Pode a poupança de 2020 bancar a retomada de 2021?

Fotografia: Luiza Castro/Sul21

Como a pandemia não acabou e a vacinação ainda nem começou, é certo que haverá percalços no processo de lenta retomada da atividade econômica.

Flavio Fligenspan

Fonte: Sul21
Data original da publicação: 11/01/2021

Causa apreensão começarmos 2021 com a retirada do Auxílio Emergencial, programa que deu suporte a milhões de pessoas que ficaram sem renda em função do distanciamento social. Como a pandemia não acabou e a vacinação ainda nem começou, é certo que haverá percalços no processo de lenta retomada da atividade econômica. Logo, cabe perguntar como vão se sustentar as famílias que dependiam do Auxílio, especialmente as mais pobres e que retiravam seu sustento de atividades informais ligadas à grande área dos Serviços, visivelmente a mais prejudicada pelo necessário distanciamento social. A nova onda da pandemia, em pleno vigor, só piora a situação e retarda a retomada.

O Governo, premido, por um lado, pelo seu dogmatismo fiscal e por pressões do sistema financeiro e da grande imprensa pela recuperação das contas públicas, e, por outro, pela paralisia do Congresso diante da indefinição sobre quem vai presidir as duas casas legislativas, resolveu apostar na espera dos primeiros resultados do ano, para agir (ou não agir). Enquanto isto, o sinal amarelo já acendeu com uma pesquisa de opinião em que diminuíram as taxas de aprovação do Governo e do Presidente.

A equipe econômica acha que tem um trunfo na mão, o aumento expressivo da taxa de poupança das famílias brasileiras no ano passado. Parte deste aumento se justifica pelo fato de que muitas pessoas receberam o Auxílio indevidamente, isto é, não eram elegíveis para um programa de caráter emergencial em que os recursos deveriam servir somente para suprir primeiras necessidades. Houve também inúmeros casos de burla ao sistema que o Governo não conseguiu capturar. Uma parcela destes recursos foi gasta em produtos como material de construção, que registrou uma alta significativa e inesperada das vendas, e parte constituiu fundos de poupança. Outra parte do aumento da taxa de poupança provém da permissão para saques do FGTS e outra ainda, da renda não gasta em consumo de bens e, principalmente, de serviços pelas famílias das camadas média e superior da pirâmide.

O fato é que o Ministério da Economia acredita que estes recursos de várias fontes atualmente parados na poupança devem voltar logo para a atividade, alimentando gastos que vão fazer a roda da economia girar novamente; e com ela virão os empregos e a renda para substituir o Auxílio. Fora o fato de que este arranjo depende diretamente do controle da nova onda da pandemia e dos resultados positivos de um programa de vacinação sequer conhecido. Assim, está-se falando de um arranjo que, no mínimo, levará alguns meses para se efetivar. Isto porque há diferentes grupos de famílias que pouparam recursos em 2020 e estes grupos o fizeram com diferentes objetivos e preocupações. Ou seja, quem poupou pode não ser exatamente o mesmo grupo que tem disposição e confiança para gastar.

No que se refere às camadas de renda média e superior, com mais folga orçamentária e menos temor de lançar mão de suas poupanças, parece não haver problema, o raciocínio funciona. As famílias desta faixa têm boa parte do seu orçamento alocada em gastos com Serviços, muitos deles temporariamente cortados pelo distanciamento social. Turismo, lazer e refeições fora de casa são os representantes típicos deste tipo de gasto e seriam rapidamente retomados diante de condições sanitárias favoráveis, inclusive com impactos positivos diretos sobre o emprego e ocupações formais e informais. Tudo que não foi gasto em 2020 estaria alocado em poupança e pronto para ser gasto agora, até mesmo com muito ímpeto, como resposta ao momento anterior de privação.

No entanto, o mesmo raciocínio não vale para a outra parte da pirâmide, a mais baixa. Neste caso, a poupança adquire o caráter de precaução, especialmente para aqueles que se vêem diante da possibilidade de perda do emprego e da renda, mais ainda se houver demora na retomada da atividade. Um agravante para a situação de incerteza destas famílias é o aumento da taxa de desemprego que já se verificou nos últimos meses e deve crescer no período a seguir, rebaixando os rendimentos médios e forçando ainda mais a informalização no mercado de trabalho. Diante da projeção de um ambiente hostil no futuro próximo, a poupança destas famílias não será direcionada para o consumo e não ajudará a compor um quadro de retomada da atividade. Ao contrário, será gasta, parcimoniosamente, em produtos de primeira necessidade e no pagamento de aluguéis e serviços públicos indispensáveis, como água e eletricidade.

Há manifestações expressas de expectativa positiva de membros do Ministério quanto ao uso dos recursos poupados e sua ligação direta com a retomada da atividade econômica. Pelo visto, uma aposta arriscada, e que num prazo de dois a três meses deve ser substituída por alguma forma de auxílio, talvez através do incremento do Bolsa Família, seja por ampliação do público-alvo, seja por aumento do valor do benefício.

Flavio Fligenspan é Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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