Greve expõe divisão entre sindicalistas na Argentina

Unidade é o que não há entre os grevistas argentinos. “É uma greve de domingueiros”, rosna Guillermo, cuspindo desdenhosamente no cruzamento das avenidas Córdoba e Callao, no centro de Buenos Aires. Para o chefe de um pequeno sindicato de enfermeiros, um genuíno protesto de trabalhadores é mais do que apenas cruzar os braços.

Por isso ele e seus companheiros ocuparam o cruzamento das duas principais avenidas da capital argentina. “Organizamos piquetes no país inteiro. Acreditamos que isso fortalece a greve. É um método com o qual os trabalhadores deste país podem mostrar nas ruas que não estão de acordo com o que está acontecendo.”

A poucos quilômetros de distância, na sede da Confederação Geral do Trabalho (CGT), os membros da mais poderosa central sindical do país não veem os piquetes com bons olhos. A CGT e seus sindicatos afiliados tinham planejado para  quinta-feira (10/04) uma greve silenciosa, de 24 horas, em que nada funciona, mas sem radicalização.

As organizações radicais de esquerda, que bloqueiam as vias da cidade com pneus em chamas e também tentam impedir os outros de entrar em seus locais de trabalho, não contribuem muito para a popularidade da greve geral, opinam os dirigentes da CGT.

Mas mesmo a CGT se encontra dividida sobre como deve agir diante da difícil situação do país. A ala opositora organizou a greve e é criticada severamente pela facção pró-governo, cujo líder, Antonio Calo, argumenta: “Meus colegas me dizem que não entendem as razões para esta greve. E eu também não entendo”. Uma opinião que dificilmente é compartilhada fora dos círculos governamentais.

Problemas crescentes, aprovação em queda

Há meses, a Argentina luta contra uma inflação galopante de cerca de 30% ao ano. Restrições arbitrárias à importação e rígidos controles cambiais levam empresários e potenciais investidores ao desespero.

Por outro lado, o governo gasta enormes somas de dinheiro em programas sociais, a fim de comprar a simpatia de seus eleitores, cuja maioria vem da parcela mais pobre da população. Esses programas não trouxeram resultados. Além disso, questões como violência e criminalidade relacionadas ao tráfico de droga se tornaram assuntos permanentes.

Até esta semana, tudo isso não era uma justificativa para os grandes sindicatos chamarem uma greve geral em todo o país. Mas depois que o governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner começou a mudar, ao menos parcialmente, sua política econômica implementada há anos, provocou a ira de grande parte da população, incluindo grupos que eram próximos ao kirchnerismo.

Uma desvalorização do peso em janeiro e o planejado corte de alguns subsídios fizeram o copo transbordar. Agora, até os simpatizantes do governo se queixam que suas contas de gás e eletricidade estão explodindo, que têm que fazer milagre para seus salários ou aposentadorias chegarem até fim do mês. Eles esperam outra coisa de uma presidente que ainda recentemente se denominou “mãe de todos os argentinos”.

Um sindicalista na presidência?

Sobretudo um homem tenta tirar proveito dessa situação: Hugo Moyano, presidente do sindicato dos trabalhadores dos transportes, secretário-geral da CGT e um dos dirigentes sindicais mais poderosos do mundo. Moyano é tido como alguém que tem ambições de concorrer à presidência nas eleições do ano que vem. Agora, ele conseguiu trazer para seu lado também, além de seus caminhoneiros, trabalhadores do transporte público e ferroviários, uma constelação que pode paralisar o país completamente a qualquer momento.

“Com esta greve, mostramos que somos capazes de interpretar as necessidades do povo corretamente. A população enviou uma mensagem clara ao governo”, afirmou Moyano ainda durante a paralisação, deixando transparecer sua autoconfiança. Segundo os organizadores, a greve teria sido seguida por 98% dos trabalhadores sindicalizados.

O governo, naturalmente, vê a coisa de modo muito diferente. O ministro do Interior e Transporte, Florencio Randazzo, chamou o protesto de uma “pequena paralisação”, uma “chantagem” dos sindicatos dos transportes. O efeito foi que “as crianças não puderam ir à escola”. Outro alto funcionário do governo afirmou que greves só prejudicam “aqueles que querem trabalhar”.

São observações que não ajudam em nada o governo, e apenas servem para unir os trabalhadores oposicionistas, e isso numa hora em muitos se encontram em plenas negociações salariais. E os sindicatos reinvidicam, no mínimo, a compensação das perdas inflacionárias.

Fonte: Deutsche Welle
Texto: Marc Koch
Data original da publicação: 11/04/2014

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