O Ministério Público do Trabalho na proteção do Direito do Trabalho

Rodrigo de Lacerda Carelli

Fonte: Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. spe. 1, p.37-57, 2011.

Resumo: O Ministério Público do Trabalho, instituição antes subalterna no sistema protetivo trabalhista, com a refundação do “parquet”, a partir da década de 1980, ganha importância na representação funcional dos trabalhadores, na tutela dos direitos fundamentais no trabalho. Assim, o texto demonstra que, no momento de crise do Direito do Trabalho e de suas instituições, o Ministério Público do Trabalho agasalha o papel de defensor da sociedade e atua no resguardo do Direito do Trabalho, reforçando-o com o argumento dos direitos humanos. Ao final, restam fortalecidos tanto a instituição quanto o ramo do Direito que busca proteger.

Sumário: Introdução | A defesa do Direito do Trabalho pelo Ministério | A defesa do Direito do Trabalho pelo viés dos direitos humanos | O Ministério Público do Trabalho e seus críticos | Conclusão | Referências

Introdução

O renascimento do Ministério Público do Trabalho – instituição até então subalterna e com importância reduzida no sistema nacional de proteção trabalhista –, a partir das mudanças ocorridas na década de 1980, que culminaram com a Constituição de 1988, foi fruto de sua transformação em um órgão estatal, sem qualquer paralelo em outros países, com fortes instrumentos para a tutela coletiva dos trabalhadores, sendo esse um fenômeno que merece ser devidamente estudado.

O interesse na questão cresce pelo fato de coincidir esse fortalecimento do Ministério Público do Trabalho com o momento de crise por que passa o Direito do Trabalho, no qual os sindicatos parecem não ter mais forças para reagir diante da classe patronal, lutando apenas pela manutenção dos postos de trabalho, quando não participam do enfraquecimento do Direito do Trabalho pela flexibilização (rectius: redução) das normas estatais em acordos e convenções coletivas. Nesse panorama, passam os sindicatos a procurar o Ministério Público do Trabalho para a defesa dos direitos sociais dos trabalhadores, atribuição que antes realizavam com os instrumentos tradicionais de atuação sindical.

Esse fenômeno não pode ser analisado de forma isolada, pois não somente o “parquet” trabalhista é revolucionado, mas o Ministério Público Brasileiro passa por uma transformação, deixando de ser defensor do Estado e do governo para ser o defensor da sociedade, representando-a na defesa dos direitos sociais e indisponíveis e no resguardo da cidadania.

Há, assim, um aparente paradoxo a ser resolvido: ao mesmo tempo em que ocorre a crise da regulação estatal do Direito do Trabalho e dos sindicatos, cresce a participação do Ministério Público do Trabalho na garantia dos direitos sociais dos trabalhadores. Ao lado desse fenômeno nacional, há um reforço, na esfera internacional, do discurso de valorização dos direitos humanos que não pode ser olvidado. Pelo contrário, há que se observar se esse aspecto auxilia na resposta aos questionamentos surgidos.

Uma vez sufocados por uma estrutura legislativa que, no curso da história, só fez aprofundar o fosso entre os sindicatos e seus representados e desestimulados a negociar ou lutar por melhores condições de trabalho ou mesmo manter as atuais – causadas pela fragmentação da classe trabalhadora e pela globalização da produção e das crises do capital –, os sindicatos encontram, nesse novo Ministério Público, em seu ramo trabalhista, surgido após a Constituição de 1988 e legislação complementar, um instrumento e um aliado para a garantia de direitos fundamentais, consequentemente para a busca de cidadania para os trabalhadores. O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, abraça o papel de defensor da sociedade e garantidor suplementar dos direitos dos trabalhadores, diante do Estado, dos empregadores e até mesmo dos próprios sindicatos.

Os sindicatos estão fragmentados e, às vezes, impedidos de representar seus trabalhadores. O Direito do Trabalho e a sua regulação pelo Estado encontram-se em crise, sendo voz corrente o clamor por reformas, tanto no Direito Individual do Trabalho quanto no Direito Coletivo do Trabalho. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, em aparente paradoxo, surge o Novo Ministério Público, e, como um de seus ramos, o Ministério Público do Trabalho, utilizado pelos trabalhadores e pelos sindicatos como instrumento de defesa dos direitos de cidadania no trabalho.

Assim, a partir desse quadro, aparecem várias questões: como surge esse Ministério Público defensor dos direitos do trabalho? Qual o seu papel? O que leva os sindicatos a buscar esse novo órgão estatal? O que busca o Ministério Público do Trabalho? Qual sua relação com a cidadania no trabalho? E, sobretudo, o espaço em que atua o “parquet” trabalhista é o mesmo dos sindicatos ou da fiscalização trabalhista?

O presente trabalho trata a questão no âmbito do “dever ser”, ou seja, no campo normativo, não pretendendo traçar um panorama da atuação da instituição com um todo. Evidentemente, o Ministério Público do Trabalho, como toda instituição, ainda mais estatal, não é monolítica, sendo sua atuação muitas vezes díspar em termos de grau de atuação e percepção de seu papel. Essa diferença de formas de atuar é potencializada, inclusive, pela independência funcional dos membros do Ministério Público. Assim, a pretensão deste trabalho é demonstrar, com base na Constituição da República e no posicionamento do Ministério Público do Trabalho perante as demais instituições, qual o seu devido campo de atuação.

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Rodrigo de Lacerda Carelli é doutor em Ciências Sociais. Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Sociologia e Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: terceirização, precarização, direito do trabalho, cooperativa de trabalho e flexibilização. É autor dos livros: O mundo do trabalho e os direitos fundamentais (Porto Alegre: Sergio Fabris, 2011); Formas atípicas de trabalho (São Paulo: LTR, 2004); Terceirização e intermediação de mão-de-obra (Rio de Janeiro: Renovar, 2002); Cooperativas de mão-de-obra: manual contra a fraude (São Paulo: LTR, 2002) e vários artigos em periódicos (Boletim CEDES; Revista do Ministério Público do Trabalho; Revista de Direito Constitucional e do Trabalho; Revista de Direito do Trabalho). Integra o Núcleo de Pesquisa CEDES – Centro de Estudos Direito e Sociedade – IESP-UERJ.

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