Distantes camaradas

Imprensa anarquista noticiou a Revolução Mexicana como um exemplo a ser seguido pelos operários brasileiros.

Fábio da Silva Sousa

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional
Data original da publicação: 01/08/2015

Foi com armas em punho que camponeses sem terra deram fim a uma das mais longas ditaduras da América Latina. Quando a Revolução Mexicana derrubou o Porfiriato, em 1910, a notícia cruzou fronteiras e se espalhou por vários países. Também alcançou o Brasil. Operários anarquistas acompanharam com interesse e apoiaram a inesperada e violenta reação dos mexicanos. Para aqueles brasileiros, que acreditavam na revolução como o caminho ideal para a igualdade social, o México era um exemplo a ser seguido.

O general Porfirio Díaz comandava o destino nacional mexicano com mão de ferro desde 1876. Enquanto modernizava o país, sufocava os direitos sociais dos trabalhadores do campo e das fábricas. Com o descontentamento de operários, camponeses e jovens intelectuais, as críticas ao longo governo de Díaz não paravam de aumentar. Em março de 1908, o presidente concedeu uma entrevista para a revista norte-americana Pearson’s Magazine afirmando que não disputaria as eleições de 1910, que poderiam levá-lo ao sétimo mandato consecutivo. Empolgado com esta declaração, Francisco Madero, um grande empresário e proprietário de terras da região Norte do México, anunciou sua candidatura à Presidência. Mas o general acabou mudando de ideia: com o argumento de que não havia nomes à altura para governar o país, lançou-se novamente candidato e ainda mandou prender Francisco Madero, acusando-o de conspiração contra a nação mexicana.

Foi nesse cenário tumultuado que Díaz venceu as eleições, claramente fraudulentas. Madero conseguiu fugir, atravessou a fronteira e chegou ao Texas, nos Estados Unidos. De lá, em outubro de 1910, lançou o Plano de San Luis Potosí, um chamado para que o povo mexicano iniciasse a revolução. “Cidadãos: não vacileis, pois, um momento: tomai as armas, arrojai do poder os usurpadores, recobrai os vossos direitos de homens livres e recordai que os nossos antepassados legaram-nos uma herança de glória que não podemos desonrar”, ele conclamava.

Mas Madero não era o único opositor à ditadura. Porfirio Díaz já enfrentava a resistência do Partido Liberal Mexicano (PLM), defensor dos operários e camponeses, e as críticas constantes do jornal Regeneración, comandado pelo intelectual anarquista Ricardo Flores Magón. No período da revolução, o Regeneración era publicado na Califórnia, próximo à fronteira. Enganando as autoridades, os editores mandavam exemplares do jornal via correio marítimo para países da Europa e da América Latina. Foi assim que os operários do Brasil ficaram sabendo do que ocorria e se empolgaram com a Revolução Mexicana.

Ao chegar aos portos de São Paulo e do Rio de Janeiro, o Regeneración rapidamente passou a circular entre operários anarquistas que defendiam uma revolução no Brasil. Eles ficaram ansiosos para entender os principais objetivos e as causas da revolta que tomava o território mexicano. Afinal, queriam acabar com a desigualdade social e não estavam satisfeitos com suas condições de trabalho. Sofriam com salários baixos, com uma inflação que não parava de crescer e com uma pesada jornada nas fábricas, de até 17 horas diárias. Manifestavam-se por meio de propagandas e greves, reivindicando uma jornada de oito horas e outros direitos trabalhistas. Para esses trabalhadores das fábricas brasileiras, o jornal de Ricardo Magón foi uma fonte de leitura perfeita.

Escritos em espanhol e traduzidos para o português, os textos do Regeneración foram impressos em oito jornais de orientação anarquista de 1911 a 1918: La Battaglia (este, em italiano), A Lanterna, A Vanguarda e Germinal, publicados em São Paulo, e A Guerra Social, A Voz do Trabalhador, Na Barricada e O Cosmopolita, publicados no Rio de Janeiro. Nas primeiras décadas do século XX, era nessas duas cidades que o movimento operário estava mais organizado. São Paulo era a cidade mais industrializada do país, e o Rio de Janeiro, a capital federal. Além disso, havia em ambas uma grande concentração de atividades portuárias. No caso de São Paulo, esta atividade estava concentrada na cidade de Santos, na qual o movimento anarquista era forte e a publicação de jornais libertários também era intensa. O Regeneración chegava em pequena quantidade aos navios que transportavam diversas correspondências.

