Leda Paulani: ‘O grande erro foi apostar no setor privado como gatilho do desenvolvimento’

A economista, professora da Universidade de São Paulo (USP) e ex-secretária municipal do Planejamento do prefeito paulistano Fernando Haddad, Leda Paulani, é categórica ao analisar a situação da economia brasileira neste final de 2015: “Não vejo saída sem dor nessa história”, admitiu, diante de uma diminuta porém interessada plateia em Porto Alegre, em evento promovido pelo Fórum 21 na noite da terça-feira (11/11), no Sindbancários.

Convidada para abordar o tema “Como retomar o social (novo?) desenvolvimentismo”, Leda traçou um breve histórico da política econômica brasileira no século XX para, na verdade, desconstruir a tese sobre a qual deveria falar.

Segundo sua análise, após um período de 60 anos em que o Brasil se apoiou em uma política verdadeiramente desenvolvimentista – segundo o conceito dos teóricos que o formularam; a saber, um ambiente de crescimento econômico sob a liderança da indústria e a partir de uma forte intervenção governamental, cujo objetivo é equacionar os problemas sociais – a democratização, contraditoriamente, inverteu o cenário e a economia passou a ser pautada pela acumulação financeira.

Mesmo as iniciativas promovidas durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) foram insuficientes para romper com essa cultura. “A aposta pró-capital, vigente desde os anos 90, sempre com altas taxas de juros, apreciação de câmbio e busca incessante por um resultado primário é incompatível com uma política desenvolvimentista”, sentenciou.

Logo, embora tenha sido durante esses últimos 12 anos que se cunharam as expressões “neo (ou novo)-desenvolvimentismo” e “social-desenvolvimentismo”, elas não correspondem integralmente aos conceitos elementares dessa política. “Para tentar um ensaio de desenvolvimentismo, precisaríamos de outro ambiente institucional”, cravou.

Seu diagnóstico explica a atual crise da economia brasileira não necessariamente através de ações equivocadas desde a reeleição de Dilma – ou mesmo durante o seu primeiro mandato – mas como uma consequência da timidez da esquerda em propor uma política verdadeiramente desenvolvimentista, desatrelada dos interesses imediatos do financismo.

Apesar disso, foi sim uma aposta equivocada feita nos primeiros anos do governo de Dilma, quando a crise iniciada em 2008 se agravou no lugar de ceder, o que comprometeu as finanças públicas. Enfrentando resistências sobre a forma como conduzia, por exemplo, a atuação de estatais do setor energético (a Petrobras segurou reajustes dos combustíveis e houve alterações na regulamentação das elétricas), Dilma teria lançado mão de uma política “mais palatável para o mercado” ao propor um grande pacto com o setor privado no Brasil, reduzindo juros, desvalorizando câmbio para beneficiar a indústria e desonerando a cadeia produtiva nacional.

A aposta era que isso se revertesse em investimento e dinamizasse a economia. “Só que o setor privado não reagiu e as desonerações, ao invés de se transformarem em investimento, viraram margem de lucro dos empresários”, analisa.

É o que alguns colegas seus chamaram de “greve de investimentos”, conceito que ela considera um certo exagero, mas que tem sua lógica. “Dilma enfrentou as batalhas corretas, mas com isso seu governo acabou ganhando uma imagem de intervencionista, coisa que o setor produtivo detesta”, defende.

A redução da arrecadação freou também o investimento público e o Estado não conseguiu compensar a timidez empresarial. E com o endividamento das famílias batendo no seu limite estava criado o cenário para a deterioração das contas públicas e o resultado primário negativo de 2014.

“Foi um erro apostar no setor privado como gatilho de desenvolvimento”, concluiu a economista.

“Não foi o ajuste de 2003 que propiciou a retomada”

Embora tenha havido um agravamento da situação econômica sob Dilma – e, já neste segundo mandato, a queda de todos os indicadores macroeconômicos – a questão remonta às gestões anteriores, conduzidas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A vitória do PT na eleição de 2002 não interrompeu a política econômica criada no período anterior, na qual vigorou o dogma do “tripé macroeconômico”: metas de inflação, metas fiscais e câmbio flutuante. “A diferença é que Lula fez políticas de alto impacto social”, observa.

Mas se o ex-presidente conseguiu melhorar o cenário econômico foi porque, por um lado, o dólar cotado a R$ 8,00 dava margem para manobras como reduzir o câmbio sem provocar uma crise no setor exportador, mas beneficiando o mercado interno e aumentando salários.

“Para se comparar, quando Dilma assumiu, a moeda já estava cotada a R$ 1,95. Ela tinha espaço zero”, justifica Leda.

Lula também “se beneficiou de um bônus macroeconômico”: a alta das commodities no mercado internacional. E embora o ex-presidente tenha realizado um ajuste fiscal que hoje é utilizado pelo Ministério da Fazenda para justificar o seu próprio pacote de maldades, a economista alerta:

“O crescimento foi detonado pela demanda externa até a crise. Não foi o ajuste de 2003 que propiciou a retomada. Pelo contrário, ela ocorreu à despeito desse”, explica.

Ela, portanto, sugere que só há um caminho possível para instaurar uma política econômica desenvolvimentista. É preciso retomar um projeto de país que vá além do “justificável desejo de elevar salário, emprego e renda” e que proponha uma “estratégia de longo prazo” para o Brasil.

“É preciso sair dessa armadilha da política recessiva! Tendo a achar que haverá um agravamento da questão social muito complicado daqui para frente. Imagine que o povo esperou todo esse tempo o bolo crescer para finalmente poder dividi-lo e agora simplesmente vão cortar, dizer que acabou? Não dá!”.

Raul Pont: “É preciso enfrentar a chantagem da burguesia”

Na condução do debate da noite de quarta-feira estava o ex-deputado estadual gaúcho e ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont, que fez um “desabafo” sobre a complexa situação vivida pelo PT nos dias de hoje.

Na sua opinião, há um problema na sociedade brasileira, que não aceita qualquer formulação “que não idolatre” o capital. “Imagina se a Dilma decide investir no setor produtivo via Estado – como aliás, os militares fizeram e ninguém chiou”, provocou, para logo emendar: “Aqui, qualquer coisa vira uma guerra”.

Pont mencionou como exemplo a tentativa de ampliação do debate social através da Política Nacional de Participação Social, que escutaria os conselhos e foi derrubada no Congresso Nacional. “Foi uma choradeira, diziam que estávamos preparando um golpe soviético no Brasil, que eram os bolivarianos tomando conta”, relembrou.

Ou seja, o ex-deputado endossou a tese desenvolvida por Leda Paulani, acrescentando o diagnóstico claro: ao recuar com os investimentos em um momento em que o governo necessitava do apoio do setor privado, os empresários “provaram que não são parceiros” na construção de um projeto de país, o que provoca uma necessidade de repensar a estratégia de ação. “Não vejo como sair da crise sem que tenhamos elementos para superar essa permanente chantagem da burguesia, que só vai se quer”, concluiu.

Para fornecer mais elemento em busca desse caminho, o próximo debate do Fórum 21 em Porto Alegre ocorre no dia 18 de novembro, dessa vez tratando sobre “Democracia e a mídia no Brasil”, com o editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil, Silvio Caccia Bava.

Fonte: Carta Maior
Texto: Nara Hofmeister
Data original da publicação: 12/11/2015

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