Jessica adoeceu num abatedouro de aves. Agora ela expõe os problemas dos produtos químicos

Como muitas pessoas no condado de Sanpete, uma área rural a cerca de 160 quilômetros ao sul de Salt Lake City, no estado de Utah, Jessica Robertson gosta de passar os seus domingos na igreja. Ao contrário de outros, o local de culto que ela frequenta não é uma capela cheia de cópias do Livro dos Mórmons, mas a paisagem que cerca sua casa – um ventoso vale repleto de bosques de cedros e álamos que ela tem como seu santuário. Natural de Milwaukee, Robertson, que tem 47 anos, viveu lá por 20 anos em uma pequena casa rodeada por cercas de troncos ao lado de uma estrada de chão batido. Seja cuidando dos cavalos em sua propriedade ou caminhando por uma das trilhas que circundam o vale, onde alces e veados perambulam e águias carecas às vezes sobrevoam no alto, ela se sente em paz.

Recentemente, no entanto, sentir-se em paz tem sido algo raro para Robertson devido aos problemas crônicos de saúde. Em 2002, ela começou a trabalhar durante meio período como inspetora de aves em uma indústria de processamento de perus em Moroni, que ficava a 20 minutos de sua casa. Era um bom emprego, ainda que implicasse verificar as carcaças de perus que giravam a tal velocidade que tornava a identificação de defeitos – e evitar lesões por tensão repetitiva – desafiante. Em 2008, Robertson havia se tornado inspetora de segurança do consumidor em tempo integral para o Departamento de Agricultura [United States Department of Agriculture, USDA]. Nos anos seguintes, fez três cirurgias em seu cotovelo e sofreu com uma séria lesão nervosa em seu pescoço.

Após completar seis meses de fisioterapia para a dor no pescoço, Robertson pensou que seus problemas de saúde haviam ficado para trás. Mas, em 2015, começou a apresentar alguns sintomas estranhos – coceira nos olhos, falta de fôlego, ataques de tosse. No trabalho, como percebeu, sua voz começava a falhar já no meio da semana. Ao fim da semana, mal podia falar. Também começou a acordar no meio da noite com sangramentos no nariz. Robertson não era a única funcionária apresentando sintomas incomuns. Outra inspetora do Departamento, Tina McClellan, sua amiga próxima, reclamou de dores de cabeça, náusea e problemas respiratórios. Trabalhadores da linha de montagem da fábrica confidenciaram a Robertson que também estavam adoecendo.

Robertson acredita que a fonte das enfermidades eram os produtos químicos utilizados na fábrica – incluindo um produto pouco conhecido chamado ácido peracético, ou PAA na sigla em inglês. Um agente alvejante sem cor com um forte odor avinagrado, o PAA é utilizado para esterilizar instrumentos médicos em hospitais. Nos últimos anos, quantidades cada vez maiores dele também vêm sendo utilizadas para remover bactérias das carcaças de frangos e perus, apesar das preocupações de fiscais da indústria de que respirar o PAA poderia colocar os trabalhadores em risco, principalmente quando combinado com cloro e outros tratamentos químicos. Ainda em 2013, o Washington Post publicou uma matéria observando que fábricas de processamento de aves são obrigadas a divulgar as Planilhas de Dados para a Segurança Material enviadas por fabricantes de químicos para alertar os trabalhadores sobre os riscos associados a esses produtos tóxicos; para o cloro, os riscos incluem “dano aos pulmões, distúrbios emocionais, e até mesmo a morte”, relatou o Post, e para o PAA os riscos seriam “dano à maior parte dos órgãos internos, incluindo o coração, pulmões e fígado.”

O artigo do Washington Post veio a público dois anos após um inspetor de uma fábrica de processamento de aves no estado de Nova York, onde PAA e cloro eram utilizados, morrer em decorrência de hemorragia pulmonar. Desde então, surgiram reclamações sobre a exposição a produtos químicos em outras fábricas. Ainda assim, conforme o Escritório de Prestação de Contas do Governo [Government Accountability Office, GAO] reconheceu em relatório no ano passado, nem a Administração de Alimentos e Medicamentos [Food and Drug Administration, FDA] nem o USDA focaram na saúde ou segurança dos trabalhadores das fábricas ao avaliarem os produtos químicos utilizados em fábricas de processamento de carne e aves. Da mesma forma, a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional [Occupational Safety and Health Administration, OSHA] também não estabeleceu um limite permitido de exposição ao PAA.

