Desigualdades no mundo do trabalho europeu

Os representantes dos governos, os trabalhadores e os empregadores estão prontos para enfrentar as mudanças nas modalidades de emprego?

Eduardo Camin

Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 02/05/2018

Nos últimos tempos, o debate internacional, em grande parte, tem se dedicado ao aumento das desigualdades e seus efeitos negativos sobre a economia e as sociedades. Recentemente foi publicado um novo informe da OIT (Organização Internacional do Trabalho), organizado por Daniel Vaughan-Whitehead, principal economista do órgão, que “aborda as causas profundas das desigualdades, ao analisar as diversas políticas do mercado de trabalho e dos sistemas de relações de trabalho”.

É verdade que este tema não é novo, mas o interessante é o ângulo com o qual se analisa esta investigação, já que a maior parte das investigações recentes analisam a desigualdade de remuneração. Por outro lado, a publicação considera também outras formas de desigualdade, como as relacionadas com a distribuição do tempo de trabalho, o acesso à formação, às oportunidades profissionais e à cobertura de proteção social, assim como o acesso ao emprego ou à reinserção no trabalho. Além disso, identifica as desigualdades entre homens e mulheres, segundo os grupos de idade, em matéria de renda e condições de trabalho. Compreende também investigações sobre os trabalhadores de jornada parcial, os trabalhadores temporários, os trabalhadores por conta própria. Seu objetivo é determinar as causas profundas das desigualdades no mundo do trabalho. Isso se esclarecemos que a mesma está baseada sobre as nações europeias.

O informe destaca algumas cifras concretas sobre o aumento das desigualdades, no ano 2000, no conjunto dos países da União Europeia, 10% dos lares mais ricos teve uma renda 7,9 vezes superior ao 10% no nível inferior da escala. Dezesseis anos mais tarde, esta proporção chegou a 9,7%, um aumento de 23% de desigualdade de renda. Estas médias escondem grandes diferenças entre os 28 países: na Suécia – onde a desigualdade de renda era mais baixa – os 10% mais rico ganhavam 5,7% a mais que os 10% mais pobres, enquanto na Espanha e na Romênia a proporção era respectivamente de 15% e 20,7%. As transferências sociais dirigidas a reduzir a pobreza diminuíram de 38% em 2005 a 33,6% em 2016. É óbvio que naqueles países onde ainda aflora um pouco de cultura democrática, as relações de trabalho entre patrões e sindicatos ajudam a desacelerar o crescimento do setor de baixos salários. Na Suécia, na Dinamarca e na Finlândia, o papel ativo das relações de trabalho contribui a impulsar as políticas dirigidas a melhorar os equilíbrios, o que faz com que os níveis de emprego mal remunerado sejam os mais baixos dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O fortalecimento da negociação coletiva permitiu à Bélgica obter um dos três melhores resultados em termos de igualdade salarial. Em 2015, Alemanha introduziu um salário mínimo nacional associado ao incentivo à negociação coletiva, o que permitiu reverter o crescimento do número de trabalhadores mal remunerados, observado na década anterior.

O Informe destaca o rol do salário mínimo e de que maneira afeta a desigualdade. Os estudos por país mostram que o salário mínimo contribui a reduzir as desigualdades, mas só se está acompanhado da negociação coletiva.

No Reino Unido, o salário mínimo tem ajudado a limitar o aumento dos empregos mal remunerados, mas devido à falta de negociação coletiva não foi possível trazer também um aumento nos níveis salariais. No setor privado, há espaço apenas para negociar novos níveis de remuneração em âmbito setorial, e ainda assim são muito limitados, pois só 16% dos trabalhadores estão protegidos por convênios coletivos. Esta situação deu origem a diversos tipos de contratos, com diferentes níveis de remuneração e condições de trabalho que agravam as desigualdades. Na Irlanda, pelo contrário, o salário mínimo tem contribuído com a redução das desigualdades, porque foi complementado por um diálogo social eficaz entre trabalhadores e empregadores a respeito dos contratos de trabalho e as condições salariais.

