ONU debate a relação entre empresas e direitos humanos

O que fazer para que as grandes empresas mineradoras e farmacêuticas atendam os padrões mais exigentes de direitos humanos ao redor do mundo, como fazem em seus países de origem? Como evitar que marcas como Zara e Gap lucrem com as condições de trabalho inaceitáveis ​​nas fábricas de vestuário em Bangladesh? Como incentivar práticas de negócios que respeitem os direitos, e como punir aqueles que violam estes direitos?

Este é um dos principais desafios da justiça global, sobre o qual acontece um evento mundial da ONU em Genebra, na Suíça, essa semana, entre 2 e 4 de dezembro: o Fórum Anual de Empresas e Direitos Humanos, convocado pelo Grupo de Trabalho da ONU especializado no tema.

Há 65 anos, a comunidade internacional possui um marco jurídico que obriga os Estados a garantir os direitos humanos. Mas, na economia global, muitos dos atores mais poderosos não são Estados, e sim empresas. Quando se compara as vendas de empresas multinacionais com o PIB de alguns Estados, percebe-se que 51 das 100 maiores economias do mundo são corporações. Por exemplo, se o Walmart fosse um Estado, seria tão rico como a Suécia, e superaria outros 170 países, incluindo todos os latino-americanos, com exceção do Brasil e do México. A petroleira Shell seria tão rica como a Áustria, e mais do que outros 160 países.

Com o poder, vem o risco de se abusar dele. A Walmart é conhecida por seus baixos salários e táticas antissindicais. A Shell foi levada a julgamento nos EUA por acusações de cumplicidade em graves violações dos direitos humanos em seus campos de petróleo na Nigéria.

O problema é que não existe um tratado internacional que regula a responsabilidade das empresas por estas violações. A resposta da ONU e da comunidade internacional foi um conjunto de Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos, adotados em 2011. Escrito pelo professor de Harvard John Ruggie, oferecem um guia útil sobre as obrigações dos Estados e empresas.

Apesar de não ser um tratado, os Princípios são um passo importante em direção ao estabelecimento de normas e de procedimentos que – com a participação dos Estados, das comunidades afetadas, as empresas e ONGs – podem evitar violações de direitos humanos, e puni-los quando eles ocorram. Para continuar a tarefa, a mesma ONU nomeou um grupo de trabalho composto por cinco membros. Para a América Latina, participa a especialista colombiana especialista Alexandra Guáqueta, ex-diretora de relacionamento da companhia carvoeira Cerrejón (Colombia).

Daí a importância do evento em Genebra. A reunião tem um precedente recente e preocupante na América Latina: o fórum regional convocado pelo Grupo de Trabalho da ONU em Medellín, na Colômbia, no final de agosto. Ao invés de um diálogo equilibrado entre todos os interessados, a consulta organizada pelo Grupo de Trabalho em Medellín destacou as vozes das empresas e deixou pouco espaço para as comunidades afetadas e ONGs que trabalham com eles. Dos 47 participantes, 43% vieram de empresas ou firmas de consultoria corporativa, enquanto apenas 10% eram de comunidades ou organizações não governamentais de direitos humanos. Dos presentes, 26% vieram de governos da região e 21% eram da ONU. Junto com o formato do evento em si, que permitia ignorar questões difíceis para as empresas, o desequilíbrio confirma as preocupações sobre a parcialidade do Grupo de Trabalho, que já havia sido evidente no primeiro fórum mundial que foi realizado em Genebra, em 2012.

Estas preocupações coincidem com as conclusões do estudo crítico dos informes do Grupo de Trabalho. O estudo – feito pela Dejusticia (Colombia), Conectas (Brasil) e Justiça Global (Brasil) – indica que o Grupo de Trabalho interpretou de forma muito limitada seu mandato e não avançou suficientemente na proteção das vítimas das violações dos direitos humanos cometidas pelas empresas.

Seria lamentável se o Grupo de Trabalho, destinado a reforçar os princípios da ONU, tivesse afetada a sua credibilidade. Para evitar isso, é essencial o envolvimento dos Estados, como o Brasil, para que possam ajudar a reorientar os trabalhos do Grupo de Trabalho. O momento ideal para isso acontecer é o fórum desta semana em Genebra. Ainda há tempo para corrigir o rumo dessa fundamental regulamentação internacional.

FonteBlog do Felipe Milanez/Carta Capital, com ajustes
Texto: César Rodríguez Garavito
Data original da publicação: 01/12/2013

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