Robertson começou a apresentar relatórios, conhecidos como Formulários 4791, sobre as condições insalubres da fábrica de Moroni. Tina McClellan, sua colega na inspeção da USDA, também enviou vários 4791. Os formulários eram encaminhados ao Escritório Distrital do USDA em Denver, no Colorado, e resultaram em algumas mudanças cosméticas que incluíram a colocação de pulverizadores em compartimentos fechados e a diminuição das pulverizações em alguns dias. Mas o problema não foi resolvido. Em 6 de maio de 2016, Robertson sentiu um considerável “aumento” nos químicos da fábrica. Após retornar de seu intervalo de almoço, sentiu seu peito apertar. Tentou recuperar o fôlego, mas não conseguiu. Em seguida, foi levada à sala de emergência; no caminho, estava apavorada, com medo de estar sofrendo um ataque cardíaco. Ao fim de tudo, ficou enfurecida – Robertson estava convencida de que as reclamações que havia apresentado haviam sido ignoradas.

Nos meses seguintes, Robertson pensou em se demitir. Mas ela sabia que encontrar outro emprego no condado de Sanpete não seria fácil. Ela também tinha esperanças de que algo seria feito para melhorar a qualidade do ar na fábrica, que ficava em um prédio antigo com pouca ventilação e cuja proprietária era uma empresa chamada Norbest. Conforme sua saúde continuava a se deteriorar, Robertson começou a fazer anotações breves sobre seus sintomas. “Acordei com o nariz sangrando… a fronha tinha sangue – assim como meu queixo”, lia-se em uma passagem de 26 de março de 2017. “Queimação na garganta + voz fraca”, aparecia algumas páginas depois. “Tossi a noite toda, garganta irritada, ardência nos olhos”, dizia outra. Como os riscos à saúde provocados pela exposição prolongada ao PAA não foram plenamente estudados, estabelecer com certeza que o produto era a causa dos sintomas é difícil. Mas Robertson e McClellan eventualmente seriam diagnosticadas com asma devido a seu trabalho; o médico que diagnosticou ambas concluiu que suas condições haviam sido provocadas pelo menos em parte por “exposição a produtos químicos no trabalho”.

Em novembro passado, o USDA informou a Robertson que havia chegado a uma solução para a sensibilidade dela ao PAA: realocá-la para um abatedouro em Kuna, no estado de Idaho. A decisão foi tomada sem a participação dela apesar do fato de que Kuna fica a mais de 800 quilômetros do condado de Sanpete, forçando Robertson a deixar sua casa e seu marido, que estava se recuperando de um acidente que o havia deixando parcialmente incapacitado, uma questão que ela diz ter apresentado a seus superiores. No começo deste ano, Robertson se demitiu do USDA, convencida de que a realocação era uma retaliação às reclamações que ela havia apresentado.

McClellan também foi realocada após reclamar dos sintomas do PAA. As duas delatoras estão falando publicamente pela primeira vez sobre o que sofreram não apenas por si mesmas, mas pela saúde e segurança dos trabalhadores da fábrica, que elas dizem incluir um grande contingente de imigrantes irregulares cujo status no país os torna vulneráveis demais para se defenderem. Robertson e McClellan são porta-vozes improváveis para estes trabalhadores e, por isso, protagonistas improváveis em uma história sobre abusos laborais na indústria alimentícia, onde o bem-estar dos empregados tende a ser ofuscado pelas preocupações sobre o bem-estar de animais. Sua história é um lembrete de que, mesmo que os consumidores tenham se tornado cada vez mais vigilantes sobre comprar carne processada naturalmente e de forma humana – uma preocupação não esquecida na Norbest, que comercializa seus perus como “criados soltos” e “sem a adição de hormônios ou esteroides” – as condições desumanas enfrentadas pelas pessoas que trabalham em abatedouros americanos permanecem fora do olhar do público.

Se você comeu um hambúrguer de peru ou peito de frango recentemente, a probabilidade de que a comida que você ingeriu tenha sido encharcada com PAA e outros produtos químicos antes de chegar em seu prato são grandes. Esses produtos, conhecidos como “tratamentos de redução de patógenos”, têm sido promovidos como um modo efetivo de proteger os consumidores de bactérias perigosas como a campylobacter e a salmonela.

O perigo é real: de acordo com o Centro de Controle de Doenças, enfermidades originárias de alimentos fazem com que cerca de 48 milhões de americanos fiquem doentes e 3.000 pessoas morram todos os anos. Mas pulverizar aves com produtos químicos potencialmente tóxicos não é a única forma de controlar esses patógenos – de fato, na União Europeia, tratamentos como esses são proibidos. De acordo com pesquisas, a grande maioria dos consumidores europeus não querem comer carne de aves banhadas em produtos químicos. (O Washington Post relatou em 2013 que a FDA não havia testado de forma independente se a carne pulverizada era segura para a alimentação, baseando-se apenas em dados providos pela indústria. A agência não respondeu a perguntas sobre uma pesquisa mais recente.)

