Julgamentos nem sempre seguem a reforma trabalhista, o que é uma ótima notícia

O chamado “controle difuso de constitucionalidade” tem sido importante instrumento aos Juízes do Trabalho para se contrapor ao que entendem inconstitucional na Lei 13.467/2017.

Janaina de Santana Ramon

Fonte: Justificando
Data original da publicação: 15/05/2019

Nesses quase dois anos completos de vigência, os Juízes do Trabalho nem sempre seguem os termos da Lei 13.467/2017, a conhecida “reforma trabalhista”.

Inicialmente, lembremos que esta reforma foi e permanece sendo alvo de inúmeras críticas, por conta de sua atropelada aprovação em tempo recorde e sem qualquer consulta ou estudo prévio junto às organizações de trabalhadores, além da desleal inserção de inúmeros artigos que sequer estavam em discussão nos projetos originais da lei, levando assim a uma precipitada votação que não passou despercebida aos Juízes do Trabalho.

Por essa razão, não aplicar a reforma não é um gesto de rebeldia ou escolha dos Juízes: é um dever profissional.

Lembremos que a Lei 13.467/2017 é uma norma federal hierarquicamente abaixo da Constituição Federal, a maior lei do país. Por isso, toda vez que um Juiz do Trabalho entender que as regras estipuladas na lei da Reforma Trabalhista desrespeitam o que determina a Constituição Federal, poderão utilizar um importante instrumento – criado igualmente pela própria Constituição Federal – denominado “controle difuso de constitucionalidade”, pelo qual podem não aplicar o teor da reforma trabalhista naquele caso que estão julgando, sob o argumento de que seu teor fere a Constituição.

A reforma, no entanto, permanece em vigor para todos em geral, de modo que este afastamento de suas regras afeta somente os envolvidos naquele julgamento em que se deu o controle difuso. Somente o Supremo Tribunal Federal, conhecido como guardião da Constituição, pode determinar a nulidade de uma norma com efeito em todo o país, por meio do chamado “controle concentrado de constitucionalidade”.

Assim, na prática, os Juízes, ao julgar um caso em concreto, verificam se o teor da Reforma Trabalhista está em conformidade com a Constituição Federal, e farão isso a cada caso até que tenham um parecer definitivo do Supremo Tribunal Federal que valide ou não as normas previstas na Reforma Trabalhista, já que muitos de seus artigos estão sendo contestados em ações de inconstitucionalidade.

Um deles é o arbitramento de indenização por danos morais com base no salário do trabalhador. Se dois funcionários da mesma empresa morrerem no mesmo acidente, sob as mesmas circunstâncias, mas um for Auxiliar e o outro Diretor da empresa, cada família receberá um valor de indenização diferente, segundo determina a Reforma Trabalhista, já que a indenização será baseada em seus salários, o que claramente fere a Constituição Federal.

Igualmente, se um funcionário não tem o melhor dos salários, mas sofreu um fato gravíssimo que lhe deixou sequelas permanentes que irão exigir tratamento contínuo, não pode ser indenizado num teto que não cumpra tal necessidade, além de, dependendo do valor, não acarretar em qualquer caráter educativo para o empregador evitar novas ocorrências perante os demais trabalhadores, o que deveria ser outra finalidade da indenização.

Deste modo, muitos Juízes do Trabalho aplicam as indenizações seguindo critérios mais rigorosos ao raso teor da Reforma Trabalhista, e condenam empregadores em valores mais adequados ao problema analisado do que o que foi determinado pela lei.

O mesmo vale, ainda, para condenações em justiça gratuita, quando sabidamente o trabalhador não pode arcar com as despesas do processo e não tem qualquer má-fé ao requerer o que entende que lhe é devido (além dos honorários do advogado que ganhou a causa, chamados de honorários assistenciais).

E a análise do “controle difuso de constitucionalidade” não é aleatória. A ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalhopromoveu evento totalmente dedicado à discussão da reforma trabalhista, denominado “2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho”, no qual aprovou, após discussão entre profissionais do Direito (além dos Juízes, advogados e também Procuradores do Trabalho), 125 enunciados. Tais enunciados servem como base de apoio no momento dos julgamentos, sem no entanto obrigar os Juízes a decidirem conforme seu teor, mas fornecendo um parâmetro previamente estudado sobre a Reforma Trabalhista para nortear a analise caso a caso.

Trabalhadores que são afugentados de pedir seus direitos por medo das implicações que a reforma trouxe igualmente tem oportunidade de ingressar com suas reclamações trabalhistas de forma mais confiante, o que é esperado numa justiça especializada como a laboral.

Deste modo, tal medida de verificação prévia da lei, até que a reforma passe pelo pente fino do Supremo Tribunal Federal (o que deveria ter sido feito antes de sua entrada em vigor), evita erros e garante segurança jurídica nos processos, no que todos ganham quando Justiça é feita. 

Janaina de Santana Ramon é advogada trabalhista, sócia do escritório Crivelli Advogados e membro da Comissão de Direito Sindical da OAB/SP.

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