Mulher e mercado de trabalho no Brasil

O site Democracia e Mundo do Trabalho em Debate produzirá análises concisas sobre a conjuntura do mercado de trabalho, em especial do mercado brasileiro. O propósito é o de oferecer estatísticas sistematizadas e um olhar sobre o desempenho dos principais indicadores desse mercado e textos com enfoques especiais sobre aspectos diversos da ocupação, do desemprego e da renda do trabalho, dentre outros.

Por Virginia Rolla Donoso e Carlos Henrique Horn

No dia 8 de março, celebra-se o Dia Internacional da Mulher em lembrança às lutas das mulheres por igualdade de direitos. Desde 1975, este dia é considerado oficialmente o Dia Internacional da Mulher pelas Nações Unidas. Em consequência, o mês de março costuma ser marcado por manifestações, debates e publicações sobre a agenda feminista da luta igualitária das mulheres. Um tema de especial interesse é o da inserção das mulheres no mercado de trabalho. Nossa seção do site Democracia e Mundo do Trabalho em Debate engaja-se no esforço geral de conhecimento sobre a inserção feminina no mercado de trabalho, tratando de apresentar de forma sistematizada alguns grandes números dessa participação no mercado brasileiro no ano de 2019. Apresenta, assim, um panorama da inserção da mulher no mercado de trabalho com base nos dados trimestrais compilados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE.

De acordo com a PNAD Contínua, havia 108,6 milhões de mulheres residentes no Brasil em 2019, correspondendo a 51,8% da População Total. Deste contingente, 89,8 milhões de mulheres tinham 14 anos ou mais de idade (82,7% do total de mulheres). As estatísticas da PNAD Contínua consideram este grupo etário como a População em Idade de Trabalhar, enquanto as menores de 14 anos são classificadas como população abaixo da idade de trabalhar. Por sua vez, a parcela da população feminina em idade de trabalhar que participava efetivamente do mercado de trabalho, chamada de Pessoas na Força de Trabalho, era de 47,7 milhões de pessoas. Portanto, a Taxa de Participação das mulheres com 14 anos ou mais de idade foi de 53,2% no ano de 2019, enquanto a dos homens foi de 71,7% (nas demais estatísticas sobre a força de trabalho masculina, apresentadas para fins de comparação com a força de trabalho feminina, utilizaremos uma forma concisa de apresentação. No caso, por exemplo, homens = 71,7%). A Figura 1 apresenta uma sistematização dos dados.

As Pessoas na Força de Trabalho subdividem-se em Ocupadas e Desocupadas. Em 2019, havia 47,1 milhões de mulheres ocupadas no Brasil. Vale dizer, da população feminina total, cerca de 43,4% realizava algum trabalho remunerado no mercado brasileiro (homens = 51,9%). Já o número de Desocupadas, ou seja, o número de mulheres que não possuíam ocupação remunerada e procuravam uma ocupação, atingiu 6,7 milhões de pessoas no mesmo ano. Com isso, a Taxa de Desocupação (ou Taxa de Desemprego) feminina, que mede a proporção de mulheres na força de trabalho que procuram uma ocupação remunerada, e não encontram, ficou no patamar médio anual de 14,0% (homens = 10,1%).

Figura 1: Distribuição das mulheres segundo grandes grupos do mercado de trabalho, Brasil, 2019 (número de mulheres)

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais do ano de 2019.

Recentemente, o IBGE passou a estimar medidas mais amplas de Subutilização da Força de Trabalho. De acordo com a Nota Técnica 02/2016 do instituto, “a Subutilização da Força de Trabalho (labour underutilization) é um conceito construído para complementar o monitoramento do mercado de trabalho, além da medida de desocupação (unemployment), que tem como objetivo fornecer a melhor estimativa possível da demanda por trabalho em ocupação (employment)”. Neste sentido, identificam-se três grupos de Subutilização da Força de Trabalho: (a) os Desocupados propriamente ditos; (b) os Subocupados por Insuficiência de Horas Trabalhadas, ou seja, a parte dos ocupados que gostaria e se mostra disponível para trabalhar mais horas do que as habitualmente trabalhadas; e (c) a Força de Trabalho Potencial, ou seja, aquelas pessoas classificadas como fora da força de trabalho, por não terem ocupação ou não serem classificadas como desocupadas, mas que tiveram alguma procura efetiva de trabalho (sem estarem, todavia, disponíveis para o trabalho na semana de referência das estatísticas) ou que, mesmo sem ter uma procura efetiva, se declararam disponíveis para trabalhar.

