Jovem “nem nem” é mais expressivo entre os pobres

Fotografia: Charles Soveral/DMT

por Charles Soveral

O incremento de políticas públicas que oferecem mais suporte educacional e perspectiva de renda melhor reduziu de modo significativo, na última década – mas ainda não resolveu de forma definitiva –, o grupo de jovens que está entre 18 e 25 anos que nem estuda e nem trabalha. Isso significa que mais de 5,3 milhões de jovens brasileiros, 25% da faixa etária analisada, em sua maioria de famílias de baixo poder aquisitivo e baixa escolaridade, não trabalham nem estudam e nem estão à procura de nenhuma destas duas coisas. Eles constituem o que os sociólogos chamam de nem nem.

Esse é o principal dado do estudo apresentado pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Adalberto Cardoso, na mesa redonda “Trabalho e desigualdades”, ocorrida no dia 29 de outubro, em Curitiba, no XIII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET).

O professor da UFRJ e colunista de DMT destaca que, se não fossem os significativos avanços sociais obtidos pelo Brasil na última década, teríamos um cenário bem mais grave. “É nítida a influência das políticas públicas neste processo. O que se vê é que quanto mais pobre é a família, mais chance ela tem de abrigar um jovem nem nem”, observa Cardoso.

São diversos os fatores que interferem na formação de um nem nem. Os fatores brasileiros são diferentes dos jovens europeus de mesma condição. Cardoso classifica a condição nem nem no Brasil como sendo de caráter estrutural. Já no começo de seu artigo, publicado no Caderno CRH – revista do Centro de Recursos Humanos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) –, o professor da UFRJ diz que “a crise econômica pós-2008, acompanhada de grandes protestos sociais em toda parte, acendeu a luz vermelha nos países mais ricos quanto às oportunidades de trabalho e estudo dos jovens. Aumentou muito a proporção daqueles que não estudam nem trabalham, em especial na Espanha e na Grécia, mas o fenômeno é disseminado nos países mais ricos. No Brasil, entretanto, a condição nem nem é estrutural”.

Como cada pessoa tem uma história diferente e carrega a carga de suas escolhas, local que nasceu, sexo e outros fatores, foi necessário montar um estudo multivariável para melhor entender quem são e onde estão os nem nem brasileiros. O objetivo do estudo, segundo Cardoso, é oferecer elementos para uma agenda de pesquisas e políticas públicas sobre a condição nem nem.

O professor tomou por base dados dos censos demográficos dos anos 2000 e 2010 no Brasil. “Nesta pesquisa, a condição nem nem é fruto tanto de escolhas e trajetórias individuais quanto de contextos nos quais as pessoas tomam suas decisões, sobre os quais elas têm pouca ou nenhuma capacidade de intervir diretamente, e que, por isso, funcionam como condicionantes mais gerais de suas oportunidades de vida. A pessoa pode mudar de cidade, estado e país para melhorar sua trajetória de vida, mas, num certo momento, essas escolhas já se materializaram no que estou denominando aqui de taxa nem nem de exclusão e não podem ser mudadas pelo indivíduo isolado”, explica ele.

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No estudo apresentado por Cardoso, a primeira grande constatação é que a taxa nem nem de exclusão das mulheres caiu quase 4 pontos percentuais, enquanto a dos homens cresceu 1,6 ponto (ver tabela 1). Havia quatro milhões de mulheres nem nem em 2000, e 3,5 milhões em 2010. Já os homens subiram de 1,5 milhão para 1,8 milhão de excluídos. Em 2000, as mulheres representavam 72% do total dos nem nem; em 2010, 66%.

A taxa nem nem de exclusão continua a ser muito mais alta entre as mulheres, mas a mudança que se constatou permite ver que o efeito das variáveis selecionadas não será o mesmo nos dois pontos no tempo, tanto pelo aumento da proporção de homens quanto pela queda das mulheres. Isso porque homens e mulheres têm destinos sociais diferentes. “As jovens mães são obrigadas, em sua maioria, a interromper os estudos para cuidar da criança, e o caminho de volta ao mercado de trabalho fica mais longo e difícil. A maioria não volta. Em 2000, a chance de uma mulher com filho ser nem nem era 300% maior. Apesar de ainda alta, este índice caiu para 170% em 2010”, destaca o professor da UFRJ.

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Cardoso assinala, ainda, alguns dados importantes de sua pesquisa. Conforme ele, no caso da renda familiar (tabela 2), se o jovem morava em uma família entre as 10% mais pobres em 2000, a probabilidade de ser nem nem era 232,9% maior do que a de um jovem de família entre as 10% mais ricas. Em 2010, essa probabilidade saltou para 797,5%. Quase 800% maior! “O que este dado está dizendo é que, controlando tudo mais, ou seja, onde a pessoa mora, o sexo, a raça, etc., hoje, o principal impacto sobre a condição nem nem é a renda da família. Ser pobre hoje é muito mais caro para os jovens do que era 10 anos atrás”, conclui Cardoso.

No contexto geográfico, Cardoso ressalta que as regiões Norte e Nordeste confirmam a maior probabilidade de abrigar os nem nem, mas também aí as diferenças são menores hoje do que no início dos anos 2000. O pesquisador destaca que, ao analisar as condições de oferta de ensino público nos municípios e a qualidade do mercado de trabalho, percebeu uma perda de intensidade no indicador de investimento municipal na rede escolar. Houve melhora das condições de escolaridade da maioria dos municípios brasileiros e, com isso, reduziu-se a desigualdade entre eles e o efeito diferencial nas chances de um jovem ser nem nem. “Lá em 2000, a chance de você ter um nem nem em decorrência das ofertas de escolaridade estava linearmente relacionada com a oferta escolar. Em 2010, este fator desaparece. Isso revela que houve investimento de política pública no setor educacional.”

Para Cardoso, não há dúvidas de que o crescimento econômico e o maior acesso à renda têm efeitos multiplicadores importantes. Ele enfatiza o fato de que as taxas nem nem de exclusão são muito mais altas nas famílias de baixa renda, o que força a pensar na importância das políticas de distribuição de renda, seja através de programas de transferência condicional (bolsa família, por exemplo), seja a política de valorização do salário mínimo. “Tornam-se especialmente importantes as políticas de estímulo de permanência dos jovens mais pobres na escola, as políticas de cotas para estudantes em escolas públicas e para negros no ensino superior. São medidas desta natureza que oferecem perspectivas de crescimento individual. Os jovens nesta condição de nem nem vão carregar para o resto de suas vidas o impacto desta fase. O efeito do desemprego prolongado afeta de forma permanente a pessoa. Estamos em uma condição melhor hoje do que há 10 anos, mas há ainda muito por fazer”, finaliza.

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