A UE adotou um modelo alternativo de segurança alimentícia, o chamado método “da fazenda para o garfo”, que requer que todas as conexões com a cadeia de produção de alimentos tenham padrões de higiene implementados. O sistema de produção por confinamento que existe nos Estados Unidos – superlotado, com galpões imundos onde dezenas de milhares de aves são amontoadas e expostas ao ataque violento de doenças e bactérias – não é uma opção no sistema europeu, uma das razões pelas quais a pulverização de produtos químicos é vista como desnecessária por lá.

Por anos, negociadores de comércio americanos pressionaram agentes da UE para eliminar as restrições que barram a venda de aves tratadas com produtos químicos no mercado europeu. De acordo com Camille Perrin, diretora sênior de políticas alimentícias na Organização Europeia de Consumidores, sediada em Bruxelas, a resistência nesta questão não veio apenas de grupos consumidores europeus, mas também de produtores de aves preocupados que, uma vez que a carne americana seja importada, eles serão forçados a também pulverizar para se manter competitivos. “Há um temor de que isso baixe o padrão”, disse Perrin.

Lavagens antimicrobianas foram adotadas nos Estados Unidos como um substituto barato para regulações e medidas preventivas mais robustas – assim como para inspetores humanos, que foram gradativamente substituídos por métodos modernos e “científicos” de inspeção que acabam por coincidir com a motivação da indústria de carne em maximizar os lucros. Durante a maior parte do século 20, inspetores que trabalhavam em abatedouros examinavam carcaças manualmente para detectar doenças e eram autorizados a parar a produção para remover carne contaminada. Nos anos 1980, um novo sistema de “inspeção simplificada” foi introduzido e cortou o número de inspetores em nome da eficiência, mesmo quando as linhas de produção em abatedouros aumentaram. Os resultados foram descritos em um artigo de 1991 feito pelo repórter Scott Bronstein, do Atlanta Journal-Constitution, que descobriu que, desde 1975, o número de inspetores de carnes e aves do USDA havia diminuído em 7,5% mesmo que o número de frangos que requeriam inspeção federal tivesse aumentado em 100%, com grandes quantidades de aves contaminadas indo parar nas prateleiras dos supermercados.

Seis anos depois, em 1997, a administração Clinton lançou uma solução para o problema favorável às empresas – o chamado sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle [Hazard Analysis and Critical Control Point, HACCP], que transferia autoridade para oficiais de garantia de qualidade empregados pela indústria e reduzia inspetores federais para deveres de fiscalização secundários, tudo isso enquanto as linhas de produção continuavam a aumentar. Alguns críticos apelidaram o sistema jocosamente de HACCP “Have a Cup of Coffee and Pray” (“Tome um café e reze”, na tradução em português), fazendo uma brincadeira com a sigla. Uma nova e atualizada versão do HACCP – conhecida pela sigla HIMP (Health Insurance Matching Program ou Programa de Adequação de Seguro de Saúde) – emergiu desde então e recebeu um diferente nome: “Hands in my pocket”, ou “Mãos no meu bolso”, novamente uma brincadeira com a ausência de ação em caso de problemas de saúde.

Que algumas empresas se importaram muito pouco com a possibilidade de que trabalhadores expostos a produtos químicos antimicrobianos poderiam sofrer com problemas de saúde e reclamar, não há dúvidas. Imigrantes têm uma presença considerável na indústria de carnes e muitos deles estão irregulares no país, logo vulneráveis à exploração. De acordo com uma tese de doutorado publicada em 1989 por John Walker, hoje economista do trabalho na Universidade de Wisconsin–River Falls, a Norbest começou a recrutar imigrantes para sua fábrica em Moroni no começo dos anos 1970 e, nas décadas seguintes, seus números aumentaram. (Walker não nomeou a empresa em sua pesquisa, mas The Intercept verificou que se tratava da fábrica de Moroni.) Não coincidentemente, essas foram as décadas em que a indústria de carne foi reestruturada, indo da dependência de trabalhadores domésticos, que em muitas fábricas ganhavam salários maiores do que seus colegas em outros setores fabris, para um modelo de baixos salários e alta rotatividade que diminuiu a quantidade de funcionários locais dispostos a assumirem a função. O estudo de Walker contou com uma pesquisa com mais de vinte trabalhadores mexicanos e descobriu que imigrantes eram designados para os “trabalhos mais sujos, mais perigosos e mais exigentes” da fábrica, o que ele definiu como “as tarefas de mexicanos”. Ele também descobriu que trabalhadores mexicanos recebiam menos o que seus colegas. Mais da metade dos trabalhadores mexicanos estava irregular nos Estados Unidos.

