Para onde foram os sindicatos? Do sindicalismo de confronto ao sindicalismo negocial

Ricardo Antunes
Jair Batista da Silva

Fonte: Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 75, p. 511-527, set./dez. 2015.

Resumo: O objetivo deste artigo é indicar elementos para a seguinte indagação: para onde foram os sindicatos? Para tanto, analisamos as duas principais centrais sindicais do país: a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical (FS), tanto em seu ideário quanto em relação às suas respectivas atuações sindicais. Nossa hipótese central é que o sindicalismo brasileiro recente, denominado como novo sindicalismo, sofreu grandes transformações ao longo de mais de três décadas, que acabaram por alterar significativamente suas práticas e concepções sindicais. Isso se verificou especialmente em seu núcleo mais importante, a CUT, resultante direta do novo sindicalismo, cuja atuação sindical distanciou-se do chamado sindicalismo combativo, dotado de claro caráter de classe, para práticas sindicais predominantemente voltadas para as negociações visando à ampliação dos espaços de cidadania. Para realizar esta análise nosso trabalho recorreu às principais resoluções de congressos, plenárias, documentos e às pesquisas que analisaram as práticas sindicais durante as décadas mais recentes.

Sumário: Introdução | A CUT: a emergência do confronto, o avanço do sindicalismo propositivo e o culto da negociação | A Força Sindical: a pragmática neoliberal no interior do sindicalismo | Rumo ao sindicalismo negocial de Estado? | Referências | Documentos consultados

Introdução

O objetivo deste artigo é compreender as mutações que vêm ocorrendo nos organismos de representação da classe trabalhadora, particularmente as transformações experimentadas pelas principais centrais sindicais, visando oferecer uma resposta inicial à indagação que motiva este texto: para onde foram os sindicatos?

Para indicar algumas respostas que particularizam o caso brasileiro, vamos procurar compreender, em linhas mais gerais, quais foram os ideários e as principais ações desencadeadas pelas duas principais centrais sindicais que atuaram – e atuam – no Brasil recente: a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical (FS). Esta análise tem como pano de fundo o contexto econômico, político e sindical que remete aos ciclos das lutas e ações sindicais travadas nas últimas décadas no Brasil.

Para esboçar uma resposta preliminar à questão, parece-nos adequado partir da seguinte hipótese: o sindicalismo brasileiro recente (ou novo sindicalismo, como se consagrou na bibliografia especializada) vem se transformando de modo acentuado; inaugurado pelas greves de 1978, bem como pelas primeiras articulações sindicais que se desenvolviam desde meados daquela década, o novo sindicalismo promoveu mudanças significativas na cultura sindical e política brasileira ao instituir novas práticas, mecanismos e instituições. Gradativamente, entretanto, ao longo de mais de três décadas, suas práticas cotidianas de acentuada (ainda que não exclusivamente) tendência confrontacionista – foram sendo substituídas por uma nova pragmática sindical predominantemente negocial, onde o confronto cedia espaço para as parcerias, negociações e incentivo aos pactos sindicais etc. (Antunes, 2013; Antunes e Santana, 2014; Silva, 2008; 2013).

O desdobramento desta mutação vem consolidando entre nós uma prática sindical que, para além de fetichizar a negociação, transforma os dirigentes em novos gestores que encontram na estrutura sindical mecanismos e espaços de realização, tais como operar com fundos de pensão, planos de pensão e de saúde, além das inúmeras vantagens intrínsecas ao aparato burocrático típico do sindicalismo de estado vigente no Brasil desde a década de 1930. Isto alterou o perfil das lideranças e das práticas sindicais adotadas até então. Tais mudanças também alteraram o destinatário do discurso sindical, cujo ideário vai paulatinamente se deslocando de um sindicalismo de classe para um sindicalismo cidadão (Silva, 2008; Antunes, 1995; J. Rodrigues, 1997; Rodrigues, 1993)

Sabemos que estas mutações e metamorfoses nas práticas sindicais ocorreram ao longo da um período expressivo da ação da classe trabalhadora e suas formas de organização no Brasil. Ao longo dos anos 1980, por exemplo, nosso país esteve à frente das lutas sociais e sindicais, mesmo quando comparado com outros países avançados dotados de ampla experiência sindical. A criação do PT em 1980, da CUT em 1983, do MST em 1984, a luta pelas eleições diretas em 1985, a eclosão de quatro greves gerais ao longo da década, a campanha pela Constituinte e a promulgação da nova Constituição em 1988 e, finalmente, as eleições diretas de 1989, são exemplos vivos da força das lutas daquela década. Houve avanços significativos na luta pela autonomia e liberdade dos sindicatos em relação ao Estado, através do combate ao Imposto Sindical, à estrutura confederacional, cupulista, hierarquizada e atrelada (Antunes, 1982; Araújo, 1998; Vianna, 1976), instrumentos que se constituíam em alavancas utilizadas pelo Estado e as classes dominantes para controlar os sindicatos e a classe trabalhadora. Aquela década conformou, também, um quadro nitidamente favorável para o chamado novo sindicalismo, que caminhava em direção contrária à crise sindical presente em vários países capitalistas avançados.

Entretanto, no final da década de 1980 já começavam a despontar as tendências econômicas, políticas e ideológicas que foram responsáveis pela inserção do sindicalismo brasileiro na onda regressiva, resultado tanto da reestruturação produtiva em curso em escala global, como da emergência da pragmática neoliberal e da financeirização do capital, que passaram a exigir mudanças significativas no mundo do trabalho. Esta processualidade complexa trouxe fortes consequências também para os organismos representativos da classe trabalhadora. (Antunes, 2013; Antunes e Santana, 2014; Silva, 2008; 2009). Vamos indicar, então, como esse movimento ocorreu no interior das duas principais centrais sindicais do país, na CUT e na Força Sindical. Comecemos pela CUT.

Clique aqui para continuar a leitura deste artigo na página do Caderno CRH na biblioteca eletrônica SciELO

Ricardo Antunes é Livre Docente em Sociologia (UNICAMP). Professor Titular de Sociologia do Trabalho no Departamento de Sociologia e do Programa de Pósgraduação em Sociologia do IFCH/UNICAMP. Tem experiência na área de sociologia, com ênfase em sociologia do trabalho e teoria social, atuando principalmente nos seguintes: trabalho, ontologia do ser social, classes sociais, movimento operário e sindicalismo. Publicações recentes: Os Sentidos do Trabalho (São Paulo: Boitempo, 2013) reedição, publicado também na Argentina, Itália, EUA, Inglaterra/Holanda, Portugal e Índia; Adeus ao Trabalho? (São Paulo:Cortez, 2015), edição especial de 20 anos, publicado também na Argentina, Colômbia, Venezuela, Espanha e Itália e Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, vol. III (São Paulo: Boitempo), entre outros livros. Coordena as Coleções Mundo do Trabalho (Boitempo) e Trabalho e Emancipação (Expressão Popular).

Jair Batista da Silva é Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP). Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/UFBA. Pesquisador do CRH-Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades/UFBA. Tem experiência na área de sociologia, com ênfase em sociologia do trabalho e teoria social, atuando principalmente nos seguintes: sindicalismo, racismo, trabalho bancário, teoria das classes sociais, marxismo e reconhecimento. Publicações recentes: Classes e lutas de classes: novos questionamentos (co-autoria Henrique Amorim). (São Paulo: Annablume, 2015); A perversão da experiência no trabalho (Salvador: EDUFBA, 2009).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *