Motorista de Uber é funcionário? O que a Justiça brasileira tem decidido

O aplicativo Uber chegou ao Brasil em 2014 e já conta com 50 mil motoristas em mais de 50 cidades, onde exerce um forte impacto sobre o mercado de transporte. A empresa é capaz de crescer rápido porque tem custos baixos no processo. Os motoristas não são contratados diretamente. Assinam um acordo de prestadores de serviço autônomos. O Uber se coloca apenas como uma “ponte” entre o motorista e quem precisa se locomover.

Sem vínculo empregatício, os motoristas arcam com riscos e custos, como a compra e manutenção de seus carros, mas precisam seguir regras estabelecidas pela empresa. Não só no Brasil, mas em vários outros países, há ações trabalhistas que questionam esse ponto básico do modelo de negócios do Uber, que tem paralelo com outras grandes empresas, como AirBnB ou o serviço de entregas com bicicletas Deliveroo. Ex-motoristas do Uber o processam a companhia afirmando que há, sim, vínculo nessa relação, e exigem o pagamento de direitos estabelecidos pela lei trabalhista. Em entrevista ao Nexo, o procurador do trabalho Rodrigo Carelli afirma que, para comprovar vínculo empregatício, motoristas têm de provar que seu trabalho é, de fato, controlado pelo Uber. Carelli atua no Ministério Público do Trabalho no Rio e participou de um grupo de estudos que debateu mudanças da organização de trabalho devido ao uso de aplicativos.

Em sua opinião, há vínculo empregatício porque o Uber controla, por exemplo, as áreas em que motoristas devem dirigir, oferecendo bonificações para que se desloquem para um lugar e não a outro. Além disso, a empresa controla o preço pago por cada viagem e não permite que os motoristas negociem diretamente e formem uma clientela própria. Ao abaixar ou aumentar o valor da viagem, o Uber é, ainda segundo sua opinião, capaz de regular, indiretamente, o número de horas que o motorista trabalha para garantir um ganho mínimo. O Uber afirma, no entanto, que não é uma empresa de transporte, mas de tecnologia, que fornece um aplicativo a motoristas que são empreendedores independentes. Segundo a empresa, não há vínculo empregatício porque os motoristas podem recusar viagens ou determinar quantas e quais horas querem trabalhar

Em nota enviada ao Nexo, afirma que são os motoristas que procuram a empresa em busca do acordo de prestação de serviços, e não o contrário. Essas duas visões estão atualmente em disputa na Justiça brasileira. Até o momento, foram divulgadas decisões de primeira e segunda instâncias judiciais, todas de 2017. A mais recente, da 86ª Vara do Trabalho de São Paulo, proferida no dia 5 de junho, é favorável ao Uber, e diz que não há vínculo. Essa é a linha da maioria das decisões divulgadas até o momento. Mas há também uma decisão contrária. Como são de instâncias inferiores, cabem recursos em todos os casos. Veja abaixo como a Justiça brasileira tem encarado a relação entre Uber e motoristas. As decisões foram levantadas pelo Internetlab, um centro independente de pesquisa sobre direito e tecnologia.

As decisões da Justiça 86ª Vara do Trabalho de São Paulo

No dia 5 de junho de 2017, o juiz Giovane da Silva Gonçalves decidiu que não há vínculo empregatício entre Uber e um motorista que o processou. Ele avalia, o fato de que o motorista trabalha apenas quando quer impede o reconhecimento da relação de trabalho. Ele poderia “simplesmente desligar o aplicativo, deixando de trabalhar por uma hora, um dia, uma semana”. Para o juiz, não há vínculo empregatício apesar de imposições do Uber aos motoristas, como estabelecer unilateralmente o valor pago pelas corridas, reter valores no aplicativo antes de repassá-los semanalmente, e exigir um veículo seminovo. Para Gonçalves, “a submissão do contratante a determinadas regras contratuais decorre da própria relação espontaneamente contraída”.

O Uber pediu que o processo fosse tratado com sigilo, mas não foi atendido.