Linhas de produção aceleradas fizeram o trabalho em abatedouros um dos empregos mais perigosos no país – ainda assim, se trabalhadores manifestassem seu descontentamento para a administração ou buscassem melhorar as condições organizando sindicatos, eles enfrentavam o risco de demissão ou, em alguns casos, deportação. Em um relatório de 2005, a Human Rights Watch descobriu que violações de direitos humanos eram “sistemáticas” em abatedouros e completamente associadas à dependência da indústria no trabalho imigrante. “Todos os abusos descritos nesse relatório – falha em prevenir lesões e doenças sérias no local de trabalho, negativas em compensar empregados lesionados, interferência na liberdade de associação dos empregados – estão diretamente ligados ao status de imigração vulnerável da maior parte dos trabalhadores da indústria e a disposição dos empregadores em tirar vantagem desta vulnerabilidade,” observava.

Na fábrica da Norbest em Moroni, milhares de perus chegam todas as manhãs em caminhões, onde são descarregados e penduradas de cabeça para baixo por grilhões metálicos. As aves são, então, desacordadas por um choque elétrico antes de terem suas gargantas cortadas e suas penas removidas. Dentro do abatedouro sem janelas, as carcaças circulam ao longo de uma linha em formato de ferradura onde empregados vestidos com toucas e óculos realizam diversas tarefas – coletar fígados, cortar pescoços, limpar defeitos – antes de jogá-los em refrigeradores de aço inoxidável cheios de uma mistura de água fria e produtos químicos (incluindo o PAA) para resfriá-los. Conforme os trabalhadores cortam e evisceram os perus, rios de água residual rosa e ensanguentada correm em valetas no chão enquanto pulverizadores enchem o ar com uma névoa de agentes antimicrobianos.

Alguns dos empregados da Norbest reclamaram dos efeitos de tais produtos – não para a administração, mas para Jessica Robertson. Nos blocos de anotações que documentavam os seus próprios problemas de saúde aparecem os nomes de vários empregados com nomes hispânicos que também estavam sofrendo. Servir como a porta-voz desses trabalhadores era a última coisa que Robertson imaginou quando começou a trabalhar como inspetora de produção do USDA na fábrica da Norbest. “Eu não comecei isso como uma defensora ou mártir ou qualquer coisa desse tipo,” ela me disse quando a visitei há pouco tempo em sua casa em Indianola, uma das dezenas de cidades agrícolas ao longo da estrada principal que corta o vale no condado de Sanpete. Eu encontrei Robertson na varanda de trás, vestida com jeans e botas de cowboy. Ela vivia ali desde 1998, após sair de um casamento fracassado em Las Vegas e decidir viver em um lugar com menos tentações nocivas. Ela planejava ir para Montana, mas acabou ficando ali após se apaixonar pelo vale e por Vince, um soldador que também estava saindo de um casamento infeliz.

Uma pessoa transferida de Wisconsin que não era mórmon e que passara boa parte de sua vida em cidades, Robertson era uma estranha em Utah – ainda assim, ela sempre sonhou em viver no campo e, como indicava a decoração de sua casa, havia aspectos da cultura local que ela passou a apreciar. Nas paredes da sala havia cabeças empalhadas de vários animais mortos – um veado que seu marido caçou no Bears Ears National Monument alguns anos atrás; um alce que ela mesma havia abatido. Caçar era uma grande parte de suas vidas, disse Robertson.

As armas, os troféus de caça, a TV da sala sintonizada na Fox News: tudo isso sugeria que Robertson partilhava dos valores, se não da herança religiosa, de muitos de seus vizinhos no condado de Sanpete, onde dois terços dos eleitores apoiaram Donald Trump na eleição presidencial de 2016. Mas quando se tratava dos imigrantes da região, Robertson não soou como o estereótipo conservador. Ela pareceu simpática a eles – e indignada. “Eles são seres humanos”, disse sobre os trabalhadores imigrantes da Norbest. “Eles respiram, vivem, comem, têm famílias como nós. Só porque eles vieram até aqui para ter uma vida melhor isso não lhe dá o direito de tratá-los como lixo… expondo-os a empregos difíceis e tóxicos, sabendo muito bem que eles não vão dizer nada para não arriscar perder o dinheiro que entra e que está permitindo dar comida a suas famílias.”

A indignação poderia ser atribuída, em parte, a interesses comuns: como as anotações dela indicaram, todos no abatedouro da Norbest tinham de respirar o mesmo ar. Isso também pode ter refletido no fato de que Robertson não precisou imaginar muito para saber como seria tentar ter uma vida melhor e ser tratada como lixo. Ela era filha de um veterano do Vietnã que trabalhou para uma ferrovia em Milwaukee antes de ser recrutado e que, após retornar da guerra, viu-se sem emprego. Ao crescer, “não havia muito dinheiro” em sua família, disse. Sendo uma adolescente atlética, Robertson conseguiu obter uma bolsa de estudos através do voleibol para frequentar uma pequena faculdade mas, após lesionar seu joelho, ela parou por um tempo e acabou desistindo. Dois divórcios e uma sequência de empregos sem futuro depois, acabou em Indianola, onde ela e Vince transformaram uma cabana repleta de erva-daninha no meio de um campo vazio em sua casa dos sonhos, em grande parte, graças ao salário contínuo que ganhava como inspetora de aves do USDA, o que em dado momento chegou a 80 mil dólares anuais com as horas extras. O trabalho não era fácil: turnos de 12 horas em cinco a seis dias da semana em uma fábrica fétida, barulhenta e com vísceras por todos os lados onde milhares de perus eram abatidos todos os dias. Mas ela gostava da responsabilidade e se orgulhava de seu trabalho, até que ele começou a arruinar sua saúde.

