Para medir as desigualdades raciais no mercado de trabalho

Pedro C. Chadarevian

Fonte: Revista de Economia Política, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 283-304, abr./jun. 2011.

Resumo: Quanta desigualdade racial há no mercado de trabalho brasileiro? Quais têm sido os impactos das mais recentes transformações nas relações de trabalho sobre essa desigualdade? Pode-se comparar a situação do Brasil com a de outros países? Essas questões não possuem, hoje, uma resposta objetiva. Isso se deve, principalmente, à ausência de medidas que permitiriam fazer comparações regionais e de longo prazo de diferentes situações de desigualdade racial. A proposta deste artigo é fornecer novos indicadores para avaliar as desigualdades raciais nas estruturas ocupacional e salarial brasileiras. Os resultados aqui apresentados mostram que as distâncias entre brancos e não brancos aumentaram desde os anos 1980. Além disso, os dados permitem afirmar que as desigualdades sociais são, hoje, piores no Brasil do que em países que adotaram leis de ações afirmativas para enfrentar a discriminação.

Sumário: Apresentação | Os índices de desigualdade em seu devido contexto | A breve história dos índices de desigualdade racial | O debate sobre a mensuração da desigualdade racial no Brasil | Uma medida do grau de hierarquização racial na economia | Uma medida da desigualdade racial de rendimentos | Conclusões | Notas | Referências bibliográficas

Apresentação

Os cientistas sociais são unânimes em constatar a existência de desigualdades raciais no mercado de trabalho no Brasil. As divergências surgem com respeito ao grau que o fenômeno assume na atualidade, bem como a sua evolução ao longo do tempo. Assim, questões centrais como o impacto das políticas públicas recentes sobre as desigualdades raciais seguem sem uma resposta concreta. Consequentemente, têm surgido propostas radicalmente distintas para combater o problema. É evidente que estas divergências se devem, em parte, ao posicionamento normativo do cientista social, variável conforme o contexto histórico, e conforme o conceito de justiça distributiva em que baseia sua abordagem da realidade social.

A partir de um resgate histórico das tentativas, no pensamento social e econômico, de medir as desigualdades econômicas – em especial as que opõem os grupos étnico-raciais – procuraremos fornecer uma metodologia alternativa, superando algumas das dificuldades hoje existentes. Estas são principalmente de duas ordens. Em primeiro lugar, com relação à desigualdade racial na estrutura ocupacional do mercado de trabalho, os indicadores propostos – como o índice de dissimilaridade – pecam por não possibilitar comparações ao longo do tempo e entre países ou regiões diferentes. Enfrentam também o problema de agregar de forma objetiva, em um único indicador, ocupações extremamente diferentes. Podem, além disso, produzir resultados ambíguos, dificultando a sua aplicação à realidade.

Em segundo lugar, e referindo-se mais especificamente ao terreno do economista, nota-se uma dificuldade metodológica na contribuição para se medir a desigualdade racial de rendimentos. As medidas hoje dominantes na literatura derivam de uma fundamentação neoclássica do funcionamento da economia baseadas na teoria do capital humano, segundo a qual os diferenciais de salários entre brancos e não brancos se devem às diferentes oportunidades de “acumular conhecimento”. Estas são, porém, de pouca praticidade, já que não resultam em um indicador comparável do quadro de desigualdade racial. Trata-se, na realidade, de medidas normativas, como as chamou Amartya Sen, ou seja, medidas orientadas por uma concepção particular do funcionamento da economia, como veremos em detalhe a seguir. No que se refere às medidas positivas, pode-se dizer que a orientação teórica do autor não influencia diretamente a mecânica do indicador. Neste campo da abordagem positiva da desigualdade racial, o economista tem usado, em geral, o “income ratio”, que é dado pela simples proporção da renda mediana dos não brancos em relação à dos brancos. Apesar da facilidade de manipulação, este indicador pouco nos informa sobre os extremos da distribuição, podendo também levar a interpretações ambíguas.

O primeiro dos indicadores que propomos aqui, que chamamos de índice de hierarquização racial, mede a desigualdade na incorporação de brancos e não brancos à elite ocupacional urbana de um país, dada pelas categorias de empregadores, administradores, gerentes e profissionais liberais. Os resultados a que chegamos, baseados em dados da PNAD dos anos de 1982 e 2003, mostraram um alto nível de desigualdade racial na estrutura ocupacional do Brasil, e uma piora em relação à situação de vinte anos atrás. Além disso, realizamos uma comparação internacional na qual o Brasil apresenta o pior quadro neste quesito, atrás de França, Estados Unidos e Grã-Bretanha. O segundo indicador visa mensurar os diferenciais de rendimentos no mercado de trabalho entre grupos raciais. Este indicador, que batizamos de coeficiente de desigualdade racial, utiliza uma metodologia semelhante à do indicador de Gini. Ao aplicá-lo aos dados, constatamos igualmente a existência de importantes desigualdades raciais de renda no Brasil.

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Pedro C. Chadarevian é doutor em Economia pela Universidade de Paris 3, Sorbonne Nouvelle, professor do curso de Economia da Universidade Federal de São Carlos (Campus Sorocaba). Agradeço aos professores Maria Carolina Leme, Vladimir Ponczek e Luiz Carlos Bresser-Pereira pelos comentários inestimáveis dirigidos a uma versão prévia deste artigo, quando de sua apresentação nos Seminários de Pesquisa da EESP/FGV em junho de 2007. Sou grato, igualmente, a Larissa Cecilia Domingues, minha orientanda e bolsista CNPq de iniciação científica, pela revisão final feita a esta versão do texto. Agradeço, enfim, às considerações preciosas dos pareceristas, que muito enriqueceram a minha visão sobre o tema abordado no artigo.

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