Os sistemas democráticos não devem permitir o aumento da desigualdade social

Antonio Baylos

Tradução: DMT

“Deve haver algo podre no coração de um sistema social que aumenta sua riqueza sem reduzir sua miséria”, escrevia Marx em uma de suas crônicas para o New York Times em 1859. Ele explicava a relação “antagônica, fatídica e mortal” entre as classes que representam os principais agentes da produção na estrutura em que se enquadra a sociedade capitalista a partir dessa contraposição: “Que nos albergues do Reino Unido – afirmava em outra crônica de 1852 – haja um milhão de indigentes, é tão inseparável da prosperidade do país como a ideia de que o Banco da Inglaterra guarde em seus cofres dezoito ou vinte milhões de libras em ouro e prata”. Já se passou muito tempo, porém essa contraposição ainda se mantém no mundo global em que vivemos.

Seguindo a crise financeira e política, a desigualdade se acentuou pronunciadamente como uma fratura social de classe que não se faz patente nem explícita. Entretanto, há dados oficiais insuspeitos, provenientes do Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), que são reveladores. A taxa de risco de pobreza na Europa se situa em 25% da população, ainda que graças às transferências sociais a porcentagem diminua em quase oito pontos. Na Espanha, o risco de pobreza é mais alto – quase 30% -, mas diminui a 22 ou 23% devido às transferências sociais.

Ainda segundo a Eurostat, a desigualdade na distribuição de renda é bastante acentuada. A primeira parcela de 20% da população europeia com mais renda recebe 5,2 vezes mais do que a última parcela de 20% de menor renda – e essa proporção aumenta 7 vezes mais no caso espanhol.

O informe Mundial da Riqueza, World Wealth Report 2018 (WWR), publicado em junho de 2018 por Capgemini, revela que a melhora da economia mundial impulsionou o aumento do patrimônio das grandes fortunas (população HNWI, por sua sigla em inglês) até superar, pela primeira vez, o limite dos 70 trilhões de dólares em 2017. A riqueza que concentram os que se denominam ultrarricos, registra crescimentos durante seis anos consecutivos, a partir da crise financeira e política. Em 2017 cresceu 10,6%, o segundo ano de maior crescimento patrimonial desde 2011. Na Espanha, o número de pessoas com grandes patrimônios cresceu 76% desde 2009. O que estava estabilizada em 127.000 pessoas em 2008, quase dobrou seu número em 2017, para 224.200 pessoas.

A desigualdade se estende no espaço global e permite que os grandes fluxos de imigrantes precisem percorrer centenas e milhares de quilômetros em busca de um lugar onde trabalhem para viver. A terrível desestruturação que territórios inteiros sofreram causou destruições de bens e comunidades que agora vagam à deriva em busca de um novo lugar onde possam se refazer.

Particularmente severo foi o castigo sofrido pelo Oriente Médio e norte da África. O informe anual sobre as violações de direitos sindicais que publica a Confederação Sindical Internacional (CSI – ITUC) para este ano de 2018 oferece um panorama desolador quanto à vigência dos direitos coletivos que garantem a presença do sindicato como sujeito coletivo que representa o trabalho. A “redução do espaço democrático”, isto é, a cada vez mais frequente restrição de direitos democráticos básicos, é uma tendência que se acentua este ano, junto com o que o sindicalismo internacional denomina de aumento “sem freio” da cobiça das grandes corporações transnacionais, o que denota uma “influência empresarial ilimitada”.

Especialmente grave é a situação dos países onde o Estado praticamente desapareceu e onde se desencadeiam contínuas guerras com resultados catastróficos. Em contrapartida, no mundo desenvolvido ocidental cresce o sentimento de falta de solidariedade e de xenofobia contra esses deslocamentos massivos. E por parte de determinados dirigentes políticos – alguns tão relevantes como o atual presidente dos Estados Unidos, cuja direção seguiu na Europa o chamado Grupo de Visegrado e, ultimamente, o governo italiano de forma marcada – se cria uma demarcação muito tênue entre os nacionais e “os outros”, os que vêm sem ser “convidados”, os quais se situam no espaço da ameaça, insegurança e disputa por emprego. Um muro, entre as pessoas que querem trabalhar e buscam emprego, que separa e divide em função de sua origem, muitas vezes ligado à consideração pejorativa de raça ou cor de pele, o que é, por sua vez, amplificado e desenvolvido ativamente na opinião pública pelos meios de comunicação que alimentam o conflito entre os pobres, os da nação de acolhida e os imigrantes.

Desigualdade quer dizer injustiça, violência e sofrimento. Na raiz dessa realidade terrível não se encontra a natureza humana, a não ser um sistema econômico e social que a sustenta e a incita.

O eixo dessa desigualdade segue passando pela condição das pessoas que necessitam trabalhar para obter rendimentos com os quais possam suprir suas necessidades vitais. Mulheres, jovens, imigrantes, de idade avançada ou desempregados, precários ou estáveis, todas essas categorias sofrem a desigualdade a partir do trabalho e do emprego, de onde se projeta sobre toda a existência. A condição laboral segue sendo determinante desse tratamento desigual, que termina na mercantilização dos corpos e de suas energias o segredo de sua submissão a uma situação de exploração intolerável.

Antonio Baylos é Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Diretor do Centro Europeu e Latinoamericano para o Dialogo Social (CELDS) da Universidade de Castilla-La Mancha.

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