Política neoliberal e criminalização da contestação na Espanha

Antonio Baylos

Tradução: DMT

As políticas de austeridade, impostas na Espanha através de sucessivas reformas trabalhistas entre 2010 e 2012, são caracterizadas pelo seu antissindicalismo, típico da ideologia neoliberal que as alimenta. Tais políticas degradam as garantias do trabalho, dissolvendo o poder e a presença sindical, rompendo a capacidade geral de representação do sindicato ao tentar impedir o direito de negociação coletiva e reduzir a taxa de cobertura da mesma, impedindo a capacidade de diálogo com as autoridades públicas e enterrando o diálogo social. Finalmente, as citadas reformas suprimem a capacidade de pressão e intimidação que o sindicalismo possui, principalmente através da greve e do direito de manifestação pública.

Essas políticas neoliberais foram respondidas por um ciclo de longas e extensas mobilizações e lutas de uma continuidade notável, de 2010 até 2014, ininterruptamente, com diferentes tempos e fases de mobilização durante esse período, conseguindo corroer de forma significativa a legitimidade e a eficácias das reformas.

Assim, o neoautoritário modelo de relações trabalhistas que estas políticas colocavam em prática requeria, em todo caso, definir um projeto preciso de desarticulação das resistências à sua implantação. Um projeto repressivo geral que afetasse as liberdades democráticas e impedisse sua funcionalidade civil, que é de combater uma cidadania desigual através da expressão da contestação e do conflito, reivindicando um trato igualitário, o respeito ao trabalho decente e a desmercantilização das necessidades sociais.

As novas formas que assume a resistência social – escrachos1, “rodeia o Congresso”2, “tomar a rua”, marés cidadãs, flashmobs3, concentrações convocadas pelas redes sociais – encontram uma atitude mais garantista pelo poder judicial, que não considerou a maioria desses atos como delito. Para essas novas formas, foram necessários novos instrumentos repressores, que se apoiam na “imunização” da coerção policial em respeito ao controle dos juízes e a virtualidade opressiva da multa pecuniária. Esses são os dois pontos em que se baseia o esquema opressor da Lei Orgânica 4/2015, da Proteção da Seguridade Cidadã, conhecida como “Lei Mordaça”.

No entanto, a formas clássica de resistência social, a recusa do trabalho através da greve, foi objeto de uma repressão mais articulada. Como os controles institucionais ao exercício do direito de greve não haviam conseguido dissolver sua eficácia nos distintos níveis em que essa se desenvolveu, procedeu-se à utilização do instrumento repressivo penal como elemento de dissuasão massivo e como amostra exemplificativa das consequências que poderiam ocorrer ao participar de uma greve através dos piquetes de extensão da mesma. A acusação de coerção durante a greve foi associada a qualquer conflito em que haviam tomado parte os piquetes, sem ignorar outros delitos, como atentado à autoridade ou similares.

Esse redescobrimento do Código Penal ocorreu sob o governo socialista, visto o pedido de criminalização penal massiva da greve geral de 2010 promovida pelo Ministerio Fiscal4, e explica sua continuação no governo do Partido Popular como resposta às greves gerais de 2012 e 2013, tornando-se assim “política de estado”. O Ministerio Fiscal, seguindo as instruções do governo de um ou outro partido, impulsionou ações penais contra mais de trezentos sindicalistas e ativistas nas greves, mantendo nos primeiros julgamentos penas entre dois e quatro anos para os grevistas. Nesses processos iniciados, percebe-se a importância constitutiva do relatório policial, que constrói o fato criminal, as coerções e as intimidações sobre a figura do piquete, independente de quem seja o autor material desses fatos, indicados a posteriori mediante identificação policial que sempre coincide com os dirigentes sindicais presentes nos conflitos.

Felizmente, o julgamento de oito dirigentes sindicais da empresa que constrói os aviões Airbus culminou com a absolvição dos acusados. O caso permitiu revelar o tecido da imposição arbitrária e a provocação policial durante o conflito, tornando-se um exemplo de mobilização sindical que conseguiu quebrar o muro de silêncio que se havia consolidado nos meios de comunicação sobre essa estratégia de dissuasão e ameaça. Conseguiu-se, também, que o próprio Partido Socialista Operário Espanhol, junto ao Podemos e à Esquerda Unida, solicitasse a revogação do dispositivo penal, o que é um passo muito importante. Porém, a denúncia desta estratégia do poder público para quebrar a capacidade de resistência e de afirmação de um projeto alternativo de sociedade ou de defesa do emprego precisa incluir a constatação dos cinco anos de controle policial e de ameaça aos acusados de participação ativa nos piquetes de greve, que faz parte de conteúdo essencial do direito de greve e, portanto, deve ser protegido como um direito fundamental de todos os cidadãos.

Notas

1 Em espanhol, “escraches”, tipo de manifestação comum na região do Rio da Prata e na Espanha que consiste em ir ao domicílio de alguém que se queira denunciar.
2 Em espanhol, “rodea el congresso”, também conhecida como 25-S, foi uma ação em 25 de setembro de 2012, na cidade de Madri, com a intenção de rodear o Congresso dos Deputados da Espanha.
3 Aglomerações instantâneas de pessoas em um lugar determinado para fazer algum tipo de ação e então dispersar.
4 Na Espanha, órgão equivalente ao Ministério Público brasileiro. Integra o Poder Judiciário espanhol e é dotado de autonomia funcional.

Antonio Baylos é doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha – Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS).

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