Patroas e adolescentes trabalhadoras domésticas: relações de trabalho, gênero e classes sociais

Paulo Eduardo Angelin
Oswaldo Mário Serra Truzzi

Fonte: Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 30, n. 89, p. 63-76, out. 2015.

Resumo: O trabalho doméstico é muito comum no Brasil e muitas adolescentes, experientes com a prática desse trabalho no âmbito de suas unidades familiares, se ocupam no setor. O artigo analisa os possíveis relacionamentos entre patroas e adolescentes trabalhadoras domésticas no município de São Carlos, interior paulista, considerando as relações de trabalho estabelecidas, as relações de gênero, bem como as classes sociais envolvidas. Desfecho de uma investigação de campo, os resultados permitem concluir que, de acordo com o contexto de classe social e vínculos de trabalho constituídos, os relacionamentos poderão ser mais afetivos, harmoniosos e menos hierarquizados ou, mais formais, com papéis e limites bem definidos, assegurados por uma relação hierárquica e de poder e com tendência de conflitos.

Sumário: Introdução | A noção de adolescência e o trabalho doméstico | Relações de gênero, trabalho doméstico e contexto de classe social | Relacionamento entre patroas e adolescentes empregadas domésticas segundo o contexto de classe social | Contexto semelhante de classe social entre patroa e adolescente trabalhadora doméstica | Contextos diferentes de classe social | Considerações finais | Bibliografia

Introdução

O trabalho doméstico é uma das ocupações mais antigas de trabalho assalariado, caracterizando-se como um tipo de ofício arraigado “na história global da escravatura, do colonialismo e de outras formas de escravidão” (BIT, 2010, p. 5). Reflete um sistema fortemente estratificado de gênero, classe e cor, pois a maioria dos trabalhadores é formada por mulheres negras, oriundas de famílias cujo nível de renda é considerado baixo e que realizam os afazeres domésticos para famílias de classes média e alta, geralmente sob a supervisão de outra mulher (Brites, 2007).

Segundo o relatório da Internacional Labour Office (ILO, 2013), existem cerca de 7,2 milhões de empregados domésticos no Brasil, dos quais 93% são mulheres. Outros dados mostram predominância de mulheres negras no setor, longas jornadas de trabalho, o que tornam as atividades muito cansativas, e baixo nível de rendimento (PED, 2011). Com a aprovação da Emenda Constitucional (PEC) n. 66/2012 em 26 de março de 2013 e publicação no Diário Oficial da União (DOU) em 3 de abril de 2013, os empregados domésticos foram contemplados quase que plenamente pelo artigo 7º da Constituição Federal de 1988 e tiveram seus direitos equiparados aos trabalhadores de outras profissões, corrigindo, assim, uma injustiça social. Além do mais, de acordo com o Decreto n. 6.481, de 12 de julho de 2008 (Brasil, 2008), é proibido o emprego do menor de 18 anos no trabalho doméstico, por ser considerado insalubre e perigoso.

Entretanto, o trabalho doméstico constitui atualmente um tipo de ocupação que emprega ilegalmente crianças e adolescentes. Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI, 2013), 258 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, em geral oriundos de famílias pobres, estavam ocupados em 2011 no trabalho doméstico, representando 3,9% do contingente total de empregados domésticos no Brasil naquele ano. Os maiores percentuais concentram-se nas regiões Nordeste (39,9%) e Sudeste (25,9%). Ao considerar separadamente os grupos por idade, os dados revelam que a maior fração de indivíduos ocupados está na faixa etária entre 16 e 17 anos, na qual 135.041 exercem o trabalho doméstico remunerado, seguida por 92.469 trabalhadores domésticos ativos na faixa etária entre 14 e 15 anos. Os dados ainda relevam que 93% desse contingente total de trabalhadores infanto-juvenis domésticos são meninas e 67% são negras (Idem).

Como se observa, o trabalho doméstico é uma forma de ocupação muito comum no Brasil entre meninas adolescentes negras e provenientes, sobretudo, de famílias pobres. Consiste numa extensão do trabalho doméstico de adultos, tendo as mesmas características, escancarando o forte sistema estratificado de gênero, classe e cor assentado sob ele, conforme apontou Brites (2007).

Uma questão importante quando se discute o trabalho doméstico, especialmente aquele realizado por adolescentes trabalhadoras, diz respeito aos relacionamentos existentes entre patroas e empregadas, que, conforme o contexto social, podem ser harmônicos, revelando relações mais afetuosas, ou mais complexos e conflitantes, desencadeando angústias e sofrimentos. Stengel (2003) afirma que a relação entre patroa e empregada pode ser percebida de maneira bastante positiva, na qual se podem construir laços de ajuda, respeito e aprendizagem, resultando em ganhos, não materiais, mas principalmente afetivos. Brites também atenta para a valorização que as trabalhadoras domésticas fazem do trabalho doméstico e dos relacionamentos existentes entre patroas e empregadas:

[…] quando outras opções de inserção no mercado de trabalho se mostram inatingíveis, o serviço doméstico aparece como um trabalho com possibilidades inexistentes no mercado de trabalho formal. Vantagens de negociar adiantamentos, faltas, horários e as ajudas materiais advinda da casa dos patrões foram apontadas como “o que vale a pena” no serviço doméstico (Brites, 2003, p. 65).

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Paulo Eduardo Angelin. Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba – PR, Brasil.

Oswaldo Mário Serra Truzzi. Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos – SP, Brasil.

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