Por que o emprego não reage no Brasil

Uma das principais consequências da crise econômica que atingiu o Brasil entre 2014 e 2016 foi o aumento do desemprego. A diminuição dos investimentos fez com que as empresas produzissem menos e demitissem funcionários que, por sua vez, reduziram o consumo em um ciclo de encolhimento da economia que está entre os mais graves da história do país.

Junto com uma retração que chegou a ser de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) comparando ao início da crise, veio o aumento da taxa de desocupação. Entre o primeiro trimestre de 2014 e o mesmo período de 2017, a taxa de desocupação passou de 7,2% para 13,7%. Isso significa que mais que dobrou o número de pessoas em busca de trabalho, que foi de 6,7 milhões para 14,1 milhões.

Segundo o Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos) da Fundação Getúlio Vargas, a recessão terminou no final de 2016. Mas um ano e meio depois, a situação do mercado de trabalho segue bastante pior do que o patamar dos anos anteriores à crise.

O dado oficial mais recente divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o Brasil tinha 13,2 milhões de pessoas desempregadas no trimestre entre março e maio de 2018 – o que significa uma taxa de desocupação de 12,7%.

Medo do desemprego

Quem não tem emprego, procura. Quem está trabalhando, tem medo da demissão. Na terça-feira (10/07), a CNI (Confederação Nacional da Indústria) divulgou que o índice que mede o medo que o brasileiro tem de perder o emprego atingiu o maior nível de toda a série histórica, que começou em 1996. O índice atingiu 67,9 pontos, empatando com o valor de maio de 1999.

A sondagem feita pela CNI dá três opções de respostas aos entrevistados: muito medo, pouco medo ou nenhum medo de perder o emprego. Cada resposta “muito medo” conta como 100 pontos, pouco medo como 50 e nenhum medo como 0 pontos. Com base no número de respostas dado a cada uma das alternativas, se constrói um índice que tem como referência o valor de 50. Ou seja, resultados acima de 50 apontam que é alto o medo de perder o emprego.

Maior da série histórica

O medo de perder o emprego é um problema concreto na economia porque abala a confiança das pessoas. Quem teme ficar sem trabalho não faz grandes investimentos, evita consumir o que não é necessário e contribui para uma economia parada.

Dois anos de governo Temer

O alto nível da taxa de desocupação e o medo do desemprego mostram que o governo do presidente Michel Temer falhou em uma de suas principais promessas para a economia. Quando assumiu o Planalto, ainda interinamente em maio de 2016, o presidente colocou como prioridade a retomada da confiança na economia. Na visão de Temer, a confiança dos agentes econômicos puxaria a recuperação e consequentemente a geração de empregos.

O plano passava por uma série de medidas de controle das contas públicas, de aumento de competitividade e de incentivo ao setor privado. Primeiro foi aprovada a emenda constitucional que institui o teto de gastos públicos. Em seguida, mudanças importantes no mercado de trabalho como a regulamentação da terceirização e a reforma trabalhista.

No discurso do governo, essas medidas serviriam para diminuir a burocracia para a contratação de funcionários e flexibilizariam a relação entre empresas e empregados. Com novas regras e um ambiente mais favorável, os empresários ficariam mais confortáveis para contratar. A consequência das mudanças seria o aumento do emprego no Brasil. Mas isso ainda não aconteceu.

Diante desse cenário, o Nexo conversou com dois economistas sobre os problemas do mercado de trabalho no Brasil:
Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo (PT)
Tiago Cabral Barreira, consultor do FGV/IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas)

O que impede uma melhora no mercado de trabalho no Brasil?

Marcio Pochmann: Há uma mudança estrutural no mundo do trabalho basicamente puxada por dois fatores. O primeiro é o processo de desindustrialização precoce pelo qual o Brasil vem passando, um movimento estrutural que começa nos anos 90 e que seguiu evoluindo. O segundo é a mudança da organização da produção, com enxugamento de vagas internas, a terceirização e a externalização do processo produtivo. Sobre esse quadro, em 2015 vem uma recessão muito profunda concentrada no setor secundário, industrial, e sobre o setor terciário, de serviços. Os dois setores que mais empregam. O setor primário, que praticamente não sofreu com a recessão, é um setor em que o aumento da produção acontece sem aumento de emprego. Em 2017, o PIB cresceu 1% graças ao setor primário. Em 2017, a liberação de recursos como o FGTS ajudou de alguma maneira, mas isso não se manteve. A economia está sem frente de expansão. Na verdade, não podemos dizer exatamente que saímos da recessão.

Tiago Cabral Barreira: É um quadro que está abaixo da expectativa. Desde 2017, o mercado tem reagido. Saiu de um pico de desemprego em março de 2017 para uma queda de 1 ponto percentual. A reação é lenta, não é da maneira esperada. A situação ainda é de grande incerteza, expectativa fraca da economia, que prejudica os investimentos. A economia saiu de uma grande recessão, a baixíssima atividade elevou o desemprego a partir de 2015. Os investimentos, que deveriam puxar a retomada das contratações, ainda são muito incertos. Eventos como a greve dos caminhoneiros, as incertezas eleitorais, tudo isso prejudica o ambiente de negócio no país. Isso acaba adiando a decisão de investir, prejudica o PIB e dificulta a recuperação do mercado de trabalho.

Quais as perspectivas para os próximos meses?

Marcio Pochmann: Segundo o IBGE, temos 27% da força de trabalho procurando trabalho. É a mais grave crise do trabalho no Brasil, pelo menos pós-1930. A cada três brasileiros, um está procurando trabalho. Algo dramático. Por outro lado, sobre os dois terços que estão trabalhando há uma mudança na forma de contratação. A reforma trabalhista institui um contrato que não garante um direito a renda mensal, o que estudiosos chamam de precarização do mercado de trabalho, aprofunda a instabilidade. Isso tira a previsibilidade da renda. Então era uma mudança estrutural sobre a qual vem uma recessão e depois a precarização. Enquanto não houver uma revisão da forma de formalização do mercado de trabalho, o problema continua. A reforma impede uma sustentação do emprego.

Tiago Cabral Barreira: É importante olhar os dados do Caged, que mede a criação de empregos formais. Ele mostra uma reação positiva e é um dado que geralmente antecipa o que aparece depois na PNAD Contínua. O Caged mostra contratações. Mesmo com os problemas, se nada de atípico voltar a acontecer, devemos ter um crescimento de 1,7% no PIB. O que levaria à queda do desemprego para 10,9% em dezembro, essa é a nossa projeção. Outro ponto é que as reformas implementadas pelo governo demoram um pouco para se refletirem no emprego. Isso vai acontecer, mas é um processo de médio prazo, demora um pouco para que os empregadores comecem a contratar nas novas modalidades.

Fonte: Nexo
Texto: José Roberto Castro
Data original da publicação: 14/07/2018

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