Precisamos proteger as crianças do trabalho infantil

Crianças trabalhando em um aterro sanitário na Ásia. Fotografia: Truong Huu Hung/OIT

O trabalho infantil é uma gravíssima violação dos direitos humanos. A pobreza e a desigualdade social fazem com que os filhos e as filhas de famílias mais pobres tenham poucas oportunidades de escolha e desenvolvimento na infância e adolescência.

Martin Hahn

Fonte: ONU Brasil, com Nexo
Data original da publicação: 16/06/2020

A pandemia da COVID-19 e seus impactos sobre a saúde, a economia e o mundo do trabalho acarretam graves consequências para sociedades, empresas, trabalhadoras e trabalhadores. Segundo recente relatório conjunto de Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e OIT (Organização Internacional do Trabalho), em 2020, a região da América Latina e Caribe deve registrar a mais acentuada contração econômica desde 1930, com uma queda estimada de –5,3% no Produto Interno Bruto, o que terá efeitos negativos sobre o mercado de trabalho. A taxa de desocupação pode chegar a 11,5% na região, o que equivale a mais de 11,5 milhões de novos desempregados.

Estima-se que a crise provoque, ainda, a deterioração da qualidade do emprego, o aumento do subemprego e da pobreza e o agravamento da desigualdade. Os efeitos nocivos da crise não serão distribuídos igualmente; serão maiores nos países mais pobres e impactarão mais profundamente as famílias que já se encontravam em situação de vulnerabilidade.

Nesse cenário, é fundamental atentar para os efeitos que as crises econômica e laboral decorrentes da pandemia podem ter nas sociedades, como o risco de aumento nas ocorrências de formas inaceitáveis de trabalho, a exemplo do trabalho infantil.

Para muitas crianças, adolescentes e suas famílias, a crise da COVID-19 pode acarretar uma educação interrompida, doenças, a potencial perda de renda familiar e até o trabalho infantil. A pandemia coloca substancialmente em risco a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes no mundo inteiro.

O trabalho infantil é uma gravíssima violação dos direitos humanos. A pobreza e a desigualdade social fazem com que os filhos e as filhas de famílias mais pobres tenham poucas oportunidades de escolha e desenvolvimento na infância e adolescência. Ao atingirem a vida adulta, tornam-se, majoritariamente, trabalhadores com baixa escolaridade e qualificação, ficando sujeitos a menores salários e vulneráveis a empregos em condições degradantes, perpetuando, assim, um círculo vicioso de pobreza.

Dados da OIT mostram que, em 2016, 152 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estavam envolvidos no trabalho infantil globalmente, sendo que quase metade deles, ou 73 milhões, estavam em trabalho infantil perigoso. Desses 152 milhões, os meninos são os mais afetados (58%). Mas existe a possibilidade desses números estarem subestimados, já que as meninas estão, muitas vezes, envolvidas em trabalhos invisíveis, como o trabalho doméstico e a exploração sexual.

Apesar dos avanços na luta contra o trabalho infantil alcançados pelo Brasil nas últimas décadas, existiam 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos ocupados no país em 2016, segundo a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Desse total, a maior concentração de trabalho infantil está na faixa etária de 14 a 17 anos, com quase 2 milhões de adolescentes (80%). O número de meninos que trabalham (1,6 milhão) é quase o dobro do de meninas (840 mil), mas esses números também podem estar subestimados. No Brasil, é crucial ressaltar que o trabalho infantil tem um componente racial presente: o número de crianças e adolescentes negros que trabalham (1,38 milhão, ou 57,5%) excede o número de não-negros (1,01 milhão, ou 42%). Assim, combater o trabalho infantil é também combater o racismo em todas as suas formas.

Com a pandemia da COVID-19, muitas crianças em trabalho infantil correm um risco ainda maior de agravar sua situação, sendo submetidas a formas de trabalho perigosas ou a trabalhar mais horas. A crise também pode levar milhões de crianças vulneráveis ao trabalho infantil, como forma de contribuir para a renda familiar. As meninas correm, particularmente, o risco de realizar trabalho doméstico ou de cuidados, e, provavelmente, estão mais expostas a acidentes e abuso físico ou sexual. Ademais, a suspensão das aulas e falta de acesso à educação a distância, em muitos países, pode catalisar o aumento do trabalho infantil.

As piores formas de trabalho infantil, incluindo a exploração sexual, que afeta principalmente as meninas, geralmente aumentam quando as oportunidades de emprego e a renda familiar diminuem. Assim, a luta contra o trabalho infantil exige ações fortes nos níveis global, regional, nacional e comunitário, baseadas nas convenções e recomendações da OIT e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

Governos, organizações de trabalhadores e de empregadores, organismos internacionais e a sociedade buscam entender os efeitos da pandemia da COVID-19 e a forma mais segura de proteger a população e reativar as economias. É hora de trabalharmos juntos e juntas, por meio do diálogo social, para promover medidas urgentes e específicas que ajudem empresas, trabalhadoras e trabalhadores na economia formal e informal (fomentando sua formalização), e outras pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Por isso, os impactos diferenciados da crise sobre crianças e adolescentes devem estar entre as prioridades das políticas públicas em resposta à pandemia.

É fundamental aumentar a mobilização e atenção sobre a importância da prevenção do trabalho infantil, estabelecer programas de apoio às empresas para garantir a continuidade dos negócios, gerar oportunidades de trabalho protegido para adolescentes em idade permitida para o trabalho, combater o racismo e outras formas de preconceitos, fortalecer a fiscalização do trabalho para coibir o trabalho infantil, trabalhar com a área de educação para garantir a volta segura à escola, quando possível, e construir um sistema de proteção social que atenda toda a população, considerando a sua grande diversidade.

O ano de 2021 será o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil. Temos diante de nós o desafio e a oportunidade de realizar uma ação concertada para, de fato, acabar com essa prática em todas as suas formas até 2025. Não podemos deixar ninguém para trás.

Martin Hahn é diretor do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.

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