Movimentos nacionais de trabalhadores e conexões transnacionais: a evolução da arquitetura das forças sociais do trabalho no neoliberalismo

Peter Evans

Fonte: Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 75, p. 457-478, set./dez. 2015.

Resumo: A era neoliberal minou os direitos dos trabalhadores e o poder das forças sociais do trabalho a nível nacional, mas foi caracterizada, também, como uma era do novo “transnacionalismo do movimento dos trabalhadores”. Mudanças conjunturais a nível nacional foram fundamentais para aumentar a abertura às alianças transnacionais. Uma análise das campanhas evidencia isso. Avaliar as conexões entre movimentos nacionais de trabalhadores e a nova infraestrutura organizacional que emergiu no neoliberalismo é um ponto de partida necessário para construir teorias mais apuradas sobre as dinâmicas das contestações das forças sociais do trabalho ao capital global.

Sumário: Apresentação | Conexões nacionais e transnacionalismo do movimento dos trabalhadores | Um novo transnacionalismo na “barriga da besta”? | As articulações transnacionais do “sul insurgente” | Conectando múltiplos territórios nacionais | Conexões transnacionais e movimentos de trabalhadores na era neoliberal | Referências

Apresentação

Evangelina Argueta e seus companheiros de militância do ramo de vestuário da Central General de los Trabajadores (CGT) hondurenha, ao forçar a gigante Russel Athletics, sediada nos Estados Unidos, a negociar um contrato em 2010, borraram a imagem convencional de vítimas passivas que caracterizava os trabalhadores de baixo salário. Segundo Argueta, “os líderes dos negócios em Honduras continuam perpetuando o mito de que em seu país – e particularmente na indústria da maquila – é impossível organizar, e que os sindicatos não serão tolerados em nenhuma circunstância. Por isso a vitória na Russel é tão importante. Prova que é possível organizar nas maquilas” (MSN, 2010).

A luta para organizar a Russel foi forjada por décadas de incansável trabalho em Honduras por militantes como Argueta, mas foi, também, uma vitória para a organização transnacional, possibilitada por uma rede transregional de Organizações Não-Governamentais voltadas ao mundo do trabalho e sindicatos que ligaram Honduras e os Estados Unidos. Casos como estes tornam evidente a possibilidade de construir uma atuação coletiva articulada das forças sociais do trabalho que ligue distintos territórios nacionais.

Embora Honduras pareça ser um lugar improvável para a observação de tendências da militância global, muitos considerariam o caso da Russel um exemplo do que é normalmente chamado de “novo transnacionalismo do movimento dos trabalhadores”. Esforços para documentar e explicar a emergência de um “novo internacionalismo” começaram a proliferar na virada do milênio, como parte da onda generalizada de otimismo pós-Seattle (e.g. Mazur, 2000; Munck, 2002; Waterman, 2001). Em geral, as explicações enfatizaram as oportunidades e incentivos criados pela emergência de uma economia política mais globalizada.

As condições gerais criadas pela globalização neoliberal são, certamente, decisivas para o destino do trabalhismo. Porém, os movimentos nacionais das forças sociais do trabalho continuam sendo os componentes mais importantes do movimento dos trabalhadores ao nível global, e a arquitetura geral da solidariedade das forças sociais do trabalho, igualmente global, depende de como as estratégias nacionais se orquestram. A possibilidade desta orquestração depende, por sua vez, das características dinâmicas dos campos políticos com os quais se depara o trabalhismo em cada contexto nacional. O movimento nacional dos trabalhadores pode aproveitar as diferenças entre os terrenos globais nos quais opera em vez de deixar a diferença minar a solidariedade? Como as mudanças nas conjunturas nacionais afetam a abertura do trabalhismo nacional às alianças transnacionais?

A literatura que aborda estas questões continua pouca desenvolvida. Com algumas notáveis exceções (por exemplo, Anner, 2011; McCallum, 2013), são poucos os estudos sobre o movimento dos trabalhadores ao nível global no neoliberalismo que esclareçam a evolução das interações entre movimentos dos trabalhadores em níveis nacionais. Análises históricas comparativas de amplitude (por exemplo, Silver, 2003) se dedicam mais a ressaltar as maneiras pelas quais o deslocamento geográfico da produção global afeta a mobilização em diferentes países do que as conexões entre os movimentos dos trabalhadores em nível nacional. Estudos das dinâmicas das campanhas globais (por exemplo, Bronfenbrenner, 2007) esclarecem as conexões transfronteiriças, mas normalmente não apresentam argumentos sobre como as trajetórias políticas a nível nacional contribuem para seus triunfos ou fracassos.

As análises dos efeitos do contexto nacional costumaram focar mais em como o estar localizado numa economia nacional privilegiada mina o transnacionalismo do movimento dos trabalhadores. Os estudos que documentam a capitulação das forças sociais do trabalho aos moldes do imperialismo Americano são um exemplo (por exemplo, Sciples, 2010). Não faltam, tampouco, análises de como a promessa do privilégio político local draga os movimentos dos trabalhadores do Sul Global na direção de coalizões dominadas pelo capital, fragilizando projetos mais amplos de solidariedade de classe (e.g. Chibber, 2007). Que as raízes nacionais possam produzir efeitos negativos sobre o trabalhismo transnacional, especialmente quando estas conferem privilégio, é evidente. Mas, uma análise equilibrada deveria examinar, também, as possibilidades de sinergias positivas entre movimentos de trabalhadores situados distintamente.

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Peter Evans é professor emérito de Sociologia da University of California, Berkeley e Senior Research Fellow da Watson Institute for International Studies da Brown University. Também trabalha como coordenador do Grupo e Trabalho sobre Movimentos de Trabalhadores da Associação Internacional de Sociologia (ISA). Seu trabalho anterior centrava-se na economia política do desenvolvimento comparado no Sul global. Recentemente vem pesquisando os esforços dos movimentos sociais para mobilizar transnacionalmente uma “globalização contra-hegemônica”. O movimento global dos trabalhadores é um foco central em seu trabalho, como exemplifica o artigo aqui publicado e seu texto de 2010 editado no Global Labour Journal ‘Is it Labor’s Turn to Globalize?’.

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