Ao contrário dos imigrantes ilegais da fábrica, Robertson não estava em risco de ser deportada caso denunciasse a seus superiores sobre os perigos para a saúde e a segurança em seu ambiente de trabalho – esta era, de fato, a sua responsabilidade. Mas, quanto mais suas reclamações para o USDA foram ignoradas, mais ela começou a se perguntar se essa responsabilidade não a faria sofrer consequências. “Começando a sentir que talvez um caso esteja sendo montado contra mim”, ela escreveu em seu caderno pouco mais de um ano atrás. Seis meses depois, ela pediu um respirador para aliviar seus problemas respiratórios crônicos. Seu pedido foi negado.

Em fevereiro, Robertson foi até Kuna, em Idaho, para dar entrada no hotel próximo ao abatedouro para onde ela havia sido realocada. A pessoa da recepção a informou que ela não poderia receber a chave do quarto até que alguém pagasse por ele. O cartão de crédito do governo prometido a ela não havia chegado em tempo. Quando Robertson ouviu isso, ela caiu no choro. Ainda em Kuna, ela disse quase ter tido um esgotamento nervoso. Logo depois, voltou para casa e, cerca de um mês mais tarde, pediu demissão.

Robertson não foi a única pessoa em Indianola a passar por algo assim. A alguns quilômetros da propriedade dela está uma casa baixa de fazenda com uma bandeira americana na frente e uma caminhonete com o slogan “Cowgirl Cadillac” rabiscado no para-brisa. O carro e a casa pertencem a Tina McClellan, amiga de Robertson e colega inspetora do USDA. McClellan tem 50 anos, um jeito tagarela e gosto por roupas chamativas (na primeira vez que nos encontramos, ela vestia um pijama rosa choque). McClellan mudou-se para Utah quando criança e, como Robertson, acabou por se apaixonar pelo condado de Sanpete. Ela e seu marido, Karl, compraram uma casa em Indianola pensando que se aposentariam ali. Mas, alguns anos atrás, McClellan começou a voltar para casa do trabalho tossindo e com os olhos vermelhos. “Estava me matando”, ela disse. Em 8 de agosto de 2016, três meses depois de Robertson ir parar em uma sala de emergência, McClellan também foi levada ao hospital após problemas respiratórios e visão turva que geraram um ataque de asma. Alguns dias depois, ela me contou ter recebido uma ligação do Escritório Distrital do USDA em Denver, para quem ela havia enviado dezenas de reclamações sobre os problemas no ar da fábrica da Norbest, informando-a de que ela não mais trabalharia lá. Ela havia sido realocada para outra fábrica, no estado de Washington, começando na segunda-feira seguinte. A McClellan foram dados três dias para resolver o que fazer com seus animais, contou. Nos meses seguintes, ela foi enviada para diferentes fábricas em diversos locais afastados, sempre sem aviso prévio.

Um porta-voz do Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar [Food Safety and Inspection Service, FSIS] do USDA apresentou a decisão de realocar Robertson e McClellan como um esforço para preservar o bem-estar dos inspetores que estavam “sensíveis a certos produtos químicos”, e disse que a agência havia feito “várias ações para responder às reclamações das inspetoras” na fábrica de Moroni, incluindo disponibilizar supervisores com um “medidor de detecção” para avaliar a qualidade do ar, além de trabalhar com a Norbest para encontrar soluções. (O porta-voz não explicou por que o pedido de Robertson por um respirador foi negado.) Eu ouvi algo diferente do Dr. Mark Reeves, veterinário que era o supervisor de Robertson e McClellan na Norbest e encaminhou os formulários 4791 enviado por elas “para a cadeia de comando” do Escritório Distrital do USDA em Denver. Os formulários enviados pareceram “desaparecer no ar”, disse Reeves em depoimento, refletindo o que ele acabou por considerar a decisão preferida da Norbest e do USDA em relação ao problema do ar: livrar-se das inspetoras que estavam chamando atenção para a questão. Em memorando datado de 8 de junho de 2016, Reeves relatou que Ryan Johnson, o administrador da fábrica da Norbest na época, disse a ele que a empresa havia tomado uma “decisão de negócios” para evitar gastar dinheiro em melhorias de ventilação na fábrica, já que “remover algumas pessoas hipersensíveis não custaria nada.”

