O mosaico da exploração do trabalho

Graça Druck

Fonte: Blog da Boitempo
Data original da publicação: 28/08/2019

Riqueza e miséria do trabalho no Brasil IV: trabalho digital, autogestão e expropriação da vida é fruto de um trabalho coletivo de pesquisa coordenado por Ricardo Antunes, que, exitosamente, vem socializando os resultados de investigações empíricas e reflexões teóricas desde o primeiro volume, publicado em 2006 pela coleção Mundo do Trabalho. Reúne pesquisadores jovens e seniores, nacionais e estrangeiros, que analisam as metamorfoses do trabalho e a nova morfologia da classe trabalhadora no Brasil e em outros países.

Os textos desvendam como se reproduz em diversos segmentos de trabalhadores e regiões do mundo a acumulação flexível amplificada na última década em razão das tecnologias de informação (“indústria 4.0”), sob a hegemonia das finanças e combinada com a radicalização das políticas neoliberais.

Os estudos revelam transformações do trabalho na Ásia, na Europa e na América Latina, sob a “razão neoliberal”, embasadas no empreendedorismo, na autoexploração, no individualismo e na concorrência, todos justificados e fetichizados pelas tecnologias da informação, que ocultam as relações de assalariamento, implodem o emprego e a proteção social, dificultando as ações coletivas e de solidariedade de classe.

Os diferentes objetos das pesquisas – globalização da terceirização, trabalho intermitente, as TIs, trabalhadores imigrados, exploração discriminada das mulheres, adoecimento e acidentes, superexploração e intensificação do trabalho urbano e rural, informalidade na indústria, formação do jovem trabalhador precário – desvelam a precarização como centro da dinâmica do capitalismo contemporâneo. Uma ofensiva do capital em que a precariedade estrutural se metamorfoseia, combinando velhas e novas formas de organização do trabalho, generalizando a proletarização, amplificando a indústria dos serviços, criando a “escravidão moderna da era digital” e redefinindo novas formas de extração de mais-valor.

Tais transformações reconfiguram a composição da classe trabalhadora – cada vez mais heterogênea, diversificada, dispersa e atravessada por uma profunda precarização. Entretanto, as experiências aqui investigadas retratam diferentes formas de luta e ação coletiva, como as greves, as fábricas recuperadas, o cooperativismo e os limites da ação sindical, mostrando que há resistências e possibilidades de combinar velhas e novas formas de luta e organização.

Riqueza e miséria do trabalho no Brasil IV vem a público num momento muito excepcional do país: um quadro de destruição de direitos, a exemplo da contrarreforma trabalhista de 2017 e da proposta de fim à previdência pública. Um Estado de exceção que virou regra, uma profunda crise da democracia, um governo de extrema direita – expressão de um movimento neofascista em curso –, que vem destruindo conquistas sociais e democráticas, fruto das lutas dos trabalhadores brasileiros. No campo da educação e da pesquisa, uma avalanche de ataques de todo tipo: perseguição ideológica a professores e estudantes, intervenção nas universidades e escolas públicas, ferindo a sua autonomia, corte de recursos para asfixiar e impossibilitar a continuidade da produção científica e do ensino, especialmente nas áreas de filosofia e humanidades.

A resposta a essas ações destruidoras tem colocado milhões de manifestantes nas ruas em todo o país em defesa da educação e da liberdade de produzir livremente conhecimento. Este livro representa essa luta, e por isso sua leitura é fundamental como um ato de resistência e de reafirmação dessa liberdade.

Maria da Graça Druck é professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (FFCH/UFBA). Pesquisadora do Centro de Recursos Humanos (CRH/UFBA) e do CNPq. É autora de Terceirização: (des)fordizando a fábrica – um estudo do complexo petroquímica da Bahia (São Paulo/ Salvador, Boitempo/ Edufba, 1999) e coautora de A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização (São Paulo, Boitempo, 2007).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *