Desalento: dos trabalhadores e dos empresários

Clemente Ganz Lúcio

Data original da publicação: 26/05/2019

Passados 140 dias do novo governo, nenhuma palavra sobre a grave situação do desemprego e, muito menos, sobre iniciativas para enfrentar o problema. Considerando que membros da equipe governamental acreditam que a terra é plana, que não há mudança climática ou qualquer outro problema ambiental, que violência se enfrenta com armas e balas, talvez também o desemprego seja um contratempo cuja solução seja esperar junto ao pé de uma goiabeira.

A bem da verdade, na área econômica, havia uma bala de prata. Desde a eleição, a reforma da previdência vinha sendo colocada como a chave capaz de abrir a porta para a dinâmica econômica, ressuscitando a capacidade fiscal do Estado para conduzir o país rumo ao crescimento. Os dias passaram e a fé econômica está mudando, pois, a reforma ainda é alardeada como fundamental, mas já não é mais suficiente. Será necessário agora também desonerar o setor produtivo, privatizar e fazer concessões ao setor privado, vender ativos naturais etc. A agenda completa para o país finalmente apareceu!

É bom lembrar que, em 2016/2017, também houve uma avalanche midiática que divulgou e incutiu na opinião pública a certeza do poder transformador da reforma trabalhista para promover o crescimento do emprego. Os soluços estatísticos dos míseros postos de trabalho gerados declaram que a realidade não corresponde aos dogmas. O que acontece com a vida prática que insiste em não corresponder às “verdades emanadas” pelo mercado?

No mundo real, onde mulheres e homens precisam de emprego e de salário para viver, o desemprego aumenta. Quando surgem, as ocupações são informais, precárias e com baixos salários. Aumentam o número dos desalentados, pessoas que, mesmo precisando muito do emprego, desistem da procura porque não encontram oportunidades e não têm recursos financeiros para gastar com a busca. O desalento é o sintoma de uma gravíssima anemia econômica.

Quando há vagas, diante das escassas oportunidades, as filam somam milhares de madrugadores dispostos a horas de espera para uma resposta negativa. Isso quando não vem o conselho: “vai cuidar da sua empregabilidade, senão você não vai achar um posto de trabalho!”. O desempregado, muitas vezes, sai achando que o problema é com ele! Quem está à procura de trabalho, acumulando tempo de fila, vê com clareza que o problema é outro. Já são mais de 5 milhões de desempregados que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), procuram emprego há mais de 1 ano.

Para os que vinham acreditando que o emprego cresceria, apesar de todas as dificuldades, nova desilusão. Isso porque o chamado mercado (os agentes econômicos, donos do dinheiro e do parque produtivo, e seus economistas) já jogou a toalha. A esperança era de um crescimento do PIB entre 2% e 3% em 2019. Entretanto, desde o início do ano, já foram feitas 12 revisões consecutivas, reduzindo expectativas. Só da semana passada para esta, os profetas do mercado derrubaram de 1,45% para 1,24% a expectativa de crescimento da economia para 2019. E o cenário indica que esse novo número também está contaminado pela esperança!

É provável que o IBGE divulgue na próxima semana que o resultado do PIB foi negativo no primeiro trimestre do ano. Há risco de a economia resvalar para uma recessão branda. O país está na antessala de uma depressão econômica. Nesse contexto, emprego é lenda!

Os motivos para o otimismo poderão vir das ruas e, nesse caso, a esperança poderá ser uma espera ativa, animada por uma utopia que o país deve reaprender a formular e compartilhar.

Clemente Ganz Lúcio é  sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do Grupo Reindustrialização.

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