Quanto vale uma vida na Vale? 

Ingrid Birnfeld

Fonte: Jornal do Comércio
Data original da publicação: 28/02/2019

Centenas de pessoas foram mortas pela Vale em Brumadinho, dentre as quais inúmeros trabalhadores da empresa. Trata-se do maior acidente-crime de trabalho da história do Brasil. Foram abatidas vivas, tragadas pela lama da negligência, da irresponsabilidade e da ganância do modelo econômico brasileiro, centrado na exportação e na financeirização da natureza e no desmonte da política de proteção ambiental.

A tragédia reacende a discussão sobre a limitação trazida pela reforma trabalhista quanto às indenizações por dano moral. A nova lei incluiu na CLT artigos, e o mais perverso deles é o 223-G, que estabelece limites máximos, de acordo com o grau da lesão sofrida pelo trabalhador. Partindo do princípio de que tirar a vida de alguém é um dano de natureza gravíssima, as famílias dos trabalhadores mortos poderão obter na Justiça do Trabalho, se aplicada a nova previsão legal, a condenação da empresa a pagar indenização por dano moral no máximo de 50 salários contratuais. Mortos nas mesmas condições, trabalhadores que ganhavam salários maiores terão indenizações superiores às dos trabalhadores que ganhavam menos, uma violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Mas, para o mercado financeiro, acidentes podem ser um ótimo negócio. Após a queda de 24% no pregão seguinte à tragédia, as ações acumularam alta; sim, o mercado é experiente, aprendeu e deu certo com Mariana e não brinca em serviço: passados três anos da tragédia causada pela Samarco, as ações da empresa chegaram a se valorizar em 400%. Não será diferente agora. A certeza da morosidade da Justiça e da impunidade e o tabelamento pela reforma trabalhista permitem que os investidores acreditem na gestão de risco da empresa e nela continuem confiando. Sem falar no efeito midas.

A Vale já declarou que irá refinar e vender os rejeitos das suas barragens. “Brazilian Blend Fines” é a marca do novo produto. Parece nome de bom uísque, mas não é. Se o leitor o encontrar por aí, considere nele investir. Vale muito, vale mais que muitas vidas. Mas para usufruir precisará ter dinheiro e continuar vivo.

Ingrid Birnfeld é advogada na área do Direito Trabalhista e Sindical e bacharel em Filosofia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *