Por que estamos vivendo uma segunda “Belle Époque”

Nós não só voltamos aos níveis de desigualdade de renda do século XIX, como também estamos em um caminho de volta para o capitalismo patrimonial.

Paul Krugman

Fonte: Carta Maior
Tradução: Louise Antonia Leon
Data original da publicação: 12/04/2014
Originalmente publicado em inglês no site do The New York Review of Books

Thomas Piketty, professor da Escola de Economia de Paris, não é um nome familiar, mas isso pode mudar com a publicação em língua inglesa de sua magnífica e arrebatadora reflexão sobre a desigualdade, “O Capital no Século XXI”. No entanto, sua influência é mais profunda. Tornou-se um lugar-comum dizer que estamos vivendo uma segunda Idade de Ouro, ou, como Piketty gosta de dizer, uma segunda Belle Époque definida pela incrível ascensão do “um por cento” da população. Mas isso só se tornou um lugar-comum graças ao trabalho de Piketty.

Em particular, ele e alguns colegas (especialmente Anthony Atkinson em Oxford e Emmanuel Saez, em Berkeley) foram pioneiros de técnicas estatísticas que tornam possível rastrear a concentração de renda e riqueza em profundidade em direção ao passado, chegando ao início do século XX nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, e refazendo todo o caminho até o final do século XVIII, no caso da França.

O resultado tem sido uma revolução na nossa compreensão das tendências de longo prazo na formação da desigualdade. Antes dessa revolução, a maioria das discussões sobre a disparidade econômica mais ou menos ignorava os muito ricos.

Alguns economistas (para não mencionar os políticos) tentaram calar qualquer menção ao papel da desigualdade. “Das tendências que são prejudiciais para a economia me parece que o mais sedutor, e na minha opinião o mais venenoso, é se concentrar em questões de distribuição (de renda)”, declarou Robert Lucas Jr., da Universidade de Chicago, o macroeconomista mais influente de sua geração, em 2004. Mas, mesmo aqueles que estão dispostos a discutir a desigualdade, geralmente focam na lacuna entre os pobres ou a classe operária e os meramente bem de vida, não os verdadeiramente ricos (dedicam-se ao estudo comparativo dos ganhos de salário dos que tiveram acesso à universidade, em comparação aos trabalhadores menos instruídos, ou à riqueza de um quinto da população, em relação aos outros quatro quintos, mas não levam em consideração o vertiginoso aumento dos rendimentos de executivos e banqueiros).

Foi como uma revelação quando Piketty e seus colegas mostraram que os rendimentos do agora famoso “um por cento”, e até mesmo de grupos mais restritos, são na verdade a grande história de aumento da desigualdade. E esta descoberta veio acompanhada de uma segunda revelação: o que poderia ser uma hipérbole, ao se falar de uma segunda Era Dourada, não o era absolutamente. Nos Estados Unidos, em particular, a parcela da renda nacional que vai para o topo do “um por cento” mais rico tem seguido um grande arco em forma de U. Antes da Primeira Guerra Mundial, o “um por cento” recebeu cerca de um quinto do total da renda na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Por volta de 1950, essa participação foi cortada pela metade. Mas, desde 1980, o um por cento tem visto sua parcela de renda aumentar de novo e, nos Estados Unidos, está de volta ao que era há um século.

Ainda assim, a elite econômica de hoje é muito diferente daquela do século XIX, não é? Naquela época, uma grande riqueza tendia a ser resultado de herança; as pessoas da elite econômica de hoje não conquistaram a sua posição? Bem, Piketty nos diz que isso não é tão verdadeiro como se pensa e que, em qualquer caso, este estado de coisas pode não ser mais duradouro do que a sociedade de classe média, que floresceu por uma geração após a Segunda Guerra Mundial. A grande ideia de “O Capital no Século XXI” é que nós não apenas voltamos aos níveis de desigualdade de renda do século XIX, como também estamos em um caminho de volta para o “capitalismo patrimonial”, onde os altos comandos da economia são controlados não por indivíduos talentosos, mas por dinastias familiares.

É uma notável afirmação e, justamente por ser tão notável, precisa ser examinada com cuidado e de forma crítica. Antes de entrar nesse debate, porém, quero dizer desde logo que Piketty escreveu um livro verdadeiramente soberbo. É um trabalho que mescla grande varredura histórica – quando foi a última vez que você ouviu um economista invocar Jane Austen e Balzac? – com análise de dados meticulosa. E mesmo que Piketty zombe da profissão de economista por sua “paixão infantil para a matemática”, subjacente a sua discussão há um tour de force de modelagem econômica, uma abordagem que integra a análise do crescimento econômico com o da distribuição de renda e riqueza. Este é um livro que vai mudar muito a maneira como pensamos a sociedade e o modo como fazemos economia.

Paul Krugman é colunista do The New York Times e Professor de Economia e Relações Internacionais em Princeton. Ele recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2008.

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