Pandemia desmascara o teletrabalho: jornadas exaustivas e inadequação

Trabalhadores enfrentam as dificuldades da violação de seu espaço e tempo além da desproteção jurídica desse regime.

Lara Lorena Ferreira

Fonte: CNASP, com Brasil de Fato
Data original da publicação: 08/05/2020

O momento exigiu que o trabalho, mesmo sem as formalidades determinadas pelo já muito flexibilizado artigo 75A da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT), com redação dada pela Lei 13.467/2017, respeitando-se um prazo de transição mínimo de 15 dias entre um regime de trabalho e outro, e aditivo contratual, se transformasse rapidamente em teletrabalho.

Assim, independentemente de serem dadas as devidas condições para tal aos trabalhadores, a despeito de terem equipamentos para o exercício da atividade em teletrabalho, sem considerar a existência de espaço adequado para essa tarefa, as despesas assumidas por esse regime de trabalho com os equipamentos próprios, o aumento no consumo da luz, internet, enfim – encargos que, em tese, deveriam ser suportados pelos empregadores  ou pelo Estado, se servidores públicos – fomos todos conduzidos compulsoriamente ao regime de teletrabalho.

O trabalhador vive de sua força de trabalho, razão pela qual jamais deveria ser ele a suportar essas despesas. É preciso lembrar que teletrabalho não é só a mudança do lugar de prestação de serviços mas, acima de tudo, é necessário combater a falácia que o teletrabalho é uma ‘generosidade’ do empregador que tem o trabalhador como único beneficiado.

Lançando luz sobre os fatos, a verdade é que o teletrabalho é um meio de impor jornadas de trabalho ainda mais exaustivas, sem uma regulamentação que proteja a pessoa trabalhadora minimamente, e sem fiscalização das condições de trabalho, aproveitando-se o empregador da desordem entre o espaço de labor e o lar.

Nem todos tem espaço adequado para essa forma de prestação de serviços, em especial num momento de confinamento social, onde seu espaço e tempo precisam ser divididos com as crianças, com as tarefas domésticas, e atenção a idosos.

A divisão dessas tarefas dedicadas à mulher então, associadas ao teletrabalho, num país onde culturalmente não há divisão social do trabalho doméstico, é matéria que merece reflexão à parte.

Porém, em uma certa medida, tendo sido uma boa parte da sociedade alçada a essa forma obrigatória de prestação de serviços, o teletrabalho, pela primeira vez, está sendo desmascarado.

Passa a ser visto pelo que realmente é, uma falta de alternativa, um modelo muito aquém do desejável e inadequado para boa parte dos trabalhadores, que agora enfrentam as dificuldades da violação de seu espaço e tempo privado sendo absorvidos pelo trabalho, além de toda a desproteção jurídica desse regime.

Esse confinamento súbito, além de desmistificar o teletrabalho, também veio desconstruir alguns temas que parte dessas categorias sociais, agora elevadas à categoria de teletrabalhadoras, se deixavam seduzir por determinados discursos.

Um desses temas se refere à ilusão do homeschooling como modelo educacional, com a transferência da responsabilidade da educação formal também para a família.

A família que agora se vê nessa obrigação enfrenta a mais difícil das tarefas e empresta mais importância do que nunca ao profissional e à escola capacitada para esse compromisso educacional.

Também o momento revive a valorização sem precedentes da importância do investimento na ciência, e voltada ao interesse público; da necessidade do fortalecimento e autonomia de um sistema público de saúde; na importância da universidade pública; e a importância da previdência social pública, universal e solidária, para amparo dos cidadãos na terceira idade.

Nunca antes essas questões, sempre tratadas de forma conceitual, foram transformadas tão concretamente em necessidades como agora, de uma forma que a sua revalorização apareça com tanta clareza e obviedade na nossa sociedade.

Lara Lorena Ferreira é advogada trabalhista e sindical, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

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