Movimentos “espontâneos”: a resistência dos trabalhadores migrantes nos canaviais

Marilda Aparecida Menezes
Maciel Cover

Fonte: Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 76, p. 133-148, jan./abr. 2016.

Resumo: Neste artigo, analisaremos algumas formas de resistência de trabalhadores migrantes de áreas rurais da região Nordeste que labutam na colheita da cana-de-açúcar nas usinas sucroalcooleiras do Estado de São Paulo. Privilegiamos a análise de alguns movimentos “espontâneos” protagonizados pelos cortadores de cana-de-açúcar nomeados como “paradeiros” ou “greves”, os quais ocorreram no período de 2007 a 2012. Nossa proposta é compreender esses movimentos, como se inicia a ação, se existem lideranças, que estratégias são utilizadas para mobilizar os trabalhadores, que outros atores sociais estão envolvidos: sindicatos, procuradores do trabalho e pastoral dos migrantes. O artigo é fundamentado em diários de campo, entrevistas semiestruturadas com trabalhadores e sindicalistas, artigos de jornais e documentação audiovisual. Essas ações de resistência acontecem em um período de transformações das relações de trabalho, marcadas pelo contexto de crescente mecanização do corte de cana e de uma maior fiscalização das condições de trabalho promovidas pelo Ministério do Emprego e Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho.

Sumário: Introdução | Formas públicas de resistência: os canavieiros também fazem greve | O caso da greve da Usina Vista Alegre | Considerações finais | Referências

Introdução

A demanda por etanol brasileiro, desde a década de 1990, tem gerado uma expansão considerável da área plantada com cana de açúcar no Estado de São Paulo, que saltou de 2.484.790 hectares em 2000 para 4.986.634 hectares em 2010 (Baeninger et al., 2013) com diversas consequências no meio ambiente, substituição de áreas de culturas alimentares e aumento da contratação de trabalhadores migrantes. Até o início da década de 1990, os trabalhadores procediam principalmente da região mineira do Vale do Jequitinhonha e da Bahia. A partir de 1990, cresce a contratação de trabalhadores de outros estados da região Nordeste, como Paraíba, Piauí, Pernambuco, Ceará e Maranhão.

A partir da década de 2000, o setor tem se caracterizado por uma intensificação da mecanização do corte de cana. Embora esteja ocorrendo uma diminuição da quantidade de trabalhadores nessa atividade, não há uma eliminação total do corte manual, porque a colheita mecânica não acontece de maneira homogênea em todas as usinas e nem na totalidade de cada usina, devido às variações do relevo, ao solo e à qualidade da cana. Os dados do Ministério do Trabalho e Emprego, em julho de 2010, mostram que 163.272 trabalhadores foram contratados nas atividades de cultivo e corte da cana no estado de São Paulo (Baccarin & Junior 2010). Estima-se que 40% são migrantes oriundos de outros estados (Unica, 2008).

Embora haja uma disponibilidade de trabalhadores na região nordeste, entendemos que a contratação de trabalhadores migrantes é uma estratégia política de dominação e controle das usinas. O sistema de recrutamento e seleção é realizado por agentes mediadores, chamados turmeiros, chefes de turma ou arregimentadores, que são responsáveis por selecionar “bons trabalhadores”, ou seja, aqueles que tenham boa produtividade, não faltem ao trabalho, sejam obedientes às regras da usina e aos chefes. Os trabalhadores são homens e jovens, a maioria está na faixa etária de 18 a 30 anos (Silva, 2006; Cover, 2011) e foram socializados no trabalho agrícola, pois seu corpo está disciplinado para o trabalho pesado do corte de cana. Vários estudos (Alves, 2007; Novaes e Alves, 2007; Silva, 2006; Scopinho, 2000) revelam o aumento da exploração e a degradação das condições de trabalho. As médias de produtividade têm aumentado: na década de 1980, as usinas exigiam que o trabalhador cortasse, em média, cinco a oito toneladas de cana, por dia; em 1990, essa média sobe para oito a nove toneladas por dia; em 2000, ela passou para 10 toneladas por dia e para doze a quinze toneladas por dia (Silva, 2006). Além da intensidade do trabalho, que ocasiona um desgaste prematuro, doenças e até casos de morte, as formas de controle sobre os trabalhadores estão presentes em seus espaços de moradia, como é o caso dos alojamentos (Menezes, 2002; Cover, 2011).

Nossa proposta, neste artigo, é compreender algumas formas de resistência que emergem entre os trabalhadores migrantes face às relações de dominação nas usinas de cana de açúcar do Estado de São Paulo. Analisaremos as ações públicas e coletivas, como as greves em usinas do Estado de São Paulo,3 que são ações iniciadas de forma autônoma e “espontânea”, ou seja, na sua preparação e emergência não têm a condução do sindicato ou de outros movimentos sociais, embora, no decorrer da mobilização, outros atores possam entrar no cenário, como lideranças sindicais, Ministério do Trabalho e Procuradoria do Trabalho. Tentaremos problematizar alguns pontos da emergência e desenvolvimento dessas greves, como se inicia a ação, se existem lideranças, que estratégias são utilizadas para mobilizar os trabalhadores e que atores sociais estão envolvidos: sindicatos, procuradores do trabalho e agentes da Pastoral dos Migrantes.

Tivemos a oportunidade de acompanhar o caso da greve na Usina Vista Alegre em Itapetininga (SP) em setembro no ano de 2011. Os trabalhadores, que eram da região de São José de Piranhas, Estado da Paraíba, e do município do Barro, Estado do Ceará, realizaram uma paralisação de duas semanas, exigindo pagamento justo e melhores condições de moradia. O artigo tomará o caso dessa greve como objeto de análise. Utilizaremos como fontes de pesquisa os diários de campo, entrevistas semiestruturadas com trabalhadores e sindicalistas, artigos de jornais e documentação audiovisual. Os relatos, colhidos em entrevistas gravadas em áudio e em vídeos, mostram as péssimas condições de alojamento e o descumprimento do preço da cana cortada. Estruturamos nossa argumentação em três partes. Na primeira parte – “Formas públicas de resistência: os canavieiros também fazem greve” –, faremos uma breve análise das formas de resistência a partir das noções de discurso oculto e público do cientista político e antropólogo James Scott (1985), (1990) e das paralisações nas usinas do Estado de São Paulo ocorridas no período de 2008 a 2013. Na segunda parte – “O caso da greve da usina Vista Alegre” –, privilegiamos a análise dessa ação coletiva, para compreender como se inicia a ação, se existem lideranças, que estratégias são utilizadas para mobilizar os trabalhadores, que outros atores sociais estão envolvidos: sindicatos, procuradores do trabalho e Pastoral dos Migrantes. Por fim, esboçaremos algumas considerações sobre a autonomia dos trabalhadores que participam desse movimento “espontâneo” e a relação com o movimento sindical.

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Marilda Aparecida Menezes é Doutora em Sociologia. Professora Visitante da Universidade Federal do ABC (PCHS) e do PPGCS/UFCG. Professora da Universidade Federal de Campina Grande. Pesquisadora do CNPq.

Maciel Cover é Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade Federal do Tocantins.

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