Ganância, miséria e impunidade explicam trabalho escravo, diz frei

No Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, 28/01, procuradores, juízes e ativistas chamaram a atenção para ameaças de retrocesso nas ações contra essa prática e na importância de aperfeiçoar, principalmente, os mecanismos de punição.

“Ganância, miséria e impunidade. Esse tem sido o tripé explicativo do que continua funcionando até hoje”, afirmou o frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), durante evento promovido em São Paulo pela Escola Superior do Ministério Público da União. Ele lembrou que, até hoje, nenhum infrator cumpriu pena e nenhuma propriedade foi desapropriada ou expropriada.

Na abertura, na manhã do dia 28, tanto a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, como o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, entre outros, destacaram a necessidade de manter e melhorar as políticas públicas no setor. “No dia em que o Brasil deixar de ter uma política de trabalho escravo, o nosso nome vai para o vermelho. O Brasil sofrerá represálias, seja por fundamentos humanitários, seja por fundamentos econômicos” disse Fleury, que também falou sobre a tragédia de Brumadinho (MG) e o que chamou de “processo de sub-humanização dos trabalhadores”.

Segundo ele, as informações disponíveis mostram que é “imperioso” manter o combate ao trabalho escravo e todo o conjunto de normas que protege trabalhadores brasileiros e também estrangeiros que são aliciados. Mas Fleury acrescentou que é preciso que a sociedade também se dê conta das condutas de algumas empresas, citando ações que atingem áreas urbanas e rurais.

Como exemplo, o procurador-geral citou uma operação que apurou trabalho análogo à escravidão no mundo da moda. “Quem faz a sua roupa? Quais as condições de trabalho a que essas pessoas estão submetidas? Essas perguntas também devem ser feitas quando se faz um churrasco”, disse Fleury, destacando ainda as operações em carvoarias. Apenas no ano passado, os grupos móveis de fiscalização resgataram, segundo o procurador, 1.723 trabalhadores, sendo 1.200 em áreas rurais e 523 em urbanas.

Pelos dados da CPT, foram 53.853 resgatados desde 1995, relatou frei Xavier. Destes, 18.147  (34%) foram na região Norte, 13.173 (24%) no Centro-Oeste, 10.433 (19%) no Nordeste, 9.404 (17%) no Sudeste e 2.696 (5%) no Sul. Para ele, a redução de casos registrados nos últimos anos demonstra uma “crescente invisibilidade”: “Infratores aperfeiçoaram sua estratégia de esconder, de driblar, de burlar”. Dos quase 36 mil que receberam seguro-desemprego, 70% têm no máximo o 5º ano incompleto, e 31% são analfabetos.

O diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (promotora do evento), João Akira Omoto, observou que enquanto o mundo do trabalho vivencia “enormes transformações”, segue preso a um passado (trabalho escravo) que já deveria estar distante. “O mundo e o Brasil mudaram, mas uma velha prática permanece”, afirmou, citando “novas formas de escravidão, quase sempre dissimuladas”.

Para o assessor internacional do MPT Thiago Gurjão Alves Ribeiro, o Estado brasileiro ainda não conseguiu assumir seu compromisso de erradicação da prática. “Esse compromisso não só não admite retrocessos, mas exige avanços, para combater a violação dos direitos elementares da pessoa humana”, afirmou.

Diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Martin Hahn lembrou que todos os Estados-membros da entidade têm a obrigação de eliminar esse problema. Ele acrescentou que o Brasil é referência no assunto. Segundo dados da OIT, 25 milhões de pessoas são submetidas a trabalhos forçados no mundo. De cada quatro vítimas, uma é criança.

Colarinho branco

Raquel Dodge e vários outros lembraram da chamada chacina de Unaí, de 2004, quando três auditores-fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho foram mortos a tiros em uma operação de fiscalização na cidade do noroeste de Minas Gerais. “O crime foi elucidado, mas o sistema de Justiça deveria ser mais célere”, afirmou. Um dos mandantes teve o julgamento anulado e outro conseguiu redução da sentença.

Segundo ela, a escravidão contemporânea é sustentada por várias organizações que atuam com lavagem de dinheiro e corrupção, além do crime organizado. Um “típico crime do colarinho branco”, definiu, envolvendo “profissionais de negócios e muitas vezes em conluio com pessoas do Estado”.

Por isso, acrescentou a procuradora-geral, é preciso “redobrar” o esforço estatal e manter ativas as instituições de controle. O Brasil já condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, lembrou, por prática de trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, no Pará.

“É preciso evitar retrocesso no marco regulatório”, defendeu Raquel Dodge, citando as tentativas de alterar o conceito de trabalho escravo e a suspensão da “lista suja” de empregados que recorreram ao trabalho análogo à escravidão. “É outro instrumento importante. É uma medida saneadora, de transparência e de inibição dessa prática.”

Fonte: RBA
Texto: Vitor Nuzzi
Data original da publicação: 28/01/2019

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