O conhecimento geográfico sobre os trabalhadores: reflexões sobre as pesquisas nos Estados Unidos e Brasil

Andrew Herod

Fonte: Revista Pegada, Presidente Prudente, v. 15, n. especial, p. 1-43, maio 2014.

Resumo: Neste artigo procuro traçar duas linhas de reflexão. Em primeiro lugar, vou apresentar um breve panorama de como o que veio a ser chamado de “Labor Geographydesenvolveu-se enquanto um campo vibrante de pesquisa no mundo da língua inglesa e quais são alguns dos seus princípios centrais. Em segundo lugar, argumentarei sobre algumas semelhanças e diferenças entre as abordagens desses geógrafos ingleses e geógrafos brasileiros que estão interessados em questões de labor e work. Ambos os grupos, por exemplo, foram amplamente influenciados pela teoria marxista (explícita ou implicitamente) no desenvolvimento de suas pesquisas. Ao mesmo tempo, no entanto, “Labor Geography” e o que se refere enquanto “Estudos de Geografia do Trabalho”, no Brasil, também têm algumas diferenças importantes.

Sumário: O desenvolvimento da geografia do trabalho anglofônica: preliminares – espaço, poder e práxis espacial | O marxismo, não-marxismo e as geografias do trabalho | A emergência da “Labor Geography” | Princípios da Labor Geography no mundo anglofônico | 1) Explorações de como a inserção espacial dos trabalhadores e/ou aprisionamento formam suas práxis sociais | 2) Os trabalhadores engajados com a geografia desigual do capitalismo desenvolvido | 3) Os trabalhadores fazendo novas escalas geográficas sua própria organização social | 4) Contexto espacial e identidade social | 5) Alterar espacialidades do capitalismo e novos modelos de organização do trabalho | Um resumo da Labor Geography anglofônica | Reflexões de um geógrafo anglofônico sobre os geógrafos brasileiros que estudam o trabalho e os trabalhadores | Rumo ao futuro

O desenvolvimento da geografia do trabalho anglofônica: preliminares – espaço, poder e práxis espacial

Antes de delinear um pouco a história do campo da Labor Geography no mundo Anglofônico é útil, a meu ver, definirmos o contexto de onde ela emergiu. Em particular, desde a década de 1970, geógrafos Anglofônicos – que desde os primeiros dias da Geografia Crítica, em grande parte dedicaram-se à teoria marxista, como Richard Peet (1970, 1981, 1983), David Harvey (1972, 1973, 1976, 1982), Steen Folke (1972), Doreen Massey (1973, 1984), Richard Walker (1978, 1981), Neil Smith (1984), e outros – têm-se interessado por questões de espaço e poder.

A saber, duas das principais influências teóricas dos muitos trabalhos iniciais, nesse sentido, vieram a partir de dois teóricos franceses: Michel Foucault e Henri Lefebvre. Tanto Foucault quanto Lefebvre argumentaram que a maneira como as paisagens são transformadas é tanto um reflexo do poder político, como também de um modelo conforme esse poder é articulado. Assim, em sua análise das instituições na era industrial – tais como prisões, escolas, fábricas e hospitais – Foucault (1984, p. 252) sugeriu que “o espaço é fundamental em qualquer exercício do poder” e que a configuração física dessas instituições, muitas vezes, foram concebidas com a finalidade de controlar o comportamento daqueles contidos dentro delas, através da criação de uma suficiente “arquitetura de supervisão” e “espaço disciplinar”, para provocar a obediência. Assim, ele asseverou: “disciplina é proveniente dos rendimentos provenientes da distribuição dos indivíduos no espaço” (Foucault, 1975/1977, p. 141).

