Por que os homens não querem empregos exercidos principalmente por mulheres?

Os empregos que têm desaparecido, como operadores de máquinas, são predominantemente aqueles exercidos por homens. As ocupações que estão crescendo, como assistentes de saúde, empregam principalmente mulheres.

Uma solução para os homens que perderam empregos em fábricas é se tornarem assistentes de saúde. Mas apesar de mais de um quinto dos homens americanos não estarem trabalhando, eles não estão correndo para esses novos empregos no setor de serviços. Por quê? Eles exigem habilidades muito diferentes e pagam muito menos.

Também são vistos como trabalho de mulher, o que sempre é desvalorizado no mercado de trabalho.

As duas ocupações que o Bureal de Estatísticas do Trabalho dos EUA prevê que sofrerão maior declínio entre 2014 a 2024 são auxiliar de maquinista de trem, com previsão de encolhimento em 70%, e instaladores e reparadores de eletrônicos em veículos, com queda de 50%. Essas funções são exercidas em 96% e 98% por homens.

Dentre os empregos com maior crescimento, muitos envolvem vários tipos de assistentes de saúde, que são exercidos em cerca de 90% por mulheres. Quando os homens aceitam esses chamados empregos de colarinho cor-de-rosa, eles contam com maior estabilidade de emprego e crescimento salarial do que em funções de colarinho azul, segundo pesquisa recente. Mas ganham menos e se sentem estigmatizados.

“Os empregos que estão sendo criados são muito diferentes dos que estão sendo eliminados”, disse David Autor, um economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. “Não estou preocupado sobre se haverá empregos. Estou muito preocupado sobre se haverá empregos para adultos de baixa escolaridade, especialmente homens, que parecem muito relutantes em aceitar os novos empregos.”

Veja o exemplo de Tracy Dawson, 53, um soldador em Saint Clair, Missouri. Ele perdeu vários empregos, alguns porque seus empregadores transferiram o trabalho para a China e para o México, outros porque os operários foram substituídos por robôs. Ele ouviu as promessas de grande aumento de empregos no campo de atendimento de saúde: sua filha estudou para ser técnica em emergências médicas. Mas ele nunca levou em consideração.

“Não vou ser um enfermeiro. Não tenho tolerância com pessoas”, ele disse. “Não quero que soe mal, mas sempre vi uma mulher na posição de enfermeira ou algum tipo de atendente de saúde. Vejo isso como algo que exige um toque feminino.”

Além disso, assistentes de saúde ganham em média US$ 10,50 (cerca de R$ 34) por hora. Dawson costumava ganhar US$ 18 (cerca de R$ 58) por hora produzindo motores de tração ferroviária. “Eu era um soldador, isso é tudo o que sei fazer”, disse Dawson, que vive de seguro invalidez por causa de uma artrite reumatoide.

As mulheres foram atingidas mais duramente que os homens por causa do declínio de empregos de nível médio, segundo Autor. Mas elas se transferiram mais facilmente para as ocupações em expansão e agora se formam mais em cursos superiores do que homens.

Além disso, as mulheres sempre ingressaram em campos dominados pelos homens, geralmente profissões bem remuneradas, mais do que homens entram em campos dominados pelas mulheres. Atualmente há muitas advogadas, mas enfermeiros ainda são raros. Um motivo é que os empregos executados por mulheres, especialmente empregos que envolvem cuidados, sempre tiveram remuneração mais baixa e status menor. Porém quando homens, especialmente homens brancos, entram em campos dominados por mulheres, eles ganham mais e são promovidos mais rapidamente do que as mulheres, um fenômeno conhecido como “escada rolante de vidro”.

Grande parte da resistência dos homens aos empregos de colarinho cor-de-rosa está associada à cultura da masculinidade, dizem pessoas que estudam o assunto. Presume-se que mulheres tenham mais empatia e sejam mais gentis; os homens supostamente são fortes, durões e capazes de sustentar a família.

“A masculinidade tradicional está no caminho do emprego dos homens de classe operária e acho que isso é um problema”, disse Andrew Cherlin, um sociólogo e professor de políticas públicas da Universidade Johns Hopkins e autor de “Labor’ Love Lost: The Rise and Fall of the Working-Class Family in America” (“Amor ao trabalho perdido: a ascensão e queda da família de classe operária na América”, em tradução livre, não lançado no Brasil.)