A Norbest não respondeu aos repetidos pedidos de entrevista. A empresa também se recusou a responder a uma lista de perguntas escritas enviadas por e-mail sobre o uso de produtos químicos e as reclamações de empregados. Em janeiro, a fábrica de Moroni foi comprada por outra empresa, a Pitman Farms, que também não respondeu aos pedidos por comentários.

Reeves enviou algumas reclamações ao USDA sobre o PAA e outras questões de qualidade do ar porque ele, também, sentiu os efeitos, sofrendo com problemas respiratórios e renais. Como Robertson e McClellan, ele acabou sendo realocado para outro local porque, segundo disse, seus superiores no USDA estavam “cansados das minhas reclamações”. Se o USDA de fato colocou os interesses financeiros da Norbest acima da segurança de seus empregados e do interesse público, não seria a primeira vez. A agência tem, há muito tempo, uma missão dupla: por um lado, regular a segurança alimentícia e, por outro, promover os interesses do agronegócio. Sempre que esses dois objetivos entraram em conflito, “o último foi priorizado”, disse Amanda Hitt, diretora da Campanha de Integridade Alimentícia do Government Accountability Project [GAP], que já representou dezenas de delatores do USDA que foram sujeitados a retaliações por exporem práticas insalubres na indústria de carne. Na última década, o GAP coletou depoimentos juramentados de inúmeros inspetores do USDA sobre o ácido peracético. Ele recentemente encaminhou uma reclamação em nome de Robertson ao Escritório do Conselheiro Especial [Office of Special Counsel], um órgão federal independente que defende alegações de delatores, e planeja enviar uma queixa similar em nome de McClellan. Ambas encaminharam reclamações à Comissão de Igualdade de Oportunidades de Emprego alegando terem sofrido retaliação por sua franqueza.

Quão grande é o problema do PAA e outros antimicrobianos? Alguns acreditam que o perigo é limitado a locais com pouca ventilação como a fábrica Norbest em Moroni. Mas a verdade é que ninguém sabe realmente, tanto porque abatedouros de aves são difíceis de serem acessados por quem é de fora quanto porque os empregados de fábricas não sindicalizadas – que constituem a maior parte da indústria – têm uma ausência de incentivo para reclamar. Robyn Robbins, diretora do escritório de saúde e segurança do sindicato United Food and Commercial Workers International Union, que representa mais de um terço dos cerca de 250 mil trabalhadores de processamento de aves, disse que recebe ligações “algumas vezes por mês” de sindicatos locais preocupados com os tratamentos de redução de patógenos. “Muitos de nossos membros estão tendo problemas com os produtos”, afirmou. Ela também contou que os problemas são piores ainda em fábricas não sindicalizadas.

Nenhum dos imigrantes que trabalharam na Norbest estavam dispostos a falar comigo. Falei com vários antigos empregados, incluindo uma mulher chamada Christina que pediu que eu usasse apenas seu primeiro nome porque não queria que soubessem que ela havia falado com um repórter. Ela vivia na cidade de Manti, em uma modesta casa de fazenda com um amontoado de equipamentos de cortar grama e lenha espalhados pelo gramado. Tímida e pálida, Christina disse ter sofrido com “dores de cabeça fortíssimas” quando trabalhava na Norbest. Ela também desenvolveu estranhas irritações em seus braços. Desde que parou de trabalhar lá, tanto as dores de cabeça como as irritações na pele sumiram. Christina trabalhou no abatedouro por dois anos. Quando eu perguntei por que ela não se demitiu antes, considerando seus problemas de saúde, ela mencionou a economia local. “Por aqui, você conseguirá provavelmente um salário mínimo, e isso normalmente em meio período”, disse.

Alguns dias depois, eu falei com outra mulher que chamarei de Jane que trabalhou recentemente na Norbest, mas preferia se manter anônima porque ela e o marido conhecem muitas pessoas da empresa. Ela também teve problemas dermatológicos, lesões estranhas que apareceram em seu queixo e rosto. Trabalhar na fábrica teve um efeito dramático em sua voz, que se tornou quase muda e áspera, levando seus amigos a lhe perguntarem se ela havia começado a fumar (ela nunca fumou um cigarro em sua vida). “Aqueles produtos – eles queimam”, disse. “Eu sempre estava com dor de garganta. Eu estive mais doente nos dois anos em que trabalhei na fábrica do que jamais estive em toda minha vida.”