A negociação coletiva também desempenha um papel central para garantir resultados mais equitativos para as mulheres e os jovens.

A negociação coletiva, devido a que estimula os salários no nível mais baixo da escala salarial, em geral beneficia as categorias de trabalhadores como as mulheres, os jovens e os migrantes, que são a grande maioria dos mal remunerados. Entretanto, esses grupos frequentemente são sub representados na negociação coletiva. Por exemplo, os programas para estudantes – como os que foram introduzidos nos Países Baixos – se caracterizam por níveis salariais muito baixos, com um mínimo de horas de trabalho e excluídos da cobertura da negociação coletiva. A piora considerável da qualidade dos empregos como consequência da crise econômica também afeta países como Itália, Espanha, Portugal, entre muitos outros.

A negociação coletiva contribui também a redistribuir as horas de trabalho de maneira mais equitativa, por exemplo, num contexto onde as horas de trabalho insuficientes para os trabalhadores a tempo parcial também pode agravar as desigualdades, como mostra o exemplo dos Países Baixos. O informe apresenta os convênios coletivos setoriais em países como França, Finlândia, Irlanda e Espanha, que estabeleceram um número mínimo de horas para os trabalhadores de meia jornada. O trabalho a tempo parcial involuntário, que constitui uma fonte importante de desigualdade de renda, está crescendo na maioria dos países da União Europeia. Na Espanha, por exemplo, 60% do trabalho de meia jornada é involuntário.

Em diversos países, incluindo Eslovênia e Alemanha, alguns convênios melhoraram as condições de trabalho dos trabalhadores cedidos pelas agências de trabalho temporário. Um número de convênios coletivos a nível regional – na Catalunha por exemplo – também ajudaram os trabalhadores temporários a encontrar um emprego permanente, e favoreceu a flexibilidade dos horários de trabalho.

Caberia a pergunta: os representantes dos governos, os trabalhadores e os empregadores estão prontos para enfrentar as mudanças nas modalidades de emprego?

O fortalecimento das capacidades das organizações de empregadores e de trabalhadores os ajudará a enfrentar os novos tipos de trabalho. O aumento da terceirização, por exemplo, através da organização complexa dos serviços e da produção, pode ser uma fonte de desigualdades, sobretudo para os trabalhadores nos níveis mais baixos da escala. O informe extraído do livro de Daniel Vaughan-Whitehead, apresenta convênios coletivos inovadores que permitiram melhorar os salários e as condições de trabalho das empresas que oferecem mão de obra terceirizada, e empregos com condições de trabalho que, com frequência, são de baixa qualidade.

Outros convênios colocam em evidência o papel dos interlocutores sociais no fortalecimento das competências. Dinamarca, Alemanha, Suécia, França e Luxemburgo são alguns dos países que ajudam os empregadores a se prepararem para as transformações no mundo do trabalho.

O informe demonstra que, apesar da crise, as relações de trabalho são sólidas em numerosos países e desempenham um papel essencial na redução das desigualdades. A negociação coletiva, por exemplo, contribui a tornar realidade demanda por igualdade de remuneração por um trabalho de igual valor, como se pode constatar na Dinamarca, na França, na Eslovênia e na Suécia, onde a redução da brecha salarial de gênero é um objetivo de diversos convênios coletivos.

Por último, o informe ressalta o papel do Estado – um ator importante nas relações de trabalho – já que pode promover o diálogo social frutífero entre trabalhadores e empregadores, e contribuir para preservar e estimular as relações profissionais. É evidente que os sindicatos, os empregadores e os governos devem tomar medidas concertadas e criativas para que os mercados de trabalho sejam mais inclusivos e equitativos, ao estender os direitos do trabalho e a proteção social a todos os trabalhadores.

Num mundo do trabalho em rápida transformação, a inovação é uma tarefa urgente para estabelecer um diálogo social mais inclusivo, eficaz e decente.

Eduardo Camin é jornalista, ex-diretor do semanário Siete Sobre Siete, membro da Associação de Correspondentes de Imprensa da ONU, redator-chefe internacional do Hebdo Latino e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

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