Enquanto Foucault foi o grande interessado em saber como a distribuição espacial de várias instituições poderia ser usada para controlar aqueles que vivem e/ou trabalham nelas, Lefebvre estava interessado na conexão mais ampla entre o capitalismo e sua geografia. A este respeito, é o seu trabalho, ao invés do de Foucault, que teve a maior influência sobre os primeiros marxistas como Harvey. Em particular, Lefebvre (1976/1991, p. 53) argumenta que “cada sociedade produz um espaço, o seu próprio espaço” e que, consequentemente, o capitalismo tem uma geografia particular, porque sua dinâmica geográfica – por exemplo, como ele produz desenvolvimento desigual – é diferente das dinâmicas geográficas em outras formas de organização econômica. Na verdade, para ele, a sobrevivência do capitalismo é dependente da produção de sua organização geográfica de forma particular (como uma paisagem de acumulação e de não acumulação, por exemplo). Como reitera o autor (1973/1976, p. 21, grifos no original):

O capitalismo encontrou-se capaz de atenuar (se não resolver) suas contradições internas por um século e, consequentemente, nos cem anos desde a redação de O Capital, ele conseguiu alcançar “um crescimento”. Nós não podemos calcular a que preço, mas sabemos os meios: pela ocupação do espaço, pela produção de um espaço.

Para Lefebvre (1976), então, o segredo do sucesso do capital reside na sua capacidade de construir paisagens econômicas que permitem a extração e realização da mais-valia durante o processo de acumulação. Porém, mais do que isso, ele sugere que qualquer tipo de ação anticapitalista, na sua essência, precisa ser geográfica, porque, assim ele sustentou (1976/1991, p. 53), “novas relações sociais exigem um novo espaço, e vice-versa”. Assim, se as maneiras pela qual são transformadas as paisagens no capitalismo servem para a manutenção do próprio capitalismo enquanto sistema econômico, qualquer desafio ao capitalismo exigiria novos tipos de paisagens. Consequentemente, para ele, qualquer “revolução que não produz um novo espaço não se deu conta de seu potencial, na verdade ela falhou na medida em que não mudou a própria vida, mas apenas mudou superestruturas ideológicas, instituições ou aparatos políticos”. Pelo contrário, para uma transformação social ser “verdadeiramente revolucionária no caráter, [ela] deve manifestar a capacidade criativa em seus efeitos sobre a vida diária, na linguagem e no espaço” (p. 54, grifo nosso). Isto significa que a luta de classes é fundamentalmente espacial.

Considerando que um sistema econômico pós-capitalista, então, certamente, materializa paisagens de diferentes maneiras, Lefebvre (1976) notou a relação entre espaço e sociedade como dialética, de modo que ativamente a materialização das paisagens de diferentes maneiras também é importante para solidificar qualquer tipo de sociedade pós-capitalista. Trazendo tudo isso junto em seu opus magnum, “A produção do espaço”, ele expôs um quadro triádico para compreender a relação entre o funcionamento do capitalismo e da geografia do modo de produção capitalista. Ao fazê-lo, ele distingue três elementos, sendo estes os que denominou (1976/1991, p. 33-39):

Prática espacial, que é o meio pelo qual os espaços materiais de qualquer sistema social são feitos e o mecanismo pelo qual as pessoas fazem uso, e transformam esses espaços;

Representações de espaço, que “estão ligadas às relações de produção e para a ‘ordem’ que essas relações impõem, e, portanto, para o conhecimento, para signos, os códigos” onde são formalizadas as representações do espaço apresentado por planejadores, cientistas, arquitetos, engenheiros, artistas, e assim por diante, via sistema de signos e imagens verbais e não verbais – mapas, modelos, planos, pinturas, etc. – através do qual eles guiam como o ambiente construído é materialmente construído e conceituado e;

Espaços de representação, que encarnam “simbolismos complexos” ligados à vida cotidiana, que sobrepõem espaço físico e que fazem uso simbólico do que ele contém, de modo que eles são “diretamente vividos… imagens e símbolos associados, que são os espaços físicos em que a vida cotidiana é vivida e significados simbólicos em que são promulgadas em forma espacial e são retirados do ambiente construído, como por meio de murais, cartazes de propaganda, arquitetura vernacular, e assim por diante”.

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Andrew Herod é professor do Departamento de Geografia da Universidade da Georgia, Athens, GA 30605, Estados Unidos.

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