Como o Escritório de Prestação de Contas do Governo observou em seu relatório no ano passado, a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional [OSHA] não tem recursos para avaliar se produtos químicos são seguros antes de serem utilizados no ambiente de trabalho. A agência ocasionalmente investiga algumas fábricas onde as reclamações aumentaram e, em 2016, coletou amostras de ar do abatedouro da Norbest. Um porta-voz do USDA apontou que essas amostras não mostraram níveis altos de PAA. Mas, conforme mostrou um recente relatório do Escritório de Prestação de Contas do Governo sobre segurança no ambiente de trabalho da indústria de processamento de carne e aves, o PAA se dissipa rapidamente e é notoriamente difícil de ser medido. De acordo com Robertson e McClellan, a Norbest também sabia quando os inspetores da OSHA viriam e desligaram os pulverizadores antes de eles chegarem.

Documentar o que acontece em fábricas de carne e aves é difícil, não apenas porque agências como a OSHA não possuem recursos, mas também porque a indústria obteve sucesso em fazer lobby para as chamadas “leis da mordaça”, atualmente efetivas em oito estados, que proíbem que qualquer um tire fotos ou faça vídeos dentro de abatedouros. (Utah possuía uma lei assim efetiva até o ano passado, quando um juiz a anulou.) No final do ano passado, pouco antes do Dia de Ação de Graças, a Norbest virou notícia após membros da Direct Action Everywhere, uma organização pelos direitos dos animais, conseguirem entrar em alguns galpões no condado de Sanpete para gravar vídeos clandestinos e tirar fotos mostrando aves machucadas e doentes sofrendo em condições de imundície. “Grupo pelos direitos dos animais compartilha vídeo clandestino de perus doentes e maltratados em galpões de Utah”, anunciava a manchete no Salt Lake Tribune. A história ganhou novamente as páginas do jornal em maio, quando seis dos ativistas de direitos dos animais foram processados.

Jessica Robertson e Tina McClellan viram as histórias. Ambas ficaram decepcionadas, não porque o que os vídeos revelavam estava errado – as condições esquálidas capturadas podem explicar a razão de a Norbest se sentir obrigada a utilizar quantidades enormes de pulverizadores antimicrobianos –, mas porque nenhuma menção foi feita aos empregados maltratados. Elas sentiram que, tanto para a mídia quando para os consumidores, o tratamento das pessoas que trabalham duramente na indústria alimentícia foi colocado como inferior em relação ao tratamento dos animais.

Essa é uma sensação que Nicole Byrne Navarro partilha. Em 2006, Navarro e seu marido, Jose, mudaram-se para South Fallsburg, no estado de Nova York, onde ele havia sido alocado para trabalhar como inspetor de segurança do consumidor do USDA em uma fábrica de processamento de aves local. A dona da fábrica era a Murray’s Chicken, uma empresa cujo website enfatiza o seu compromisso em produzir frangos que recebem uma certificação humanitária, “consistente com nosso valor central de que todos os animais devem ser criados com decência e respeito.” Não levou muito tempo para Jose concluir que esses valores não se estendiam aos empregados da empresa, disse-me Navarro, lembrando que ele vinha para casa e contava como eles eram tratados horrivelmente pelos administradores que se importavam apenas em maximizar os lucros. “O que importa é a linha de produção”, ele dizia. Nascido em Porto Rico e criado em uma vizinhança carente de South Bronx, Jose sentia afinidade com aqueles trabalhadores, disse Navarro, muitos dos quais eram imigrantes latinos.

Em 2010, Navarro percebeu que seu marido tossia muito após o trabalho. Ele havia tido asma na infância e fumava, mas a intensidade da tosse era estranha. A Murray’s já havia sido intimada pelo USDA por suas condições insalubres e a presença de salmonela em produtos de aves crus, e havia aumentado o uso de pulverizadores antimicrobianos, incluindo o PAA. No outono de 2011, Jose estava cozinhando em uma noite quando começou a tossir muito. Quando Navarro chegou na cozinha, ela o viu cuspindo sangue. Ela o levou à emergência, mas o sangramento continuou. Em 26 de novembro de 2011, ele morreu de hemorragia pulmonar. Uma investigação da OSHA conduzida posteriormente não foi capaz de determinar que a morte de Jose estava relacionada a seu trabalho – estabelecer isso é difícil por conta da quantidade de variáveis envolvidas – mas a agência intimou e multou a Murray’s por diversas violações de saúde e segurança, incluindo a falha em informar seus empregados sobre os perigos em potencial do PAA e a falha em registrar as lesões e doenças sofridas por seus empregados, desde lesões por movimento repetitivo até queimaduras por produtos químicos. (A empresa contestou as intimações e um juiz de lei administrativa as manteve.) Em comentário ao Washington Post em 2013, o CEO da Murray’s disse que a “OSHA não encontrou nenhuma conexão entre o lamentável falecimento do inspetor do USDA e o ambiente da fábrica.” No entanto, Robert Harrison, professor de medicina clínica na Universidade da Califórnia em São Francisco e especialista em saúde ocupacional, avaliou subsequentemente os fatos do caso e determinou que a morte de Jose Navarro estava “dentro da probabilidade médica razoável devido às exposições ocupacionais ocorridas durante seu emprego como inspetor do USDA.”

