Economistas veem sinais de desaceleração no mercado de trabalho

Nos últimos dois anos, níveis de desemprego historicamente baixos se tornaram a grande boa notícia da economia brasileira em meio a uma frustração com outros indicadores.

O crescimento do PIB vem desapontando desde 2011, e a inflação voltou a ser fonte de preocupação. Mas até pouco tempo, as oportunidades de trabalho estavam se multiplicando, e os salários dos brasileiros aumentavam cada vez mais.

Agora, porém, economistas alertam para indícios de uma possível desaceleração também nessa área.

Na semana passada, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério de Trabalho, registraram a criação de 41.463 novos postos de trabalho no mês de julho – o pior resultado desde 2003. A queda em relação ao mesmo mês de 2012 foi de cerca de 70%.

“As empresas já não estão contratando e disputando profissionais como nos últimos anos”, diz Marcelo Moura, professor de macroeconomia e finanças do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa). “Não devemos ver nenhuma explosão de desemprego nos próximos meses e anos, mas há sinais de que os trabalhadores terão de enfrentar um cenário de oferta menor de empregos e mais dificuldade para se trocar de empresa e negociar salários.”

Fernando de Holanda Barbosa, da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV, e Lauro Ramos, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), concordam que há sinais de problemas para o emprego e a renda – ainda que isso não signifique um retorno a níveis de desemprego de mais de 10% do início da década.

“O desemprego ainda vai oscilar e pode até voltar a cair daqui até o final do ano por uma questão de sazonalidade, mas no médio prazo tudo leva a crer que mudará gradualmente para um patamar um pouco mais alto”, acredita Ramos.

Estoques e confiança

O fechamento de vagas formais medido pelo Caged em julho foi o primeiro registrado desde 2003 nas nove regiões metropolitanas do país – foram eliminados 11.058 postos com carteira assinada em Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte, Belém, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo.

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgada na última terça-feira também indicou queda nas intenções de contratação da indústria de transformação até outubro – o que seria causado tanto por um maior acúmulo de estoques, quanto por uma redução no índice de confiança dos empresários, que chegou a seu menor nível em quatro anos.

“Não precisamos esperar uma deterioração rápida do mercado de trabalho brasileiro”, diz Barbosa, lembrando que os índices atuais ainda estão perto do que os economistas definem como “pleno emprego”.

“Mas também não dá para pensar que manteremos os níveis de crescimento da renda e ocupação dos últimos anos em meio a uma desaceleração.”

Estatísticas

No ano passado, a taxa de desemprego no Brasil atingiu 5,5% – menos da metade dos cerca de 12% registrados há uma década. Foi a taxa mais baixa da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que teve início em 2002.

A renda dos trabalhadores assalariados também subiu mais do que a inflação nos últimos dez anos, o que ajudou a expandir a massa de salários e o consumo das famílias.

Segundo Moura, dois fatores explicam a manutenção de índices de desemprego historicamente baixos em um cenário de desaceleração.

Primeiro, a falta de flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro. Como os custos de contratação e demissão são altos, os empresários teriam mais cautela ao fazer mudanças em seu quadro de funcionários.

Segundo, a carência de trabalhadores qualificados. De acordo com o professor do Insper, muitas empresas hesitariam em demitir calculando que teriam dificuldade para contratar determinados profissionais se tivessem de ampliar a produção em um futuro próximo, ou que teriam de dedicar mais tempo e recursos no treinamento de novos quadros.

Desde dezembro, porém, o índice de desemprego medido pelo IBGE subiu de 4,8% para 5,6%, em julho.

É verdade que a taxa havia atingido 6% em junho – e, portanto, caiu quatro pontos percentuais no último mês. Mas Ramos atribui tal queda a uma sazonalidade.

“Na realidade a surpresa foi que o índice se mantivesse alto em junho”, diz o especialista do Ipea. “E como o segundo semestre de 2012 foi um período relativamente bom, uma comparação com os dados do ano passado deve tornar mais visível essa deterioração do mercado de trabalho brasileiro em 2013.”

Os dados do IBGE também mostraram uma redução de 0,9% no poder de compra dos trabalhadores entre junho e julho. Foi a quinta contração consecutiva nesse índice registrada pelo instituto.

Consequências

Para os economistas, as consequências de uma possível mudança nos níveis de emprego e crescimento da renda dos trabalhadores brasileiros ainda não estão claras.

“O bom desempenho do mercado de trabalho – e em especial o crescimento da massa de salários – ajudou a puxar o PIB nos últimos anos, e o grande risco é que o consumo das famílias deixe de ser um dos motores da economia sem que tenhamos um outro candidato para assumir o posto”, acredita Ramos.

Há certo consenso de que uma eventual desaceleração do mercado de trabalho teria impactos políticos, embora haja divergências sobre a natureza desses impactos.

E se por um lado questões como o crescimento da inadimplência causam alguma preocupação, também há quem defenda que a economia brasileira não só pode conviver muito bem com um aumento moderado da taxa de desemprego, como tal aumento pode lhe trazer vantagens.

“Muita gente acredita que um ajuste em diversas áreas da economia era necessário e as demissões seriam uma expressão desse processo no mercado de trabalho”, diz Marcos Troyjo, do laboratório de estudos sobre os BRICS da Universidade de Columbia.

Para ele, antes de se preocupar com uma eventual desaceleração desse mercado é preciso entender o alvo dos ajustes.

“É possível que algumas demissões resultem do esforço das empresas para se tornarem mais eficientes – o que teria um efeito positivo para a economia no médio prazo”, diz ele, lembrando que no Brasil há muitos postos que já não existem em outros países, como frentistas, ascensoristas e despachantes.

“Já se os que começarem a ir para a rua forem trabalhadores qualificados, dentro de um processo de redução da produção, queda dos investimentos e deterioração das expectativas dos empresários, então o quadro será mais preocupante.”

Fonte: BBC Brasil
Texto: Ruth Costas
Data original da publicação: 28/08/2013

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