Nota sobre o engajamento intelectual no atual cenário político brasileiro

Luís Felipe Machado de Genaro

A busca pela neutralidade na reflexão e escrita históricas foi sempre digna de debates acalorados entre os cientistas sociais do último século, não muito diferente daqueles dos nossos dias. Historiadores voltados para processos políticos, lutas e agitações de classes, manifestações e confrontos entre forças sociais antagônicas, principalmente. Processos calcados na subjetividade do indivíduo que, muito além da reflexão e da escrita, pode participar, engrossar e liderar acontecimentos do gênero.

Muitos foram os intelectuais, mulheres e homens de letras que mesmo na esteira da objetividade científica não renegaram a importância social de suas realizações acadêmicas, tomando uma posição perante a sociedade em que estavam inseridos. Alguns brasileiros me saltam aos olhos, como Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro e Sergio Buarque de Hollanda. Hoje me recordo de Ruy Braga, Ricardo Antunes e Vladmir Safatle, sujeitos que fazem de seus trabalhos instrumentos de transformação da realidade e militância política.

É sabido que uma total ausência de nossos posicionamentos e julgamentos seria uma impossibilidade em qualquer trabalho ou reflexão acadêmica. É atribuída ao citado Florestan Fernandes, por exemplo, uma máxima conhecida: “O intelectual deve optar entre o compromisso com os explorados ou com os exploradores”. Neste ínterim muito se debateu entre os pares e, muitas vezes, batalhas foram travadas contra o “mal” da subjetividade, dos posicionamentos e sentimentos na História.

Discussões prementes na atualidade evidenciam que tais elementos subjetivos não podem ser considerados diminutivos ou negativos para a reflexão histórica e historiográfica. Historiadores e outros cientistas sociais foram impelidos muitas vezes a trabalhar com os seus objetos de pesquisa por razões puramente subjetivas – seja um acontecimento pessoal ou familiar, uma memória, uma paixão ou mesmo ressentimentos e ódios. Não há como pensar a Cultura, ou as infinitas culturas e suas hibridizações, os mundos do trabalho, antigos e novos colonialismos e disputas territoriais, muito menos o poder, ideologias e as várias violências na política, sem debater profundamente os sentimentos e a subjetividade na História.

Hoje, frente a um governo ilegítimo, fruto de um golpe jurídico-parlamentar e capaz de passar um rolo compressor nos direitos sociais conquistados por meio de lutas e resistência históricas das classes trabalhadoras brasileiras, a intelectualidade dentro e fora das universidades públicas carece de um maior engajamento nos entremeios do poder, uma participação ativa na construção de um projeto de país onde reformas estruturantes e progressistas sejam o seu norte, apontando e denunciando as mazelas que permanecem no cotidiano do povo, dos estudantes, de toda gente subalterna.

É na luta por uma educação crítica, pública e de qualidade, no processo de distribuição de renda, no fortalecimento da cidadania e dos direitos sociais e trabalhistas que professores, cientistas sociais, sociólogos, historiadores e outros precisam se engajar, ou de nada valerá seus diplomas, títulos e currículos. Nas palavras do saudoso historiador marxista Eric Hobsbawm, “o engajamento é mecanismo poderoso, talvez no momento o mais poderoso nas ciências humanas. Sem ele, o desenvolvimento dessas ciências estaria em risco”.

Luís Felipe Machado de Genaro, historiador social, professor e mestrando em História pela Universidade Federal do Paraná.

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