EUA têm nova classe de criados

A desigualdade de renda aumenta procura por empregados domésticos para serviços de luxo.

Lynn Stuart Parramore

Fonte: Samuel/Opera Mundi
Tradução: Maria Teresa de Souza
Data original da publicação: 22/07/2014
Originalmente publicado em inglês na revista AlterNet em 06/03/2014

Nos Estados Unidos, muitas pessoas ainda acham que empregados domésticos são algo pertencente a uma era distante, uma época menos igualitária e democrática do que a nossa, como a Grã-Bretanha da série sobre a aristocracia inglesa Downton Abbey. Mas à medida que entramos em uma segunda “Era Dourada”, o relógio parece estar voltando atrás, e os super-ricos estão cada vez mais dependendo de criados para cuidar de sua alimentação e das roupas, e também para se sentirem confortáveis. A “recuperação” econômica quase não produz empregos suficientes, mas o setor dos empregados domésticos certamente está crescendo.

As agências estão sendo inundadas por pedidos de mordomos, cozinheiros, motoristas e outros empregados. De que serve um jato particular sem um atendente de bordo? De que serve um iate sem um massagista? De acordo com Claudia Khan, fundadora de uma agência de recrutamento de empregados, em Los Angeles, os ricos estão requisitando “serviços do tipo de Downton Abbey” para igualar o que eles veem na TV. Ela observa que uma governanta trabalhando para um bilionário pode ganhar US$ 60 mil por ano (o salário médio no setor é de menos de US$ 20 mil), mas uma “empregada exclusiva para uma senhora” pode receber US$ 75 mil dólares. Mordomos em período integral podem conseguir US$ 70 mil por ano, e alguns que viajam com a família em iates e jatos particulares chegam a ganhar até US$ 200 mil por ano.

Vincent Minuto, que atende clientes ricos nos Hamptons [balneário de luxo no estado de Nova Iorque], recomenda uma governanta para cada área de 280 metros quadrados. Se você tem uma propriedade como a do magnata David Siegel, você vai precisar de pelo menos 16 empregados para sua casa de cerca de 4.700 metros quadrados em Windermere, na Flórida.

Em Nova York, interessados no serviço doméstico podem estudar os fundamentos da culinária e dos serviços de lavanderia em um curso ministrado pelo ex-mordomo da multimilionária Brooke Astor, que planeja “revolucionar” o negócio dos mordomos ao fazer os alunos compreenderem por que uma pessoa especializada em lavagem a seco possivelmente não pode passar roupas adequadamente. Do outro lado do Atlântico, o número de empregados domésticos também está chegando às alturas. Um estudo recente realizado pela Wetherell, agência do setor imobiliário para megarricos, revelou que há mais criados trabalhando na área chique de Mayfair, em Londres, do que havia 200 anos atrás. Entre os 4,5 mil moradores que possuem casa na região, 90% têm criados, enquanto o percentual de moradores de apartamentos é de 80%.Por todo o Reino Unido, a demanda por mordomos dobrou entre 2010 e 2012.

Estigma

A classe dos criados cresceu nas últimas décadas por várias razões. Para a classe média, o arranjo do pós-guerra em que o marido trabalhava e a mulher ficava em casa aspirando pó e fazendo outros serviços era o padrão, mesmo não sendo um esquema especialmente agradável (como Betty Friedan descreveu memoravelmente em “A Mística Feminina”). Isso indicava um distanciamento em relação a épocas anteriores, quando mesmo residências de classe média baixa costumavam ter empregados. Na prática, a tecnologia e melhores perspectivas de emprego para os potenciais trabalhadores domésticos fizeram com que as esposas e mães se tornassem empregadas não pagas, responsáveis por todas as tarefas domésticas.

Mas à medida que mais mulheres começaram a trabalhar fora, e as jornadas dos trabalhadores, em especial nos Estados Unidos, ficaram mais longas, as casas mergulharam no caos. Afinal, as camas não são feitas num passe de mágica. O serviço doméstico tinha de ser feito, e mesmo quando os homens se lançavam a ele, a verdade é que tanto marido como esposa estavam normalmente trabalhando demais e por muito tempo para poder fazer adequadamente as tarefas domésticas. Apesar de um leve estigma nos Estados Unidos ligado à contratação de criados no pós-guerra, diaristas de meio período e babás se tornaram para muita gente o único meio de restabelecer a sanidade.

