Especialista da ONU defende renda mínima universal durante crise do coronavírus

Em entrevista à RFI, o especialista independente da ONU, Juan Pablo Bohoslavsky, defende, durante a crise econômica provocada pela epidemia de coronavírus, a implementação de uma renda mínima universal de emergência. O salário seria destinado à população mais vulnerável, em particular, aos numerosos trabalhadores do setor informal e independentes.

O argentino Juan Pablo Bohoslavsky é especializado em dívida externa e direitos humanos. O especialista da ONU foi entrevistado pela jornalista Lucile Gimberg, da redação de língua espanhola da RFI.

RFI: Quais são as medidas imediatas que os Estados devem adotar para enfrentar as dificuldades econômicas e sociais que já estão sendo sentidas devido às medidas de quarentena aplicadas para combater a propagação do coronavírus?

Até agora, muitos países implantaram pacotes de estímulo econômico para que a economia não ficasse completamente paralisada. Eles também propuseram uma série de políticas sociais tentando alcançar os grupos mais vulneráveis. As medidas que, sem dúvida, devem ser implementadas imediatamente são: a proibição total de interromper o fornecimento de serviços públicos, como água e eletricidade; a suspensão do pagamento de dívidas de pessoas que precisam dessa ajudar para enfrentar a crise de Covid-19; e também a proibição de despejos em massa daqueles que não podem pagar os aluguéis.

A magnitude da iminente crise econômica reativou o debate sobre a renda básica universal. Que benefícios esse mecanismo forneceria?

Estabelecer uma renda básica de emergência significa uma transferência direta de dinheiro, sem intervenção de grandes empresas ou bancos, em benefício de pessoas, especialmente de trabalhadores informais e independentes, que nem sequer podem se beneficiar de uma licença de trabalho remunerada, conforme estabelecido por algumas empresas ou Estados. Nesta situação de emergência, esse mecanismo seria mais eficaz do que nunca porque colocaria no bolso de todos uma renda mínima que lhes permitiria, pelo menos, sobreviver nessas circunstâncias. Não esqueçamos que uma grande parte da população economicamente ativa, realiza seu trabalho no mercado informal. Esses homens e mulheres não têm empregador e, se não saem para trabalhar, simplesmente não têm nada para alimentar a si mesmos ou a suas próprias famílias. Nessas circunstâncias, acho que essa é uma questão básica, não apenas na perspectiva dos direitos humanos, mas também da estabilidade social.

Essa nova recessão anunciada não seria uma oportunidade de lançar um ‘renascimento econômico’, desta vez sustentável, ao contrário do que ocorreu após a crise financeira de 2008?

Espero que sim. A crise de Covid-19 também deve ser uma ocasião para repensar os padrões e práticas de consumo e, portanto, também os padrões e práticas de produção econômica. É hora de começar a refletir sobre isso, sobre o que está por trás do surgimento ou do reaparecimento de surtos de doenças nos últimos dez ou quinze anos. Por exemplo, ressalto o avanço da produção agroindustrial nas florestas, na selva que gerou contatos sem precedentes com espécies animais e vegetais. Especialistas que trabalham em questões epidemiológicas identificam esse contato como uma das possíveis causas de algumas pandemias. Ao mesmo tempo, confinados em nossos lares, a paralisia da atividade econômica nos confronta com a questão de como se voltar para uma vida menos consumista e mais ecológica.

Você pede às instituições financeiras internacionais que apoiem os Estados na luta contra o novo coronavírus. Mas vimos, por exemplo, que o Fundo Monetario Internacional (FMI) negou o pedido de ajuda da Venezuela…

Este é um bom momento para instituições internacionais e regionais demonstrarem para que existem. Elas devem colocar seus recursos em movimento para ajudar todos os países que precisam de assistência financeira para enfrentar a crise do coronavírus. Eu expressei minha preocupação com a recusa do FMI ao pedido de ajuda financeira da Venezuela para fortalecer seus sistemas de detecção de coronavírus. Uma rejeição que foi baseada no fato de que não haveria clareza sobre o reconhecimento da legitimidade do governo venezuelano. Acredito que não é o momento de formular ou levantar discussões sobre essa questão do direito internacional, mas de concentrar os esforços, tanto dos governos quanto das instituições financeiras internacionais, para proteger a saúde e a vida da população de todos os países.

Fonte: RFi
Data original da publicação: 25/03/2020

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