Navarro me contou essa história sentada à mesa no primeiro andar de sua casa em Plattsburgh, Nova York, onde vive com os dois filhos que teve com Jose. Espalhados pela mesa estavam diversos documentos coletados por ela sobre a morte de Jose, assim como algumas fotografias, incluindo uma foto dos dois tomando banho de sol em uma praia do Caribe. Próximo da pasta estava o crachá do USDA de Jose, que ela me contou ter sido fonte de grande orgulho para ele. “Ele amava aquele crachá”, lembrou. Quando ele ainda estava vivo, disse Navarro, Jose às vezes brincava que estava vivendo em uma “‘Selva’ da vida real” – uma referência ao romance de Upton Sinclair, publicado em 1906, sobre as condições brutais das fábricas de acondicionamento de carnes em Chicago. Depois de Jose morrer, Navarro me disse que leu o livro e refletiu sobre sua mensagem – e sua recepção popular – à luz da experiência de seu marido. Sinclair escreveu o livro, ela mencionou, “para as pessoas que estavam trabalhando nas fábricas – essa era a intenção dele, trazer o foco para eles.” Ainda assim, o que cativou o público foi como essas condições afetavam o seu fornecimento de comida. “A Selva” ajudou a abrir passagem para o Meat Inspection Act e o Pure Food and Drug Act (Lei da Inspeção da Carne e Lei de Alimentos e Medicamentos Puros em tradução livre), mas fizeram muito pouco para alterar as condições dos trabalhadores, muito para a decepção de Sinclair, um socialista que anos depois comentou, “eu tinha como alvo o coração das pessoas e por acidente atingi os seus estômagos.”

Um século depois, sentia Navarro, muito pouco mudou. “Essa é exatamente a mesma coisa que está acontecendo agora”, disse. “O público quer se sentir bem em relação a sua comida; eles não se importam com os trabalhadores.”

Jessica Robertson (à esquerda) e Tina McClellan (à direita) cavalgando para casa, em Indianola, Utah. Fotografia: Armando Aparicio.
Jessica Robertson (à esquerda) e Tina McClellan (à direita) cavalgando para casa, em Indianola, Utah. Fotografia: Armando Aparicio.

Desde que os supervisores do FSIS receberam “medidores de detecção” para verificar a qualidade do ar, “nenhuma outra reclamação surgiu” sobre a qualidade do ar na fábrica de Moroni, disse uma porta-voz da FSIS. Um inspetor com quem falei, que havia trabalhado na fábrica em abril, contradisse tal afirmação. “Eu não vi nenhuma mudança – nada”, disse o inspetor que preferiu não ser identificado.

Desde que pararam de trabalhar na fábrica de Moroni, tanto Jessica Robertson quanto Tina McClellan têm se sentindo melhor, pelo menos fisicamente. Seu estado emocional é outra questão. O marido de McClellan, Karl, me disse que, em várias ocasiões, Tina ficava apática e deprimida, sofrendo para preencher as horas ociosas e para descobrir como compensar os 75 mil dólares anuais de salário que ela havia perdido. “Nós quase não estamos conseguindo”, disse Karl. McClellan confirmou. “Eu estou em risco de perder minha casa, meus animais, tudo”, disse.

Robertson encontrou um emprego, mas pagava apenas 12 dólares a hora, nem perto de ser suficiente para cobrir todas as contas médicas e pessoais que ela e o marido tinham. Em dias bons, quando ela estava no vale procurando chifres de alces ou bebendo uma cerveja em sua varanda, Robertson sentia uma calmaria tomar conta dela. Mas, em outros momentos, a calmaria dava lugar ao medo de acabar como seus pais que, como ela me contou, “trabalharam muito duro para ter o que tinham” mas passaram por tempos difíceis quando envelheceram e acabaram por perder tudo.

Além de sua situação financeira, a experiência de Robertson alterou seus hábitos alimentares. Cada vez mais, ela contou, ela se distancia de comidas que foram processadas e tem tentado viver do que ela e o marido caçam. Antes de se demitir, a ela foi oferecido um dos perus “criados soltos” da Norbest como presente de um colega de trabalho. Ele acabou indo para alguém que ela sabia que “realmente precisava”, contou, mas ela o enviou com um aviso, dizendo à pessoa que lavasse a ave muito bem antes de preparar uma refeição.

Fonte: The Intercept Brasil
Texto: Eyal Press
Tradução: Maíra Santos
Data original da publicação: 28/07/2018

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