Economista detalha desmonte da indústria nos últimos 30 anos

Dissertação de mestrado desenvolvida pelo economista Leonel Oliveira Mattos trata de tema que suscita muita discussão e controvérsia, a denominada desindustrialização no Brasil e, particularmente, no Estado de São Paulo.

O estudo, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob orientação do professor Fernando Cezar de Macedo Mota, considera que essa desindustrialização se manifesta por meio da relativa e progressiva diminuição da participação da indústria na riqueza do país e na geração total de empregos, com a agravante da queda da participação nas exportações desde o fim da década de 1980.

O Brasil estaria revertendo o desenvolvimento industrial iniciado nos anos 1930, que continuou nos governos militares, e decorrentes da implantação de políticas de Estado com esse objetivo, interrompido depois de cinco décadas, após 1980, colocando em risco a capacidade de crescimento autônomo e sustentável da nação e aumentando o seu distanciamento tecnológico dos países recém-industrializados do Leste asiático, nos quais passou a se concentrar a produção industrial mundial nas últimas décadas.

Para o autor, a situação enfrentada pelo país nos últimos 30 anos decorre do caráter liberal e conservador da gestão macroeconômica brasileira, que muito pouco se alterou desde 1989, que passou a priorizar a remuneração do capital na esfera financeira; o desenvolvimento territorial urbano apoiado na construção civil; e as atividades envolvendo commodities agrícolas e minerais.

O pesquisador defende que a indústria de transformação possui elevado potencial para alavancar o desenvolvimento econômico e social de uma nação ao ampliar a capacidade de geração de excedentes econômicos e dilatar a divisão social do trabalho. O objetivo da dissertação é o de apresentar alguns aspectos relevantes para o debate sobre o processo de desindustrialização no Brasil e no seu principal parque industrial, o Estado de São Paulo.

Para tanto, explica Leonel, “inserimos o tema no contexto do cenário macroeconômico brasileiro, a partir de 1989, quando sob o pretexto do combate à inflação crônica, o país passa por profundas transformações sob a égide do neoliberalismo”. São mostrados então os impactos dessa política no crescimento da economia brasileira, particularmente sobre sua indústria de transformação, e apresentadas as evidências que permitiriam caracterizar um processo de desindustrialização, ou seja, de reversão na estrutura industrial até então existente, tais como perda de dinamismo econômico, queda na participação do PIB, diminuição do valor agregado, descompasso de produtividade em relação à indústria internacional e perda significativa do mercado nacional para competidores estrangeiros, que determinou o elevadíssimo aumento da importação de produtos industrializados. Por fim, ele relaciona o mau desempenho da indústria de transformação paulista ao processo de desconcentração da produção nacional em decorrência da denominada Guerra Fiscal, após 1989.

No decorrer do trabalho, em que se valeu principalmente do banco de dados do IBGE e do Ministério do Desenvolvimento do Comércio Exterior, dos censos e pesquisas da Confederação Nacional das Indústrias e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, o autor mostra que esse quadro não surgiu esporadicamente ou por um período curto de tempo, mas resultou de um projeto longo de gestão econômica que levou à definição de que tipos de capitais seriam mais bem remunerados.

Dessa escolha, em detrimento do capital industrial, resultaram incentivos para as áreas de produtos primários, agrícolas, pecuários, minerais, a especulativa remuneração do capital financeiro, imobiliário e da construção civil, que levaram, por exemplo, a grandes obras públicas, caso do programa Minha Casa Minha Vida, de estádios e dependências esportivas para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas.

Para Leonel, esse caminho penaliza a indústria e cada vez mais a inviabiliza e a torna menor, o que é preocupante do ponto de vista do dinamismo econômico e de quanto se pode vislumbrar de crescimento do país sem uma boa base industrial.  Mesmo porque, considera ele, “para o enfrentamento das suas desigualdades sociais com soluções mais permanentes e duradouras, o Brasil vai ter que passar por um crescimento econômico mais forte, caminho certamente de difícil pavimentação sem uma sólida industrialização”.

Contextualização

Ao longo do desenvolvimento do trabalho, o autor distingue as várias fases das políticas governamentais e econômicas vividas pelo país.A partir de 1930, com Getúlio Vargas, passou-se a ter uma agenda voltada ao desenvolvimento industrial, até então muito incipiente e localizado em alguns setores como alimentação, calçados e vestuários. A partir daí desenvolveram-se as primeiras estatais e indústrias que passaram a produzir insumos básicos como eletricidade, aço, petróleo, telefonia, minérios. Seguiu-se o Plano de Metas do governo JK, quando ocorre outro grande salto. A crise do início dos anos 60 contribuiu para o golpe dos militares que buscaram estimular o desenvolvido industrial principalmente com o Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Médici, cujos reflexos se estenderam até 1985. Observavam-se, principalmente antes de 1979, taxas de crescimento muito aceleradas na área econômica e ainda maiores na indústria, embora também crescessem, em graus menores, agricultura e serviços. Esse desenvolvimento atingiu o ápice em 1985, quando assume o governo Sarney, a partir do qual passou a sofrer queda acentuada.

