O que impulsiona a igualdade entre homens e mulheres nos países em desenvolvimento?

Enquanto as mulheres no mundo desenvolvido estão travando grandes batalhas contra os preconceitos de gênero, as mulheres e as jovens dos países em desenvolvimento permanecem centradas em pequenas vitórias.

Bobbi Gray

Fonte: Project Syndicate, com ajustes
Data original da publicação: 06/03/2018

No dia 8 de Março, será mundialmente celebrado o Dia Internacional da Mulher, uma oportunidade anual para reafirmar a igualdade entre homens e mulheres. A observância deste ano chega num momento importante para os direitos das mulheres, na medida em que movimentos mundiais como o #MeToo e o #TimesUp estão recentrando a atenção nas práticas discriminatórias que as mulheres enfrentam na vida social e profissional.

Contudo, enquanto as mulheres no mundo desenvolvido estão travando grandes batalhas contra os preconceitos de gênero, as mulheres e as jovens dos países em desenvolvimento permanecem centradas em pequenas vitórias. No Dia Internacional da Mulher que agora assinalamos, não devemos esquecer que, nas comunidades mais pobres do mundo, a pobreza, a fome, a violência doméstica e a discriminação continuam a ser obstáculos endêmicos para a paridade entre os gêneros.

Realizei trabalho de investigação sobre questões de gêneros e de desenvolvimento no hemisfério Sul durante 15 anos. O meu trabalho, que incluiu milhares de entrevistas a mulheres, desde a Índia até Burquina Faso, concentrou-se numa pergunta: Como poderá a comunidade internacional melhorar o bem-estar das mulheres mais pobres do mundo? A resposta, ao que parece, é ajudá-las a fazer o que já estão fazendo individualmente.

Uma das formas mais eficazes de capacitar as mulheres em qualquer parte, mas especialmente no mundo em desenvolvimento, é através da promoção da independência financeira. Em muitos domínios, tal significa apoiar “grupos de poupança informais”, redes de mulheres que partilham a mesma opinião e que pagam a sua contribuição para a criação de um conjunto de recursos partilhados. Este dinheiro pode então ser canalizado para financiar qualquer número de itens, tais como despesas de pequeno porte, taxas escolares, ou os custos dos cuidados de saúde.

Os grupos de poupança comunitários — que atingem os milhões na Ásia e na África — mudam vidas diariamente. Certa vez, conheci uma mulher no Burkina Faso cujo filho deve a sua vida aos recursos financeiros de uma rede de poupança. Certa noite em que a criança estava muito debilitada, com diarreia, a mãe chamou um táxi para levá-la para a clínica mais próxima. Contudo, tal como as ambulâncias, os táxis têm de ser pagos adiantadamente, e a mulher não tinha dinheiro. Felizmente, um vizinho que pertencia a um grupo de poupança para a saúde foi capaz de contribuir e de pagar a corrida de táxi. É muito provável que aquele acesso imediato ao dinheiro tenha salvo a vida do rapaz.

A maioria dos empréstimos por parte de grupos de poupança também são igualmente de pequena monta. No Benim, por exemplo, o valor médio de cada empréstimo num grupo é de apenas nove dólares. No entanto, num país onde o rendimento médio anual é inferior a 800 dólares, valores reduzidos podem fazer uma grande diferença.

Infelizmente, muitos grupos de poupança, sendo tão importantes, não são efetivamente considerados; a maioria funciona de forma isolada em relação aos serviços oficiais, o que enfraquece a sua eficácia. As mulheres das comunidades pobres devem confiar umas nas outras, mas também precisam de ter acesso ao governo e às agências internacionais, caso contrário não conseguirão escapar à fome e à pobreza. É por isso que a minha organização, a Grameen Foundation, está utilizando tecnologia digital e celulares para interligar os grupos de poupança com outros prestadores de serviços.

Um dos nossos maiores projetos está situado no Burquina Faso, um país extremamente pobre da África Ocidental, onde se estima que 55% da população não tem segurança alimentar, pelo menos, uma parte do ano. Desde 1993, trabalhamos com mais de 73 000 mulheres em cerca de 3 300 grupos de poupança, trazendo os serviços diretamente para as mulheres que deles necessitam. A média das nossas participantes situa-se nos 40 anos de idade, analfabetas, com um rendimento de apenas sete dólares por semana pela venda de produtos cultivados, como o sésamo e o amendoim. Quando começamos o programa, apenas cerca de metade das mulheres com quem trabalhávamos consideravam sentir-se independentes nas suas casas; muitas temiam os seus maridos.

Atualmente, estes sentimentos estão mudando lentamente. Ao servir como ponte entre os grupos de poupança informal e os bancos, centros de saúde, escolas e serviços de extensão agrícola, estamos ajudando as mulheres a tomar decisões mais acertadas sobre a utilização dos alimentos, as práticas alimentares e o desembolso. O nosso objetivo é reduzir as taxas de pobreza, reforçando as competências de gestão de ativos, o que permitiria às mulheres terem maior voz nas suas comunidades. As “sessões de diálogo entre os gêneros” que acolhemos também estão fortalecendo laços familiares.

Em cada uma das minhas visitas, senti-me surpresa pela forma como estes esforços afetam a vida das mulheres. Em uma viagem recente, conheci Rasmata, uma jovem mãe, que me disse que, graças à rede de segurança do seu grupo de poupança, foi conseguindo sustentar a sua família, apesar de o marido ter emigrado, de o pai ter falecido recentemente e da persistente seca que se fazia sentir. Ela estava diversificando os seus rendimentos, gerindo as suas finanças, e tinha inclusive adotado técnicas de agricultura inteligentes do ponto de vista climático. A melhor parte foi o fato de ela descrever a si própria como uma “mulher trabalhadora, respeitável, rigorosa e ambiciosa”.

São adjetivos que as mulheres de todo o mundo, independentemente da sua situação financeira ou nível de instrução, merecem atribuir a si mesmas. Por conseguinte, esta semana, quando o mundo celebra o incrível progresso realizado pelas mulheres no longo percurso rumo à paridade, vou lembrar de mulheres como Rasmata, que tanto concretizaram, embora tendo tão pouco.

Bobbi Gray é Diretora de Pesquisa no Grameen Foundation, uma organização global sem fins lucrativos dedicada a acabar com a pobreza e a fome.

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