O mais recente aumento na procura por trabalhadores domésticos está relacionado com a desigualdade. Em lugares como o Oriente Médio, bem como em Hong Kong, Cingapura, Malásia e Taiwan, sempre foi comum importar trabalhadores domésticos de países mais pobres. Mas essa tendência está se espalhando. No Reino Unido, não se trata mais de Jeeves [mordomo personagem da literatura inglesa] fazendo o chá, mas de Vlad, da Romênia. Nos Estados Unidos, quase metade dos empregados e governantas não nasceram no país, e os latino-americanos dominam. (Um grande bloco dos ricos apoia alegremente a imigração em massa de mão de obra barata, para que esses trabalhadores possam continuar a ser mal pagos.)

Abuso

O trabalho no serviço doméstico sempre é uma forma difícil de emprego, exposta a abusos. Historicamente, criados não podiam recorrer à lei para sua proteção até a imposição no Reino Unido do Master and Servant Act (Lei dos Patrões e Criados), de 1823, que influenciou a legislação de outros países. Era favorável aos patrões, mas era melhor que nada, e incluía cláusulas para coisas como refeições, roupas e abrigo. Nos Estados Unidos, o New Deal excluiu empregados domésticos das proteções trabalhistas, como é bem conhecido, e esses serviços ainda continuam sendo um segmento amplamente sem regulamentação.

Empregados domésticos imigrantes estão especialmente propensos a abusos porque estão isolados e com frequência desconhecem seus direitos legais. Trabalhadores sem documentação adequada no país estão à mercê dos empregadores, e alguns casos recentes, como a descoberta de que um homem de Seattle mantinha uma empregada Filipina virtualmente como escrava, mostram como as condições podem ser horríveis. Em 2008, mais de um quarto de todas as empregadas e governantas nos Estados Unidos não tinham documentos para trabalhar no país.

Não deveria haver nenhum estigma ligado ao serviço. Trabalho é trabalho, e ser um chofer ou uma governanta é um meio perfeitamente digno de ganhar a vida. Não há nenhuma razão pela qual essa forma de emprego deva ser sempre insegura e mal paga. Nos Estados Unidos, empregados domésticos vêm obtendo avanços na batalha para serem tratados como os demais trabalhadores. No ano passado, a Califórnia e o Havaí seguiram Nova York e se tornaram, respectivamente, o segundo e o terceiro Estados do país a aprovar uma legislação sobre empregados domésticos, a qual abrange cozinheiros, garçons, mordomos e algumas babás. Massachusetts pode em breve se tornar o quarto. Mas ainda há um longo caminho pela frente.

Nos tempos antigos, as pessoas costumavam preferir o trabalho doméstico a serviços perigosos ou sujos nas fábricas. Aqueles empregos industriais só se tornaram mais atraentes quando os trabalhadores se organizaram e conquistaram direitos e proteções.

Além de garantirem pagamento por horas extras, períodos de descanso, licença médica e outros direitos básicos, a expansão da rede de seguro social e uma reforma razoável da imigração avançariam bastante no caminho para melhorar as vidas dos empregados domésticos. Eles estão cada vez mais se tornando uma espinha dorsal da economia, e já deviam estar sendo tratados dessa maneira.

Lynn Parramore é editora senior da AlterNet. Ela é cofundadora da Recessionwire, editora fundadora da New Deal 2.0, e autora de “Reading the Sphinx: Ancient Egypt in Nineteenth-Century Literary Culture” (“Lendo a Esfinge: Egito Antigo na Cultura Literária do Século XIX”). Ela recebeu seu Ph.D. em Inglês e Teoria Cultural na Universidade de Nova York. Ela é a diretora do projeto da AlterNet “Novo Diálogo Econômico”. Seu Twitter é @LynnParramore.

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