Em Paris, domésticas pedem ratificação da Convenção que garante seus direitos

Na sexta-feira (16/06) foi comemorado o Dia internacional dos trabalhadores e trabalhadoras domésticas. A data é uma ocasião para associações e sindicatos franceses denunciarem os abusos que a categoria sofre. Em Paris, no sábado (17/06), houve  uma grande mobilização na esplanada do Trocadero para chamar a atenção das autoridades para a importância dos países ratificarem a Convenção que garante seus direitos.

“Este é um dia importante para reafirmar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras domésticos, que são bem numerosos no mundo, inclusive na França, onde temos um modelo social mais avançado do que em outros países”, diz Stéphane Fustec, da Federação CGT de Comércio e Serviços. Ele se entusiasma com a possibilidade de integrar a manifestação na esplanada do Trocadero, na capital francesa, ao lado de participantes de diversas partes do mundo.

O grande desafio dos que militam pelos direitos da classe é obter do maior número de países a ratificação da Convenção n° 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Considerada como um instrumento maior, o texto oferece, em sua recomendação 201, uma proteção específica, cujo objetivo é fazer que o trabalho decente se torne uma realidade para todos.

Desde que foi adotada, em 2011, a Convenção impõe aos Estados que tomem medidas para proteger os trabalhadores da violência e das discriminações. Mas hoje, seis anos depoi, apenas 17 países ratificaram o texto. O Brasil, que demora a concluir o processo de regulamentação da lei do serviço doméstico, não é signatário; a França, também não.

“É importante que haja união de forças para que a Convenção 189 da OIT seja ratificada, inclusive pela França, isso levaria a uma mudança obrigatória de regras que enquadrariam as ilegalidades das quais são vítimas os profissionais domésticos do mundo todo”, observa Stéphane Fustec, lamentando que a França não tenha ratificado o documento apesar de diversos pedidos.

Para Fustec, o motivo dessa não-ratificação pode ser um problema de gastos. “Na França existe um financiamento público consequente para tudo o que envolve a chamada “petite enfance”, ou seja, o cuidado com bebês e crianças até três anos, e vemos que este é o motivo do nosso país não ratificar a Convenção, é para não aumentar o financiamento público, e lutamos contra isso”, ele argumenta.

Escravidão moderna

Calcula-se que na França haja 1,5 milhão de assalariados domésticos, mulheres em sua maioria, dos quais 40% estão na periferia parisiense. Stéphane Fustec lembra que existe um grande número trabalhando sem contrato assinado. “Infelizmente não podemos contabilizar, sabemos também que há muitos que não têm documentos e trabalham em situações similares à escravidão. Geralmente, quando os empregadores não registram os funcionários é porque estabeleceram uma relação de submissão para manter as pessoas à sua disposição, sem nenhuma regulamentação”, observa Fustec, que se hoje encontrasse o presidente Emmanuel Macron, pediria a ele que ratificasse a Convenção.

Até hoje, ratificaram a convenção África do Sul, Alemanha, Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Filipinas, Finlândia, Guiana, Ilhas Maurício, Irlanda, Itália, Nicarágua, Paraguai, Suíça e Uruguai.

Desconhecimento de direitos resulta em exploração

Há muitas tarefas que caracterizam o trabalho doméstico: cozinhar, limpar a casa, cuidar de crianças e idosos, manter o jardim, ser motorista da família, fazer compras, vigiar a residência, entre outras.

Zita Cabais-Obra pertence ao sindicato CFDT que defende os direitos de categorias específicas: as assistentes maternas (babás altamente qualificadas, com formação e inscritas na prefeitura, que recebem as crianças em suas próprias casas), assalariados que prestam serviços a domicílio para cuidar de crianças, idosos, ou fazem faxina nas casas particulares; e, finalmente, os empregados domésticos terceirizados, que trabalham em residências mas são contratados por empresas.

“As mulheres são maioria nesse meio. E, além das francesas, é claro, grande parte delas é de imigrantes vindas principalmente da Ásia e África. Muitas são registradas, mas muitas não são”, diz Zita, lembrando a importância dessas profissões serem reconhecidas, pois “elas se ocupam dos filhos dos outros, mas não têm tempo de se ocupar dos próprios filhos”.

Em geral, na França, uma babá qualificada trabalha nove horas por dia, mas nem sempre essa faixa é respeitada e as horas extras não são pagas. “Importante também é enquadrar legalmente as babás que trabalham nas casas das famílias, pois as oito horas diárias sempre se transformam em dez ou mais. Como elas são estrangeiras, não conhecem a língua nem seus direitos, acabam sendo vítimas de abusos”, relata a sindicalista.

E sobre os abusos, a lista é grande: ausência de seguro social, ausência de tempo de repouso, má remuneração, horas extras não pagas, isolamento forçado, violências psicológicas, físicas e sexuais, além da chamada “escravidão moderna”.

Defender o direito das mulheres no trabalho

“Da invisibilidade à igualdade: defender os direitos da mulheres”. Esta é a missão de Mégane Ghorbani, encarregada de direitos da mulher na associação ActionAid na França. Identificando a necessidade de iniciativas no campo dos direitos das mulheres com empregos domésticos, ela realizou diversas ações internacionais na Ásia e na África sobre o assunto, e decidiu aproveitar o Dia internacional de 16 de junho para reunir, pela primeira vez, empregadas domésticas para um manifesto na esplanada de Trocadero, em frente à Torre Eiffel. A ideia é, mais uma vez, bater na mesma tecla e pedir aos poderes públicos franceses a ratificação da Convenção 189 da OIT.

“O problema principal na França é que nos faltam dados sobre essa categoria de trabalhadoras. Isso se explica porque o trabalho não se passa no quadro legal”, explica Mégane, ressaltando que há dados que comprovam que a maioria é de imigrantes.

América Latina e mundo

“Estima-se que haja 55 milhões de trabalhadores domésticos em todo o mundo e a maioria não está coberta pelas leis trabalhistas”, diz a OIT.

Na região da América Latina e Caribe, são quase 20 milhões, 7,6% do emprego total. “O trabalho doméstico tem grande relevância para a nossa região, por isso é importante tomar medidas para que tenham os mesmos direitos básicos dos demais trabalhadores”, diz a diretora regional da OIT, Elizabeth Tinoco. “A entrada em vigor da nova norma internacional constitui um feito sem precedentes, pois pela primeira vez se aborda de forma específica um setor em que predomina a informalidade”, acrescenta. Na América Latina, a informalidade atinge 78% dos trabalhadores e trabalhadoras domésticos.

Segundo um último estudo da OIT em 2016, o Brasil tem o maior número do mundo de empregados e empregadas domésticas. São 7,2 milhões de pessoas, sendo 84%, mulheres com proteção social insuficiente.

Fonte: Rádio França Internacional
Texto: Leticia Constant
Data original da publicação: 16/06/2017

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