O United Auto Workers e a economia política do sindicalismo norte-americano

Flávio Limoncic

Fonte: Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 16, n. 31, p. 309-320, 2011.

Resumo: Talvez nenhum sindicato represente tão bem a trajetória do sindicalismo industrial norte-americano ao longo do século XX quanto o United Auto Workers (UAW). Fundado em 1935 no coração da fábrica fordista, tendo participado ativamente da formulação e consolidação da Ordem do New Deal, o UAW vê-se, hoje, às voltas com a forte concorrência internacional entre as empresas do ramo automotivo, a redefinição das capacidades regulatórias de Estados Nacionais e dos sindicatos e com as mudanças no mundo do trabalho fabril. Esta apresentação tem por objetivo traçar um panorama histórico da trajetória do UAW, assim como apresentar alguns dos desafios por ele ora enfrentados.

Sumário: O nascimento da indústria automotiva e o movimento sindical | O New Deal e o movimento sindical | A Ordem do New Deal e o UAW | A crise da Ordem do New Deal e o UAW | O ambiente competitivo da indústria automotiva e o UAW | In(Conclusão) | Notas | Referências

O nascimento da indústria automotiva e o movimento sindical

Até fins da década de 1930, a organização dos trabalhadores automotivos norte-americanos era extremamente frágil, em razão tanto da repressão patronal e de decisões judiciais adversas, como em função de divisões no seio do próprio movimento sindical entre sindicatos profissionais e industriais. Os primeiros reuniam trabalhadores qualificados por ofícios que buscavam regular seus mercados de trabalho, ao passo que os segundos buscavam reunir todos os trabalhadores de uma mesma indústria, tanto os qualificados quanto os desabilitados pelo avanço da chamada organização científica do trabalho. O embate entre os dois perfis sindicais acabaria por resultar, no pós-Grande Guerra, no triunfo dos sindicatos profissionais, reunidos na central American Federation of Labor (AFL).

O triunfo do sindicalismo profissional representou um duro golpe para os trabalhadores automotivos, os primeiros e mais duramente atingidos por aquela que se tornaria a expressão máxima da organização científica do trabalho, o fordismo. Já em 1922, nove anos após a instalação da linha-de-montagem, Henry Ford estimava que 85% dos seus trabalhadores não possuíam nenhuma qualificação profissional. E dado que o fordismo, ao fragmentar continuamente as tarefas, ensejava a formação de grandes contingentes operários, o número de trabalhadores empregados na indústria automotiva cresceu enormemente nas primeiras décadas do século XX, chegando a mais de 500 mil trabalhadores na década de 1930. Como os sindicatos profissionais que representavam os trabalhadores automotivos desde os tempos da fabricação artesanal de veículos, como o Metal Polishers International Union, recusavam-se a representar os trabalhadores não-qualificados, a grande maioria destes permaneceu desorganizada até o advento do New Deal, contratando individualmente suas condições de trabalho e remuneração.

O New Deal e o movimento sindical

Quando Franklin D. Roosevelt lançou o New Deal, em 1933, o PIB norte-americano correspondeu a apenas 56% do de 1929 e 25% dos trabalhadores estavam desempregados.

Para os formuladores da política econômica do New Deal, as causas da Grande Depressão residiam na grande transformação pela qual passara a economia e a sociedade norte-americanas nas décadas anteriores. Se em princípios do século XX os setores mais dinâmicos da economia eram os ligados a bens de capital e insumos, a produção em massa de bens de consumo durável, principalmente automóveis (em 1900 foram produzidos 2.500 automóveis nos Estados Unidos, contra uma média de 5.000.000 anuais na década de 1920), havia colocado o trabalhador assalariado como central para a formação da demanda. No entanto, os salários, frutos de contratos individuais de trabalho, seriam insuficientes para formar tal demanda. Segundo o senador democrata Robert Wagner (1985, p. 18):

Desde a virada do século este país tem sido prolífico na produção de bens. A riqueza tem jorrado das fábricas, das minas e dos campos em uma abundância inigualável. Se nossa organização social tivesse se mantido passo a passo com nossa inventividade mecânica, o paradoxo da coexistência do progresso com a pobreza teria desaparecido por completo. Em vez disso, ele se aprofundou. Ninguém com um senso de realidade econômica explicaria tal incongruência com uma simples fórmula. Mas estudiosos pacientes e cuidadosos, trabalhando independentemente uns dos outros, chegaram quase todos à mesma conclusão: a de que a distribuição da renda entre as massas do nosso povo secou na fonte, com consequências inevitáveis sobre os negócios e sobre toda a estrutura econômica.

Trago para o primeiro plano o problema da coordenação entre produção e salários porque nele recai o principal desafio econômico que se nos defronta. Todos reconhecem isso e todos admitem que de uma solução satisfatória desse desafio depende o bem-estar de todos.

Para reverter tal quadro, a Lei Nacional de Relações de Trabalho, de 1935, conhecida como Lei Wagner, incentivava a contratação coletiva do trabalho, de modo a que uma maior parcela do produto social fosse apropriada pelos salários. Combatida pelos segmentos corporativos trabalho-intensivos, a Lei forneceu os instrumentos legais para que dezenas de categorias de trabalhadores organizassem seus sindicatos. Neste contexto, surgiu uma nova central, o Congress of Industrial Organizations (CIO), dedicada à organização de sindicatos industriais.

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Flávio Limoncic. UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Escola de História. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. 22290-240.

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