Por que a desigualdade parou de cair no país, segundo esta ONG

Entre 2016 e 2017, a desigualdade de renda ficou estagnada no Brasil. Essa é a principal conclusão do relatório da ONG Oxfam, organização não-governamental que reúne entidades que abordam a questão da desigualdade no mundo, em relatório divulgado na segunda-feira (26).

No período entre 2002 e 2014, o país vinha reduzindo a diferença de renda entre pobres e ricos. A interrupção da queda se deu em um momento em que o país viveu uma profunda crise econômica, com aumento do desemprego, e uma crise fiscal, com o governo cortando gastos não obrigatórios a fim de tentar garantir recursos para bancar despesas compulsórias, como Previdência e salários do funcionalismo.

“Tal cenário é a marca de uma crise econômica, fiscal e política que vivemos desde fins de 2014. Houve retração geral da renda nacional desde então, produto da recessão que praticamente fez dobrar o desemprego no país, de 6,8% em 2014 para 12,7% em 2017. Tal movimento afetou muito mais os pobres, as mulheres e a população negra”

Trecho do relatório da Oxfam

Com a estagnação, o Brasil, que era o 10º país mais desigual do mundo, agora é o 9º em uma lista de 189 nações feita pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

A aferição da desigualdade de renda, nesse caso, é feita pelo índice de Gini. O índice é um coeficiente matemático criado para medir concentração, não só de renda, e varia de 0 a 1. No caso do estudo da Oxfam, o índice é aplicado aos microdados de renda da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), ou seja, a base para o cálculo de Gini é a renda das famílias brasileiras.

O número 0 corresponde à igualdade total e o número 1 corresponde à desigualdade completa, com apenas uma pessoa recebendo toda a renda e as demais não recebendo nada.

A instituição vê como um avanço o fato de que nove em cada dez brasileiros consideram que o país é desigual. A solução apontada pela população, segundo apontou uma pesquisa de opinião feita em conjunto com o Datafolha em 2017, seria aumentar a oferta de empregos, o investimento público em políticas sociais e realizar uma reforma tributária.

A Oxfam avalia que a discussão sobre temas como progressividade do gasto público e reforma tributária para a diminuição da desigualdade não tem avançado. O relatório trata tanto do estágio da desigualdade quanto das mudanças que a ONG considera necessárias para sua redução via política fiscal.

A base de dados e o índice

Entre 2002 e 2014, o Brasil acumulou quedas sucessivas no índice de Gini, ou seja, a desigualdade diminuiu no país. O índice era de 0,59 em 2002 e chegou a 0,52 em 2014, a partir de dados da Pnad anual, encerrada em 2015 pelo IBGE.

A partir de 2016, a Oxfam começou a usar a Pnad Contínua, com diferenças metodológicas. Os dados de 2015 foram descartados, por isso não aparecem nos gráficos abaixo.

E uma nova série foi iniciada. Em 2016, então, o Brasil registrou o índice Gini de 0,55, com dados da Pnad Contínua. Em 2017, o índice permaneceu o mesmo, a partir da mesma base de dados.

Portanto, é possível dizer que o índice caiu de 2002 a 2014, dentro de uma mesma base de dados, e que o índice permaneceu o mesmo entre 2016 e 2017, dentro de uma mesma base de dados.

Não é possível, porém, comparar o índice de 0,55 de 2016 e 2017 com o índice de 0,52 de 2014, por exemplo, já que são períodos analisados com bases de dados diferentes (Pnad anual entre 2002 e 2014 e Pnad Contínua entre 2016 e 2017).

Os mais pobres e a média geral Quando se compara a renda média dos 40% mais pobres em relação à média total, o movimento de queda é o mesmo no período de 2002 a 2014.

Em 2002, os 40% mais pobres recebiam o equivalente a 21% da média geral. Em 2014, a relação era de 29%.

Mais uma vez não é possível comparar o resultado de 2016 e 2017 com os anos anteriores, mas é possível observar que, entre esses dois anos mais recentes, com a mesma base de dados, houve uma diminuição de participação dos 40% mais pobres na renda geral, de 25% para 24%.

Entre 2016 e 2017, o Brasil passou a ter mais pobres. Em 2017, eram 15 milhões de pessoas com renda de menos de US$ 1,90 (R$ 7,48) por dia, 11% a mais que no ano anterior.

Os negros e as mulheres

O estudo também conclui que a desigualdade no Brasil pesa mais para negros e mulheres.

Em 2016, os negros tinham renda média equivalente a 57% da média dos brancos. Em 2017, a desigualdade aumentou, com os negros recebendo 53% da média dos brancos.

A desigualdade também aumentou no recorte de gênero. As mulheres, que recebiam 72% da renda média dos homens em 2016, passaram a receber 70% em 2017.

A tributação, os gastos e a desigualdade

Para a Oxfam, o poder público pode interferir, ajudando a aumentar ou reduzir a desigualdade, de duas maneiras: com tributos e políticas sociais.

O relatório lamenta que nada tenha sido feito para corrigir a injustiça tributária que está em vigor no Brasil.