Sob a ótica da Subutilização da Força de Trabalho, além das 6,7 milhões de mulheres desempregadas, havia 3,8 milhões de mulheres subocupadas por insuficiência de horas e 4,8 milhões de mulheres na força de trabalho potencial no ano de 2019. Portanto, a totalização dessas estimativas mostra que 15,3 milhões de mulheres se encontravam em condição de subutilização de sua força de trabalho. A Taxa Composta de Subutilização da Força de Trabalho das mulheres, ou seja, a relação entre o número de mulheres na condição de subutilização (15,3 milhões) e o conjunto da força de trabalho feminina efetiva e potencial (52,5 milhões), foi de 29,1% (homens = 20,1%).

As estatísticas da força de trabalho com base em indicadores de subutilização evidenciam que as dificuldades das mulheres em conseguir uma ocupação remunerada satisfatória vis-à-vis os homens são mais intensas do que se considerarmos apenas a desocupação pura. Em qualquer categoria de subutilização, como mostra a Tabela 1, o número de mulheres é maior do que o de homens, apesar de sua participação total no mercado de trabalho, bem como sua parcela do total de ocupados, ser relativamente menor. Um bom indicador de síntese deste quadro é a relação entre o número de pessoas que sofrem com a subutilização da sua força de trabalho e o número de ocupados com horas suficientes de trabalho. Assim, para cada 100 mulheres ocupadas com horas suficientes, havia 41 mulheres com a força de trabalho subutilizada por desemprego, insuficiência de horas ou por ser uma inativa potencialmente apta a ingressar na força de trabalho. No caso dos homens, este número foi de 25 para cada 100 pessoas em 2019.

Tabela 1: Indicadores de subutilização da força de trabalho por sexo, Brasil, 2019

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais do ano de 2019.

Um indicador normalmente utilizado para destacar a discriminação por sexo no mercado de trabalho é o das diferenças nas remunerações de mulheres e homens. Não é o único indicador válido para a análise da discriminação, mas costuma receber maior atenção no debate público. No ano de 2019, a remuneração mensal média habitualmente recebida pelos homens foi 27,1% superior à das mulheres, como destaca a Figura 2.

Figura 2: Índice do rendimento mensal médio habitualmente recebido no trabalho principal de homens e mulheres, Brasil, 2019 (Total=100)

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais do ano de 2019.

Qualquer que seja o indicador bruto de rendimento do trabalho compilado pela PNAD Contínua, o valor médio percebido pelas mulheres é inferior ao dos homens. Não cabe nesta análise discutir as razões da desigualdade. Não obstante, vale também destacar as diferenças quando a remuneração é medida por horas de trabalho e não em intervalo mensal. Isto porque a força de trabalho masculina trabalhou 4,7 horas por semana, em média, acima da feminina no ano de 2019. A Tabela 2 apresenta indicadores de remuneração e horas trabalhadas. Dado o rendimento mensal e o número de horas trabalhadas, estimamos o rendimento horário médio habitualmente recebido por homens e mulheres. Considerando apenas o trabalho principal, o rendimento masculino (R$ 13,83/hora) foi 12,6% superior ao feminino (R$ 12,28/hora).

Tabela 2: Indicadores de remuneração média no trabalho e horas trabalhadas por mulheres e homens, Brasil, 2019

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais do ano de 2019.

O mês de março é marcado pela memória das lutas dos movimentos de mulheres em todo mundo. Os dados sobre a presença feminina no mercado de trabalho brasileiro no ano de 2019 que sistematizamos neste texto somam-se à corrente de informações necessárias para uma reflexão informada sobre o nível e as razões das desigualdades entre homens e mulheres no país. O mundo do trabalho tem grande importância para a vida social e o exercício de uma cidadania digna. Em que pese a melhora secular, a população feminina continua enfrentando maiores dificuldades neste mercado, o que justifica a ação política em prol da igualdade necessária.

Virginia Rolla Donoso é economista e trabalha no site Democracia e Mundo do Trabalho. É mestre em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Carlos Henrique Horn é economista e diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Industrial Relations pela London School of Economics and Political Science.

Crédito da imagem: Tarsila do Amaral. Costureiras, 1936-1950, óleo sobre tela, 73×100 cm, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, SP.

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