O trabalho na indústria de software: a flexibilidade como padrão das formas de contratação

Maria Aparecida Bridi
Mariana Bettega Braunert

Fonte: Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 199-213, jan./abr. 2015.

Resumo: O presente trabalho analisa a flexibilidade das formas de contratação da força de trabalho dos desenvolvedores de software de Curitiba e Região e resulta de pesquisa empírica realizada, na qual entrevistamos trabalhadores e empresários do setor. Encontramos a prevalência da contratação de trabalhadores como pessoa jurídica, como “CLT Flex” ou através de cooperativa de trabalho. Além de uma clara tentativa das empresas de afastar os encargos trabalhistas que incidem sobre a relação de trabalho, a proliferação de formas flexíveis de contratação parece estar relacionada, nessa indústria, à forma como se estrutura o processo produtivo, organizado por projetos, e ao discurso justificador das atuais formas de gestão, que têm em seu cerne a noção de empregabilidade. Essas constatações indicam que o trabalho que envolve alta tecnologia também se organiza como um trabalho assalariado tipicamente capitalista, cuja lógica não parece diferir daquela que rege as relações entre capital e trabalho em outros segmentos da economia.

Sumário: Introdução | Considerações sobre o setor de software, as empresas e os trabalhadores pesquisados | A flexibilização das relações de trabalho na indústria de software | Flexibilidade contratual na indústria de TI: algumas reflexões sociológicas | Considerações finais | Referências

Introdução

O presente trabalho é fruto de um projeto de pesquisa integrado desenvolvido por membros do Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade (GETS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), denominado “Redes de empresas, trabalho e relações de trabalho no setor de informática no Paraná”. O foco do artigo incide sobre a análise das formas de contratação na indústria de software de Curitiba e Região. O estudo foi motivado, entre outros fatores, pelo destaque que o Estado do Paraná assume na produção de software em nível nacional, pela necessidade de estudar as novas modalidades de trabalho advindas da revolução informacional, bem como pela carência de estudos voltados à análise desse setor na área da Sociologia do Trabalho.

O contexto de nosso objeto se relaciona ao processo de reconfiguração das relações de trabalho, impulsionado pela crise do capital na década de 1970, que desencadeou um processo de reestruturação visando recuperar os padrões de lucratividade habituais pelo capital. Decorrente das transformações técnicas, políticas e econômicas, desde então, emergiu um novo cenário caracterizado pelo aumento crescente do desemprego estrutural, pela desregulamentação e flexibilização das relações do trabalho, a intensificação dos processos de terceirização e de exploração da força de trabalho e precarização das relações de emprego. Esse contexto é marcado, também, pelo fortalecimento da ideologia neoliberal e por um novo modelo de gestão e organização das empresas, distinto do anterior modelo fordista: as práticas, sempre adaptadas para os diferentes países, das modalidades de gestão toyotistas.

De forma imbricada a essas profundas transformações de natureza política, econômica e social, adveio a revolução tecnológica de base microeletrônica que colocou o conhecimento e a informação no centro da “nova economia”. Teve como uma de suas consequências o crescimento do número de profissões que envolvem a produção e o processamento de informações, a exemplo do trabalho de desenvolvimento de software.

Sendo a produção de software emblemática da produção de natureza imaterial, nossa análise problematiza as teorias sobre o trabalho imaterial, tal como elaboradas por Gorz (2005), Lazzarato e Negri (2001), Hardt e Negri (2005). Segundo a perspectiva desses autores, a produção de bens imateriais, desenvolvida no cerne do que eles chamam de “capitalismo cognitivo”, seria dotada de um potencial de transformação política, econômica e social, de natureza emancipatória e subversiva. O trabalho ancorado no conhecimento seria, para eles, um trabalho emancipado, de natureza criativa e cooperativa, e impulsionaria a transição da sociedade capitalista para uma outra, de tipo comunista. A leitura dessas teorias nos permitiu elaborar nossas questões de pesquisa, e, em certa medida, contrapor seus postulados a partir da realidade empírica dos trabalhadores estudados, isto é, às suas efetivas condições de trabalho.

Analisamos, no decorrer deste artigo, as condições de trabalho na indústria de software no que concerne, especialmente, às formas de contratação dos trabalhadores do setor. Abordar esse aspecto da relação de trabalho permite visualizar uma dimensão do trabalho informacional ignorada pelos teóricos do trabalho imaterial, qual seja: que esse tipo de produção está submetido, como qualquer outro, à lógica de valorização do capital e aos imperativos atuais de flexibilização e de formas precarizadas de relações de trabalho.

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Maria Aparecida Bridi é Socióloga. Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Ciências Sociais (DECISO) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR (PPGS).

Mariana Bettega Braunert é Doutoranda em Sociologia do Programa de Pós Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora do Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade (GETS/UFPR).

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