“Temos um atraso cultural no qual nossas visões de masculinidade não se adequaram às mudanças no mercado de trabalho”, ele disse.

Mas dizer a homens de classe operária para assumirem empregos femininos aumenta a ansiedade deles e soa como algo desdenhoso, disse Joan Williams, uma professora da Faculdade Hastings de Direito da Universidade da Califórnia, autora de “Reshaping the Work-Family Debate: Why Men and Class Matter” (ou “Mudando o debate trabalho-família: por que homens e classe importam”, em tradução livre, não lançado no Brasil).

“Os salários dos homens brancos de classe operária despencaram, e o que acontece aos homens nesse contexto é ansiedades sobre se são ‘homens de verdade'”, ela disse.

Muitos homens desempregados que realizavam trabalho braçal dizem não terem tempo para fazer o esforço para treinar para uma nova carreira porque têm contas a pagar. E dizem que escolheram suas carreiras originais porque queriam construir coisas, não cuidar de pessoas.

Lawrence Katz, um economista de Harvard, tem um termo para isso: “desemprego por espera retrospectiva” ou “procurando pelo emprego que costumava ter”.

“Não é uma incompatibilidade de capacidade, mas uma incompatibilidade de identidade”, ele disse. “Não é que não possam se tornar trabalhadores de saúde, é que as pessoas têm uma visão retrógrada de qual é sua identidade.”

Jon Ray, 31, de Inez, Kentucky, era um eletricista em uma mina de carvão até ela ser fechada há um ano. Ele se candidatou sem sucesso a empregos de manutenção e reparos, e conseguiu um emprego em manufatura após se inscrever em um programa para aprender como operar ferramentas computadorizadas.

Se mais homens aceitassem empregos de colarinho cor-de-rosa, eles poderiam apagar o estigma e transformá-los em empregos de homens, disse Janette Dill, uma socióloga da Universidade de Akron, ao menos para empregos que exigem menos cuidados diretos. “Mais homens optarão por cuidados por não terem uma escolha, mas abrirão espaços para si mesmos e farão com que pareçam menos trabalho de mulheres”, ela disse.

Dill foi coautora de um estudo publicado em abril, que analisou o que acontece quando homens passam a empregos de colarinho cor-de-rosa no campo de saúde. Homens nos empregos mais baixos no setor de saúde, como assistentes de enfermagem que trocam os lençóis dos pacientes e ajudam a banhá-los, ganhavam 10% a menos do que os homens em empregos de colarinho azul. Mas apresentavam menor probabilidade de serem demitidos e seus salários subiam com o passar do tempo, enquanto os salários de colarinho azul estavam estagnados.

Empregos como técnico de ultrassom, que exigem maior treinamento, mas não um diploma superior, pagavam 22% mais do que outros empregos de colarinho azul, após levar em conta coisas como educação. Eles envolvem menos interação com pacientes e mais com computadores, de modo que parecem ser menos femininos.

Há uma divisão de educação e raça entre os homens que aceitam esses empregos, apontou o estudo. Os homens negros apresentam uma probabilidade 3,3 vezes maior que homens brancos de aceitarem empregos mais baixos em saúde, e outros homens de minorias apresentam uma probabilidade 1,8 vez maior. Os homens brancos são os que apresentam uma probabilidade maior de aceitarem empregos técnicos de maior status.

Para homens sem diplomas universitários, um maior treinamento técnico que os capacite para esses empregos poderia ajudar. E se os empregos em saúde pagassem mais e oferecessem melhores benefícios, eles provavelmente atrairiam mais homens. Alguns hospitais estão tentando tornar mais masculinos alguns empregos que envolvem cuidados, como um cartaz de recrutamento comparando a adrenalina de ser um enfermeiro em uma sala de operação a de escalar uma montanha.

Talvez assim os homens possam ter o mesmo orgulho de seu emprego que Dawson, o soldador desempregado, exibiu quando falou sobre fazer as estacas para a reconstrução do World Trade Center. “Eu tinha uma vida boa como soldador”, ele disse. “Ela sempre me agradou. Foi um dos motivos para ter escolhido o emprego.”

Fonte: UOL, com The New York Time
Texto: Claire Cain Miller
Data original da publicação: 05/01/2017

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