A séria crise que acometeu vários países, inclusive o Brasil, nos anos 80, levou, a partir dos países centrais, a outro entendimento sobre as bases da política global, que deu origem ao conhecido Consenso de Washington, que abriu caminho para um modelo econômico liberal na América Latina. Antes se entendia a importância de um estado desenvolvimentista, focado no desenvolvimento industrial, mas a partir dos anos 90 fortaleceu-se no mundo a ideia do liberalismo econômico. Segundo essa doutrina, as causas da crise intensa estavam nos anos de intervenção estatal que teriam gerado ineficiência e problemas produtivos na economia, que seria resgatada com a redução da interferência do Estado. Essas diretrizes, implantadas no governo Sarney, mostraram-se mais evidentes no governo Collor, com as primeiras privatizações das antigas estatais, e atingiram o ápice durante o Plano Real e nos governos FHC, que mantêm a trajetória de privatizações e desregulamentações da economia, o que não foi essencialmente alterado nos governos do PT, a menos de pequenas diferenças.

Essa tendência se consolidou na América Latina, que passou a ampliar investimentos na agroindústria enquanto o capital e o desenvolvimento industrial se deslocavam para países do leste asiático, caso da China, que passaram a oferecer para os países centrais, sedes do capital e da produção industrial, a possibilidade de produção a custos menores, com ganhos maiores, com produtos comercializados no mundo todo. Esse quadro gerou um rearranjo da economia mundial, pois gerou em grande parte dos países menor participação industrial no PIB nacional, redução do volume de empregos e desequilíbrios na balança comercial.

Em decorrência estimularam-se determinadas atividades como as do mercado financeiro que se avolumou gerando grandes lucros dos bancos. No Brasil, em que se praticavam as maiores taxas de juros do mundo, inviabilizava-se a captação de capitais para projetos industriais e os capitães de indústrias sentiam-se desestimulados a investir diante dos maiores lucros obtidos no mercado financeiro. Além do que, juros altos e a facilidade de mobilização de capitais atraíam muitos dólares apreciando o câmbio e facilitando as importações, fragilizando a indústria nacional, principalmente as de maior intensidade tecnológica e de valores agregados maiores, nas quais inovações são mais prementes.

Com a manutenção do câmbio baixo procurava-se combater a inflação, pois a importação de produtos industriais muito baratos balizavam os preços a serem praticados pelos produtores nacionais, que acabavam perdendo a competitividade e, para se manterem, passaram a agregar menor valor aos seus produtos para conseguir competir com os importados, levando-os à redução da capacidade de investimentos.

Como resultado, em relação aos produtos industrializados, a balança comercial brasileira entrou no vermelho, durante o governo Lula, principalmente em decorrência da importação de produtos eletrônicos, óticos, de telecomunicações, condutores, processadores, e de produtos de alta tecnologia em geral, embora a balança comercial como um todo mantivesse um superávit em decorrência da exportação de produtos primários. Em 2014, mais da metade dos produtos de exportação do Brasil eram básicos, sem quaisquer tipos de manufatura ou beneficiamento industrial.

Como esperado, a desintegração da indústria nacional foi mais sentida no Estado de São Paulo, em que se concentrou sempre a maior parcela da produção industrial do país, situação agravada pelas facilidades fiscais oferecidas por Estados e municípios para atrair indústrias e importações.

Globalização

Todo esse processo se insere em uma nova ordem global em que outros países como o Brasil estão inseridos, estimulados por movimentos oriundos de países centrais e formas de pensamento neles geradas, que cada vez mais se distanciam da ideia de um projeto nacional, de uma indústria autônoma e independente do resto do mundo. Ganha importância o conceito de economias conectadas e atividades produtivas cada vez mais interligadas, o que leva à modificação da divisão internacional do trabalho e à especialização de cada área em determinado tipo de reprodução do capital.

No Brasil e na América Latina, com o capital financeiro, agrícola, mineral ganhando muita importância, ocorreu enfraquecimento do capital industrial, atraído e deslocado para o Leste asiático.  A propósito, Leonel estabelece um paralelo interessante: “A China utiliza hoje, guardadas as devidas proporções, as mesmas estratégias adotadas pelo Brasil nos anos 30 e 40, que é a de se preocupar em desenvolver sua economia através de uma forte industrialização. A diferença é que o Brasil, à sua época, estava preocupado com abastecimento do mercado interno, enquanto a China concentra-se na exportação de produtos industrializados”.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos, com Jornal da Unicamp
Texto: Carmo Gallo Netto
Data original da publicação: 15/08/2016

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