Precariedade é uma ameaça que circunda ao mundo do trabalho

Para Serge Paugam trabalhadores correm cada vez mais riscos de perderem direitos. Fotografia: Charles Soveral/DMT

por Charles Soveral

A redução de salários e benefícios trabalhistas vem ganhando espaço na sociedade moderna. A fórmula, aplicada tanto em países desenvolvidos quanto nos mais pobres, é uma justificativa do capital para as leis do mercado, que exigem custos de produção menores e mais competitividade dos produtos e serviços.

O resultado dessa equação social, no entanto, pode ser definido como precarização profissional. De olho nesse tema, esteve visitando o Rio Grande do Sul na primeira semana de agosto o sociólogo da Equipe de Investigação sobre Desigualdades Sociais (ERIS) do Centro Maurice Halbwachs (CNRS/EHESS/ENS) de Paris (França), Serge Paugam.

Paugam esteve no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em duas conferências da segunda etapa de um encontro denominado “Vínculo e Solidariedade”, que abordou o trabalho e o pensamento de outro importante francês, o também sociólogo e antropólogo David Émile Durkheim, falecido há 100 anos.

Abaixo o resumo da conversa exclusiva de Paugam com o DMT.

DMT – O Sr. tem dedicado tempo e estudo ao tema da precariedade no universo do trabalho decorrente  da competição do capital e da busca por menores custos produtivos. Como o Sr. vê a precariedade nos tempos atuais? Existe alguma semelhança entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento nesse aspecto?

Paugam – Estou estudando como se comporta a precariedade na Europa e na América Latina. Esse conceito de precariedade se construiu a partir da crise da sociedade salarial e é fortemente influenciado pelo ambiente. Será que podemos fazer a transferência desse conceito da Europa para a América do Sul, visto que a sociedade salarial na América Latina, por exemplo, é menos desenvolvida que nos países europeus, em especial a França? Provavelmente não, se considerarmos que a informalidade do trabalho no Brasil fica em torno de 40% da massa produtiva. Diante disso, podemos considerar que já, ao natural, temos um cenário com um grande contingente de trabalhadores a margem dos direitos trabalhistas e, portanto, em ambiente de precariedade.

DMT – O que o Sr. poderia apontar como causas responsáveis por esta degradação do trabalho formal?

Paugam – Penso que há dois grandes motivos. A degradação pode ser explicada pela flexibilização dos contratos de trabalho que vem acontecendo na Europa a partir dos anos 80. O outro motivo mais visível está no crescimento do número de pessoas sem trabalho ou desempregados. Isso significa que o número de pessoas que já trabalham sob regime de precarização somadas as que estão desempregadas tem aumentado muito nas últimas décadas. Um fenômeno associado a esse processo de degradação é a intensificação do trabalho, ou seja, hoje é exigido mais dos trabalhadores durante a mesma jornada.

DMT – Durante muito tempo se propagou o conceito de que as inovações tecnológicas permitiram mais qualidade de vida para os trabalhadores, além de jornadas mais reduzidas. Por que isto não acontece?

Paugam – O caso francês, nesse sentido, é interessante de se analisar, porque na França foi adotado como padrão o regime de 35 horas semanais. No final dos anos 90, para reduzir o desemprego e também permitir mais tempo livre para os trabalhadores, houve a redução da carga horária, mas o que se verificou foi o aumento da intensificação do trabalho. Para compensar essa perda de horas, as pessoas tiveram que se tornar mais rápidas e com muito mais intensidade. Como explicar isso? Bem, atualmente se produz cada vez mais em um fluxo contínuo, não se tem mais estoques e é necessária uma resposta rápida para as demandas do mercado. Assim, nessa lógica, o trabalhador precisa ser mais reativo e sensível às demandas do mercado.

As pesquisas de condição de trabalho na França, por exemplo, mostram que os trabalhadores apresentam cada vez mais sintomas de depressão que tem origem na necessidade, na obrigação de se atingir objetivos e metas de trabalho. Se o trabalhador não alcançar esses objetivos ele é repreendido e até punido. Pode-se concluir que a precariedade do trabalho se deve a esses contratos de trabalho com menor proteção, que tornam a atividade mais sofrida, mais difícil de ser executada.

Pesquisador lembra que a intensificação do trabalho contribui para a precarização. Foto: Charles Soveral/ DMT.
Pesquisador lembra que a intensificação do trabalho contribui para a precarização. Fotografia: Charles Soveral/DMT

DMT – Ao mesmo tempo o poder do Capital tem imposto aos governos um retrocesso nas legislações protecionistas. Como o Sr. analisa isso?

Paugam – O que se vê hoje na França é que a taxa de desemprego é muito elevada comparada com outros países da Comunidade Europeia como a Alemanha, por exemplo. Para atacar a questão, governos tanto de esquerda quanto de direita tentam baixar essas taxas através da flexibilização da economia. A questão é se devemos ou não aceitar essa flexibilização. Os sindicatos franceses até tentam barrar esse avanço, no entanto, será difícil reverter este processo. Daí a importância da negociação coletiva e a manutenção dos direitos.

DMT – Quem sofre mais com a precarização: os jovens que estão ingressando no mercado de trabalho ou aqueles que já possuem mais experiência?

Paugam – O que se vê é o crescimento das desigualdades. Para alguns mais do que para outros. Essas desigualdades devem ser investigadas mais a fundo. No caso dos jovens eles custam a encontrar alguma estabilidade e entram no mercado, geralmente, em condições bem precárias. Estou estudando a precariedade do emprego e a precariedade do trabalho e como essas duas formas se sobrepõem.

DMT – No caso da precarização de empregos, quais são os mais afetados? Os mais ou menos escolarizados? Mulheres, negros? Há alguma avaliação nesse sentido?

Paugam – A tendência para a flexibilização é global. Mas existem variações que atingem principalmente os menos qualificados, para as mulheres e para os jovens. São os mais atingidos, principalmente. É especialmente importante estudar essas desigualdades dentro do mercado de trabalho não apenas como classes sociais, mas também em termos de status como formas de integração profissional diversificada. Entre empregados cuja situação de emprego é estável e gratificante e empregados cuja situação de emprego é precário e desqualificados, a diferença só aumenta. Por exemplo, as mulheres com as mesmas qualificações, têm um status cada vez mais precário do que os homens. Deve-se considerar as desigualdades cruzando classe social, sexo, idade e geração.

DMT – O Sr. vê alguma possibilidade de mudança para melhor neste cenário ou a tendência é mesmo de agravamento?

Paugam – Em um contexto onde as economias dos países caminham cada vez mais para a flexibilização das relações de trabalho, a pergunta que devemos nos fazer é como os estados podem atenuar essa situação. Temos como exemplo os países nórdicos que, de um lado, adotam práticas mais flexíveis, mas de outro lado, compensam com direitos de proteção. Esses direitos vêm sob a forma de indenizações para o desemprego e também na atualização profissional. No ambiente de flexibilização, dificilmente um trabalhador desempenha a mesma função a vida toda. Logo, é importante um processo de qualificação. Isso precisa ser visto como um direito que deve ser concedido como forma de proteção aos trabalhadores.

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