domésticos diante da violência e do acosso. Com a aprovação do Convênio 189 sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos, a OIT escolhe uma estratégia internacional voltada a apoiar os governos, trabalhadores e empregadores, com o fim de fomentar o trabalho decente para os trabalhadores domésticos.

No âmbito dessa estratégia, a OIT presta assistência a cerca de 60 países, para ampliar a proteção dos trabalhadores domésticos, garantir o cumprimento das normas pertinentes, modificar normativas e promover a representação dos trabalhadores domésticos e dos seus empregadores.

A outra cara do informe

Se em algo se caracterizou o direito social em seus inícios foi em sua tendência à internacionalidade, como se demonstra no próprio fato da criação precoce da OIT (1919) e sua antecessora, a Associação Internacional de Legislação do Trabalho (1901).

A história nos mostra diferentes tratados internacionais que obedeceram a lógica de defesa dos interesses comuns entre trabalhadores, pela própria dinâmica internacionalista do movimento operário ao longo do Século XIX e boa parte do Século XX, enquanto, por outra parte, os empresários e governos o faziam através da tentativa de evitar as práticas que afetassem a livre concorrência, com respeito ao impacto que as condições de trabalho menos exigentes em determinados países poderiam ter sobre os preços dos produtos.

Entretanto, esse ânimo internacionalista do direito do trabalho foi posteriormente congelado. Com o passar do tempo, esses tratados da OIT se tornam uma espécie de referente modelar, com escassa relevância na prática, de tal forma que em vez da aplicação direta, os convênios acabam relegados ao papel de meros princípios inspiradores, sem translação efetiva e concreta – quando não são simplesmente ignorados.

Portanto, se poderia dizer que uma tendência mais ou menos homogênea determina que aquela disciplina, nascida com clara inspiração internacionalista, acaba se “nacionalizando”, limitando seu marco de aplicação às concretas fronteiras estatais. Poderíamos, portanto, chegar facilmente à conclusão de que, na medida em que os distintos ordenamentos chegam a um padrão maduro de reconhecimento de garantias e tutelas para os trabalhadores, as normas internacionais se tornam dispensáveis, já que as obrigações que contemplam (normalmente mínimas) já se incluem de alguma forma nas leis nacionais – o que obviamente não acontece no caso das legislações em fase de evolução.

Embora essa consideração não deixe de ser certa, podemos comprovar como, em determinadas matérias, a aplicação das leis nacionais, em muitos países desenvolvidos, se omite com relação a conteúdos concretos dos tratados, especialmente naqueles da OIT. E essa é uma tendência que não deixa de ser preocupante, na medida em que as legislações garantistas europeias estão em clara regressão atualmente, seja pela crise ou por causa das políticas neoliberais, de tal forma que as normas internacionais mínimas também têm sido cada vez menos exigentes.

Não deixa de ser sintomático, neste sentido, que à margem dos distintos comitês de controle específicos, a própria OIT e outras instâncias internacionais não contemplem autênticos tribunais especializados, e o uso de medidas sancionatórias para os diferentes estados ou particulares que descumpram os tratados, o que, por exemplo, não ocorre em matéria de livre comércio, livre empresa, práticas bancárias (ou no direito penal, em casos de delitos de lesa humanidade), cuja problemática conta com as correspondentes medidas de força internacionais, de maior ou menor intensidade e organismos de aplicação, de natureza mais ou menos jurisdicional.

Portanto, pode-se afirmar que enquanto o direito em geral nasce “nacional” e tende à internacionalização, a concreta disciplina social – elaborada pelas lutas sindicais que, desde os seus princípios, tiveram vocação internacionalista – ficou encerrada entre suas fronteiras nacionais.

Na atualidade, os trabalhadores domésticos com frequência recebem salários muito baixos, têm jornadas de trabalho muito longas, não têm garantido um dia sequer de descanso semanal e, algumas vezes, como já mostramos, estão expostos a abusos físicos, mentais e sexuais ou a restrições da liberdade de movimento. Esta é a injusta realidade. A exploração dos trabalhadores domésticos poderá, em parte, ser atribuída aos déficits nas legislações nacionais sobre o trabalho, mas sem se esquecer (ou omitir) que essa exploração, com frequência, inclui discriminações de gênero, raça e casta.

A OIT se compromete a proteger os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores domésticos, promover a igualdade de oportunidades e de tratamento, e melhorar as condições de trabalho e de vida. Talvez, na “outra cara do informe” haja uma certa fascinação pela dialética das incertezas.

Eduardo Camin é jornalista, membro da Associação de Correspondentes de Imprensa da ONU, redator-chefe internacional do Hebdolatino e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

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