Morte por exaustão no trabalho

Cândida da Costa

Fonte: Caderno CRH, Salvador, v. 30, n. 79, jan./abr. 2017.

Resumo: Este artigo tem por objeto a morte por exaustão no trabalho, descrevendo e analisando condições de trabalho no setor sucroalcooleiro de Ribeirão Preto e região (SP). Como objetivos, busca-se relacionar jornada exaustiva de trabalho à exigência de produção por metas e as condições de trabalho análogas à escravidão, assim como se levanta a hipótese da ocorrência de mortes de trabalhadores por exaustão, pela combinação de péssimas condições de trabalho com exigências de alto desempenho. Como procedimentos metodológicos, são analisados os atestados de óbito de oito trabalhadores e as causae mortis de vinte trabalhadores mortos no corte de cana e investigam-se as causas declaradas (parada cardiorrespiratória, pancreatite, acidente cerebral hemorrágico, infarto do miocárdio, causas desconhecidas, entre outras). Foram realizadas entrevistas com familiares (pai, mãe, esposa ou viúva, irmão) para se conhecerem as condições de saúde do(a) trabalhador(a) ao partir para o trabalho no corte de cana-de-açúcar. Com base nessa metodologia, os resultados alcançados permitem manter a hipótese de que a morte por exaustão está presente também no setor sucroalcooleiro.

Sumário: Introdução | Procedimentos metodológicos | Descrição das ocorrências de morte e das condições de trabalho | Discussão sobre unicausalidade ou multicausalidade no estudo das mortes por excesso de trabalho | Intensidade, intensificação e carga do trabalho | Perfil epidemiológico dos trabalhadores mortos e relação entre a jornada excessiva e mortes: informações dos familiares | Causae mortis dos trabalhadores | Pagamento de indenização pela empresa | Situação de saúde do(a) trabalhador(a): doenças pré-existentes, queixas de doenças adquiridas no trabalho e mutilações | Efeitos da perda sobre o repertório discursivo dos familiares dos trabalhadores mortos | O efeito do luto sobre os familiares | O efeito da perda sobre o repertório discursivo | A morte dos trabalhadores por exposição a riscos no trabalho | O direito à precaução e o campo jurídico brasileiro | Direito à precaução e direito à vida | Conclusão | Referências

Introdução

Este artigo tem por objeto de estudo a ocorrência de morte por exaustão no trabalho, que está no cerne da exploração presente nas relações capital versus trabalho (Marx, 1996), lembrando o que já denunciara, em várias de suas obras (Marx; Engels, 1999; Marx, 1996): a extrema violência a que é submetido o trabalhador sob o regime de produção capitalista, desde o processo de alienação a que é sujeitado na divisão intelectual e manual do trabalho até o regime de controle no processo de produção e o parcelamento de tarefas na manufatura. Tais processos o destituem da autoria de seu trabalho e o submetem a um rígido controle de sua produção. Os comportamentos de violência psicológica são, muitas vezes, percebidos num contexto de “banalização da injustiça social” (Dejours, 1999), como inerentes ao trabalho no capitalismo globalizado e competitivo e, por isso, são invisibilizados. Entretanto, esses comportamentos são as sementes geradoras das situações extremas de violência psicológica, e também implicam prejuízos à saúde e à vida social do trabalhador.

Essas questões são focalizadas na parte empírica do presente trabalho, desenvolvida no setor sucroalcooleiro em Ribeirão Preto e municípios vizinhos, onde ocorreram mortes de vinte trabalhadores(as) entre 2004 e 2007 (sendo sete procedentes do Vale do Jequitinhonha, MG; dois do MA; três da BA; um de PE; um de TO; um do PI; cinco sem origem identificada), os quais foram sepultados em São Paulo. As causae mortis desses trabalhadores foram diagnosticadas como acidentes cerebrovasculares (AVC), paradas cardiorespiratórias, entre outros distúrbios, inclusive houve alguns casos cuja causa foi apontada como “desconhecida”. Existem, todavia, evidências fundamentadas de que as causas foram de outra ordem, relacionadas à exaustão no trabalho.

O processo de trabalho no setor sucroalcooleiro no interior do Estado de São Paulo caracteriza-se por intensa produtividade, resultante da aliança entre o agronegócio internacional e brasileiro, bem como pela competitividade internacional. Para dimemsioná-la, toma-se como ponto de partida a comunidade coletiva dos trabalhadores para resgatar as doenças recorrentes nas ocupações, os acidentes mais comuns e as mortes, para estabelecer os nexos causais entre a profissão, os agravos e as mutilações, entre o trabalho e a saúde do(a) trabalhador(a), frequentemente negados pelas empresas e pela medicina do trabalho, que responsabilizam os trabalhadores pelo seu próprio adoecimento ou pela perda da capacidade laboral.

O tempo histórico ora analisado nesta pesquisa – 2004 a 2014 – é marcado pela retirada de direitos e pela perda de conquistas históricas dos trabalhadores.

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Cândida da Costa é doutora e em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pós-Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora do Núcleo Interuniversitário sobre o Trabalho e do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão Sobre Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas, desenvolvendo pesquisas na área de: mundo do trabalho, movimentos sociais, sindicalismo, reforma do estado e direitos humanos.

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