A premissa básica é que a carga tributária baseada na cobrança sobre bens e serviços, como ocorre no Brasil, pesa mais para os mais pobres, que usam uma parte maior da renda para esses fins.

Assim, o sistema tributário retroalimenta a desigualdade cobrando mais, proporcionalmente, de quem tem menos. Isso acontece principalmente na cobrança dos tributos indiretos.

Um exemplo: se um pobre e um rico compram o mesmo pacote de arroz, o pobre estará pagando uma parcela maior de sua renda em tributos sobre aquele produto, já que ganha menos. Por isso a tributação no consumo é considerada mais regressiva.

Os tributos diretos são aqueles cobrados diretamente das famílias, como o imposto de renda, o IPTU ou o IPVA. Eles costumam ser mais progressivos porque, em geral, tendem a cobrar alíquotas maiores dos mais ricos, que moram nos melhores bairros e têm os carros mais caros.

REGRESSIVIDADE

A Oxfam avalia ainda que o governo manteve um sistema tributário regressivo e diminuiu os gastos com políticas sociais.

No geral, o relatório diz que o gasto público ainda contribui para a redução de desigualdades, mas houve retrocessos recentes.

Em grave crise fiscal, o Palácio do Planalto cortou despesas que não são obrigatórias e afetou, segundo a Oxfam, programas que eram importantes para diminuir a desigualdade no Brasil.

Para chegar aos dados do gráfico abaixo, a Oxfam usou a mesma definição de gastos sociais que a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), que considera “o montante de recursos destinados ao financiamento de planos, programas e projetos cujo objetivo é gerar um impacto positivo sobre um problema social”.

A DÍVIDA E OS GASTOS SOCIAIS

Com o país em crise, no entanto, cresceu a proporção que gastos sociais, principalmente pelo efeito dos obrigatórios, têm em relação ao PIB.

A economia encolheu em 2015 e 2016. Isso significa que, mesmo se um gasto permanecer inalterado no período, ele teve um peso maior em relação ao PIB.

A Oxfam usou também uma metodologia própria para tratar de gastos sociais. No gráfico abaixo, usa-se um conceito mais amplo, que considera as despesas que estão “relacionadas diretamente à efetivação dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais”.

Com a Previdência aconteceu mais do que isso.

Enquanto a economia encolheu, os gastos com pagamentos de aposentadorias e benefícios cresceram, como é possível ver no gráfico.

A Oxfam ressalta que, no geral, a Previdência tem um papel importante na diminuição da desigualdade, mas alerta que é importante uma “revisão” para “cortar benevolências injustas”.

“Como essa rubrica inclui todos os benefícios previdenciários, seja do Regime Geral ou do Regime Próprio, é necessário ver com cuidado onde este gasto é progressivo e onde ele não o é. É inegável a necessidade de uma reforma no sistema previdenciário para a manutenção da própria saúde do Estado do bem-estar social brasileiro, mas a mesma não deve penalizar a base da pirâmide social e manter privilégios”

Trecho do relatório da Oxfam

Na avaliação da ONG, os gastos do Estado com saúde e educação são os mais importantes para as pessoas mais pobres, principalmente em famílias com filhos.

Os 40% mais pobres, que têm renda média per capita de R$ 696 a cada mês, dependem do governo para acessar serviços básicos de educação e saúde e qualquer medida que limite o investimento nessas áreas “têm brutal impacto” sobre essas pessoas, sobre a pobreza e a desigualdade.

As medidas sugeridas

REVOGAÇÃO DO TETO DE GASTOS

A Oxfam faz duras críticas ao teto de gastos, estabelecido no Brasil no fim de 2016 para controlar o crescimento da despesa do governo e tentar acabar com o deficit primário que o governo tem desde 2014. A emenda que limita o crescimento do gasto público à inflação do ano anterior (e na prática significa um congelamento) é chamada de medida extrema. A Oxfam pede a revogação da emenda e diz que isso é fundamental para que o país volte a diminuir desigualdades.

REFORMA TRIBUTÁRIA

A ONG avalia que o país precisa de uma reforma tributária que aumente a progressividade dos impostos. Uma das propostas é a criação de novas alíquotas mais altas de Imposto de Renda para os mais ricos. Atualmente, toda renda acima de R$ 4.700 mensais é tributada em 27,5%. Outra ideia é a tributação de lucros e dividendos. Atualmente, no Brasil, os lucros das empresas são tributados na pessoa jurídica com alíquota máxima de 15% e não há cobrança sobre os donos quando eles recebem esse dinheiro.

COMBATE À CORRUPÇÃO

A Oxfam defende o combate à corrupção não somente pelo dinheiro que é retirado de áreas sociais em desvios, mas porque “retira a esperança de pessoas no papel redistributivo do Estado”.

REFORMA DA PREVIDÊNCIA

O relatório fala sobre a necessidade de uma reforma da Previdência que corte privilégios e reduza os gastos com o sistema brasileiro, que hoje inviabiliza investimentos em outras áreas.

Fonte: Nexo
Texto: José Roberto Castro
Data original da publicação: 27/11/2018

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