Nas páginas desses periódicos, em matérias quase sempre anônimas, havia também textos de operários brasileiros sobre a Revolução Mexicana. Em sua primeira manifestação sobre o tema, publicada no dia 29 de junho de 1911, o jornal A Guerra Social registra: “O povo do México está neste momento em franca rebelião contra os seus opressores e, tomando parte na geral insurreição, se encontram defensores das ideias modernas”. “Ideias modernas”, naquele contexto, eram o anarquismo e suas concepções libertárias. Na segunda página do jornal, já o título anunciava, triunfal: “Em marcha para a Anarquia”.

A Revolução Mexicana não foi uma revolução anarquista. Apesar do caráter social, comandada pelas tropas sulistas de Emiliano Zapata, a concepção de uma revolução libertária não foi uma das bandeiras empunhadas pelos combatentes revolucionários. Contudo, dois motivos explicam as razões que levaram os militantes anarquistas a acreditar que o México estava em marcha para a anarquia. Em primeiro lugar, foi a primeira revolução que esses militantes acompanharam. A Revolução Russa (1917) ainda não havia acontecido e o único evento de referência para esses militantes era a Comuna de Paris, de 1871. Ou seja, eles ficaram empolgados com as notícias que vinham do México, e o Regeneración, que os anarquistas brasileiros julgavam como a única fonte confiável de informações, defendia que a Revolução Mexicana era uma revolução anarquista.

Cobertura semelhante ocorria nos outros jornais anarquistas. Em 4 de junho de 1911, o La Battaglia informa: “Os Revolucionários do México. Para os trabalhadores de todo o mundo. Companheiros: vai para quatro meses que a bandeira vermelha do proletariado flameja nos campos de batalha do México, sustentada por operários emancipados, cujas aspirações se compendiam neste sublime grito de guerra: Terra e Liberdade”. O jornal A Lanterna foi mais longe: além de abrir espaço em suas páginas para a Revolução Mexicana, ainda realizou uma arrecadação financeira para os insurgentes daquele país. Em diversos artigos, os jornais anarquistas defendiam que os trabalhadores brasileiros deveriam se inspirar nos mexicanos e fazer sua própria revolução. “O proletário do Brasil deve seguir o exemplo do proletário do México. Devemos apoiá-los nessa batalha decisiva. Preparemo-nos, trabalhadores! É chegada a hora de libertação!”, publicou A Voz do Trabalhador, em 15 de março de 1913.

Apesar desses incentivos, os jornais da imprensa operária não explicavam como a revolução no Brasil deveria ser realizada. O entusiasmo limitava-se ao “devemos seguir”, sem chegar ao “como devemos seguir”. O México era um país praticamente desconhecido para os trabalhadores do Brasil. Eles tinham mais informações sobre a Europa, pois muitos imigrantes que fizeram parte da criação da mão de obra do operariado nacional vinham de lá. Por causa desse desconhecimento do México, os operários julgavam mais confiáveis as informações do Regeneración. Mas havia um problema: os exemplares camuflados desse jornal chegavam com dois meses de atraso ao Brasil. Muitas das informações e dos acontecimentos noticiados já estavam desatualizados quando aqui surgiam.

Com o passar dos anos, principalmente entre 1913 e 1914, as notícias sobre a Revolução Mexicana foram sumindo da imprensa operária. Enquanto no México o Partido Liberal Mexicano passava por uma crise financeira e a distribuição internacional do Regeneración era interrompida, no Brasil alguns periódicos deixavam de ser publicados por causa da repressão policial ou por escassez de recursos. De 1915 até 1918, foram publicadas pouquíssimas matérias sobre a Revolução Mexicana, e sem tanto entusiasmo. Àquela altura, já estava em marcha outro acontecimento que atraía o interesse e os sonhos de transformação social não só dos operários brasileiros, mas de todo o mundo: a Revolução Russa.

Fábio da Silva Sousa é autor de Operários e Camponeses: a repercussão da Revolução Mexicana na Imprensa Operária Brasileira (1911-1918), (Paco Editorial, 2012).

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