12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte

No dia 30 de maio de 2017, o juiz Marcos Vinicius Barroso decidiu que não há vínculo empregatício entre o Uber e um motorista. “Não tenho dúvidas que o reclamado não é empregador aos moldes da CLT, mas uma real solução de tecnologia da informação”. O documento está com acesso restrito mas, segundo informações do Internetlab, o juiz afirma que se baseou em decisões dos Estados Unidos e avaliou que o próprio motorista determinava sua rotina, sem prestar contas ao Uber. O juiz afirmou também que o motorista tinha consciência das regras, com as quais concordara.

Tribunal Regional do Trabalho de Minas

No dia 13 de fevereiro de 2017, o juiz Márcio Toledo Gonçalves, da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, enxergou vínculo empregatício entre Uber e motorista. Ele afirmou que o fato de que o Uber só permite que o trabalhador ceda seu veículo a outros motoristas previamente cadastrados em seu sistema evidencia o controle exercido.

A decisão afirma ainda que o Uber não só remunerava como premiava motoristas que atingiam condições pré-estabelecidas, como transportar 50 pessoas em três meses ou circular em alguma região específica. Para o juiz, vive-se um novo modelo de organização de trabalho, chamado de “uberização”, que pode se generalizar para mais setores de atividade econômica. O Uber recorreu, no entanto, e o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais determinou no dia 25 de maio por decisão unânime de três desembargadores que não há vínculo empregatício. Na avaliação da desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos, os motoristas têm liberdade para decidir quando e quanto querem trabalhar.

Vara do Trabalho do Gama, região administrativa do DF

No dia 18 de abril de 2017, a juíza Tamara Gil Kemp, da Vara do Trabalho da região administrativa do Gama, no Distrito Federal, decidiu que a relação entre Uber e uma motorista era de parceria porque ela poderia estabelecer os próprios horários, não precisava trabalhar todos os dias. A juíza avaliou que o fato de que o Uber enviava mensagens informando o valor pago por cada corrida não era o suficiente para caracterizar pressão exercida por um empregador. “O reclamante trabalhava de forma autônoma, na condição de parceiro, partilhando ganhos com a reclamada”, escreveu.

13ª Vara do Trabalho de São Paulo

Em decisão do dia 11 de abril de 2017, o juiz Eduardo Rockenbach Pires não aceitou a argumentação do Uber de que se trata de uma empresa de tecnologia que fornece um aplicativo. Para o juiz, o Uber é uma empresa que “oferece no mercado um produto principal: o transporte (…) E os consumidores do produto da ré não são os motoristas, mas sim os passageiros”. O juiz destacou que “é a ré que fixa o preço do serviço de transporte que o passageiro irá pagar”

O Uber usaria, portanto, “a mão de obra de motoristas cadastrados em sua plataforma”.

37ª vara do Tribunal Regional de Trabalho de Belo Horizonte

No dia 31 de janeiro de 2017, o juiz Filipe de Souza Sickert decidiu que motorista e Uber não têm relação de emprego. A principal argumentação de Sickert é que não há relação de subordinação porque a empresa não dava ordens nem determinações, e o máximo de orientações era um vídeo institucional mostrando o modo de tratar bem um cliente para receber boas avaliações. Além disso, os trabalhadores poderiam desligar o aplicativo e escolher o horário em que gostariam de trabalhar

Tema é debatido internacionalmente

Uma consolidação do entendimento sobre se há ou não vínculo empregatício deve ocorrer aos poucos, conforme mais decisões são divulgadas e uma jurisprudência se forma. Até o momento, o Tribunal Superior do Trabalho ou o Supremo Tribunal Federal não se manifestaram sobre o assunto. O mesmo processo está ocorrendo em outros países. Em outubro de 2016, por exemplo, uma corte trabalhista britânica inferior decidiu que motoristas do Uber são funcionários da empresa de caronas pagas, e não apenas prestadores autônomos de serviços. Isso significa que os donos do aplicativo deverão arcar com direitos trabalhistas, como salário mínimo, feriados e outros benefícios. A decisão é de primeira instância e vale, inicialmente, apenas para os trabalhadores autores da ação. O Uber recebeu em abril de 2017 o direito de recorrer. A decisão foi citada como referência pelo juiz da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, quando julgou, em fevereiro de 2017, que havia vínculo empregatício.

Fonte: Nexo Jornal
Texto: André Cabette Fábio
Data original da publicação: 08/06/2017

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