Os empregos qualificados gerados pela indústria

A evolução positiva do mercado de trabalho na última década mostra que não é necessário atrelar a criação de emprego a uma maior flexibilização do mercado de trabalho ou a uma reforma das leis trabalhistas, visando a ganhos de eficiência e competitividade associados à redução dos custos salariais.

Fernando Sarti
Célio Hiratuka

Fonte: Brasil Debate
Data original da publicação: 20/10/2014

A indústria tem o potencial de gerar empregos mais qualificados e bem remunerados que a média da economia. Mais que gerar seus próprios empregos, a indústria é responsável pela geração de emprego em outros setores a montante e a jusante na cadeia produtiva, como nos setores básicos e de serviços.

A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) no seu relatório Pacto pela Igualdade de 2014 mostrou que a sensível melhora na distribuição de renda na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular, se deveu muito mais ao dinamismo no mercado de trabalho do que às políticas assistenciais e de transferência de renda.

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A economia brasileira criou 18,5 milhões de empregos formais de 2003 a 2014. Se considerarmos apenas o período pós-crise (2009-2014), foram criados 9,1 milhões de postos líquidos de trabalho.

A taxa de desemprego reduziu-se sistematicamente desde 2003, caindo de 11% para 8% em 2008 e para 5% em 2014. Essa evolução contrasta com o brutal fechamento de postos de trabalho e consequente aumento do desemprego global, sobretudo nos países avançados.

Segundo relatório Tendências Mundiais de Emprego 2014 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o patamar de desempregados atingiu 200 milhões de pessoas em 2014, um aumento de 33 milhões no contingente de desempregados pós-crise internacional.

A região do Euro permanece com uma taxa de desemprego de 11,5%, a Espanha com 24,5%. E alguns cínicos dizem que a crise global acabou em 2009…

A indústria geral, entendida como a soma da manufatura, extrativa, serviços industriais de utilidade pública e construção civil, teve um papel decisivo na geração de empregos.

No período 2003-2014, ela foi responsável pela geração de 5,1 milhões de novos postos de trabalho no Brasil. Desse total, a indústria manufatureira foi responsável pela criação de 2,7 milhões de novos empregos formais.

As políticas públicas anticíclicas tão criticadas pelos liberais foram fundamentais para a criação dos empregos industriais no período pós-crise internacional. Os números são incontestáveis. Entre 2008-2014, a indústria geral criou 2,3 milhões de novos empregos formais e a de transformação gerou 1 milhão de novos empregos (tabela 1).

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Vale destacar que esses resultados francamente positivos de geração de emprego se deram no âmbito de um processo de fragilização e de perda de dinamismo e de competitividade da indústria brasileira.

O fraco desempenho da indústria de transformação no pós-crise pode ser explicado, em parte, pelo cenário externo bastante desfavorável, que promoveu uma forte retração da demanda global e um acirramento da concorrência internacional.

Esses fatores somados ao evitável e indesejável processo de valorização cambial implicaram um crescente e elevado coeficiente importado industrial, assim como dificuldades para elevar as exportações.

De outro lado, no front doméstico, observou-se um esgotamento dos fatores internos de crescimento, sobretudo a desaceleração da taxa de expansão do consumo sem o necessário incremento da taxa de investimento.

A evolução positiva do emprego industrial coloca algumas reflexões importantes sobre o futuro da indústria brasileira. A primeira diz respeito à manutenção desse bom desempenho do emprego em geral e do industrial, em particular, em uma economia de baixo crescimento.

Nesse sentido é fundamental um pacto por um ciclo virtuoso de crescimento para ampliar a criação de postos de trabalho. A expansão dos investimentos, sobretudo em infraestrutura, que exercem forte demanda por emprego e bens industriais, teria um papel protagonista no ciclo de expansão.

Por outro lado, essa evolução positiva do mercado de trabalho na última década mostra que não é necessário atrelar a criação de emprego a uma maior flexibilização do mercado de trabalho ou a uma reforma das leis trabalhistas, visando a ganhos de eficiência e competitividade associados à redução dos custos salariais.

Essa opção alternativa não apenas elege o setor externo como o vetor de crescimento, como abandona os objetivos de ampliar os benefícios sociais e a distribuição de renda.

Desindustrialização

A segunda diz respeito à intensidade do processo de desindustrialização, medida principalmente pela participação do valor agregado industrial no PIB, pelo perfil da pauta de produção e de exportação e pela perda de adensamento e de diversificação da estrutura produtiva.

Enquanto esses indicadores apontam para um preocupante processo de desindustrialização, a evolução do emprego industrial contrarresta essa linha de argumentação.

Provavelmente, existe um conjunto de fatores complexos ainda pouco analisados para buscar entender esses sinais contraditórios e que não se esgotam apenas na discussão sobre a produtividade.

A título de conclusão, os indicadores mostram a evolução bastante positiva do emprego em geral e industrial, em particular, no Brasil nos últimos dez anos, em que pese o forte impacto da crise financeira internacional.

Essa evolução foi decisiva para a melhoria observada na distribuição de renda no País. A indústria teve e continuará tendo uma importância decisiva na geração de bons e novos empregos.

A continuidade da trajetória ascendente do emprego geral e industrial dependerá da retomada urgente do crescimento econômico. A expansão da taxa de investimento em geral e da infraestrutura em particular deverá ter um papel decisivo no novo ciclo virtuoso de crescimento.

É importante reconhecer que retomar o crescimento industrial, de maneira articulada com a expansão dos investimentos é uma tarefa bastante complexa, em especial em um cenário externo de baixo crescimento da demanda global e acirramento da concorrência por bens manufaturados que ainda deve perdurar por tempo relativamente longo.

Uma política industrial que seja pautada somente pela busca de criar competitividade a qualquer custo, promovendo uma regressão em termos de emprego, salários, formalização e condições de trabalho, não apenas não conseguirá lidar com esta tarefa complexa, como também irá desatrelar inexoravelmente o crescimento industrial do desenvolvimento econômico, social e regional do País.

Fernando Sarti é professor e diretor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) da mesma instituição.

Célio Hiratuka é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) da mesma instituição.

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