É hora de acabar com a acomodação sindical, diz sociólogo Ricardo Antunes

Fotografia: Charles Soveral/DMT

por Charles Soveral

Ao se manter atrelado às verbas oficiais e mesmo ao estabelecer uma estreita relação com o poder, o sindicalismo brasileiro atual reproduz uma acomodação política que repercute na perda de espaço, de liberdade e de direitos para os trabalhadores, segundo o sociólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ricardo Antunes. Ainda, ele diz que, ao completar 70 anos de existência, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pode ser vista como um marco de direitos para o trabalhador, mas, dada a sua natureza, limitou avanços sociais e manteve o sindicalismo brasileiro no modelo idealizado pelo presidente Getúlio Vargas no auge de seu período ditatorial na década dos anos 40 do século passado.

O sociólogo também destaca que, em meio às legítimas representações de trabalhadores, existem alguns sindicatos pelegos criados para receber verbas oficiais, sem prestar contas e sem representação, que funcionam como empresas que fazem do sindicalismo um negócio. “Estas organizações deveriam ser combatidas pelos verdadeiros sindicatos”, observa ele.

O professor da Unicamp lembra que o Novo Sindicalismo dos anos 80, que originou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e mobilizou os trabalhadores brasileiros em quatro grandes greves gerais e que foi símbolo brasileiro de resistência ao neoliberalismo, foi se adaptando e se ajustando a ponto de perder parte de sua principal identidade. “O Novo Sindicalismo passou a copiar o velho sindicalismo que ele tanto criticava. Ele entrou na estrutura sindical envelhecida dizendo que ia implodi-la e a fortaleceu; ele entrou dizendo que ia acabar com a unicidade (uma entidade sindical por categoria para uma mesma base territorial) e grande parcela dele ainda a defende”.

O professor Antunes diz que ele não é contra a existência de um único sindicato para representar cada categoria, mas esta formação deve vir da base, da força real de cada categoria e não tendo por base uma imposição estatal. “Eu sou a favor da unidade sindical. Eu gostaria de ver um sindicato único por categoria. Há duas maneiras de fazer isto: uma é por força de uma decisão dos trabalhadores que autonomamente se unem e fazem uma organização livremente. A outra é imposição estatal. Neste último caso não há liberdade. Há esta tal unicidade. Um bom exemplo de unidade está aqui ao lado, no Uruguai, onde há plena liberdade de organização e, ao mesmo tempo, unidade com estrutura única nacionalmente falando. O trabalhador, na sua gene, tem a unidade como característica. Na defesa de seus interesses, o trabalhador busca a força unido. Infelizmente, o Novo Sindicalismo está aprisionado por algo que ele nasceu com vontade de demolir”.

Ricardo Antunes entende que a longevidade da estrutura sindical, como a existente no Brasil, se dá exatamente pelo jogo de interesses, que nem sempre são os interesses dos trabalhadores que deveriam estar sendo representados. “Esta estrutura nasceu na era Vargas, viveu o período de democratização dos anos 50 e 60, sobreviveu à ditadura, veio a Constituição de 1988 e ela foi parcialmente alterada, tendo perdido alguns pilares importantes, mas nós temos ainda em nossos sindicatos uma cultura política prisioneira do Estado. Isto explica, por exemplo, como o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva levou tantas lideranças sindicais para o seu governo”.

A maior parte das centrais sindicais e dos sindicatos, garante o professor da Unicamp, à exceção da CSP-Conlutas, que não recebe imposto sindical, faz festa no dia que recebe o imposto sindical. Ele lembra que a Intersindical, que tem muita tradição no sindicalismo de lutas do Brasil, faz um importante movimento de independência. “Em muitos de seus sindicatos, que recebem o imposto sindical, porque o imposto é forçosamente recolhido, é devolvido para os trabalhadores. Eles não aceitam”.

Sobre o atual momento dos trabalhadores, Ricardo Antunes pede que se preste muita atenção na crise de trabalho e emprego que atinge muitos países. “O epicentro da atual crise está na Europa com prolongamentos nos Estados Unidos e no Japão. Nos países do capitalismo avançado. É lá que a corrosão e o desmonte de direitos está devastando a classe trabalhadora. Em Portugal, por exemplo, já acontece há algum tempo cortes no salário. Redução de salário. Quem não aceitar perde o emprego. Itália, Espanha, Grécia e até mesmo na Alemanha, tido como o país mais forte desta região, está ocorrendo aperto e perda de direitos”.

Embora a crise tenha sua força nestes países, Antunes acredita que em decorrência da economia globalizada haverá efeitos nefastos aqui também. “O furacão está lá no norte, mas nós não estamos imunes. Se a economia chinesa, por exemplo, encolher, compra menos minérios e aí sobra para nós que vamos ter menos trabalho no setor. E assim vai”, observa.

A crise anterior que atingiu o governo Lula, na opinião do sociólogo, afetou pouco porque o Brasil soube tomar providências importantes, como a redução da tributação do capital no mercado interno com medidas como a desoneração de impostos em alguns setores-chave (automotivo, construção civil e linha branca de eletrodomésticos). “No entanto, o grande momento da economia brasileira está passando. Já não se tem o mesmo fôlego. O quadro começou a mudar em 2010 e não é mais aquele cenário tão positivo. A classe trabalhadora está endividada e o mercado interno saturado. Não adianta mais reduzir imposto para aumentar as vendas que não vai funcionar e pior ainda vai tirar recurso da área social como Educação e Saúde. No último trimestre tivemos uma queda acentuada na geração de novos empregos e isto mostra que o projeto brasileiro está chegando no seu limite. É preciso achar novas saídas”, adverte Ricardo Antunes.

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