Da vida doméstica ao trabalho formal: uma análise do processo de inserção de donas de casa no mercado de trabalho

Hosana Suelen Justino Rodrigues
Jesus Izquierdo

Fonte: Revista Ártemis, João Pessoa, v. 18, n. 1, p. 228-238, jul./dez. 2014.

Resumo: Amparados pelos resultados do processo de pesquisa empírica em Ciências Sociais, analisaremos as possíveis mudanças na vida de um grupo de mulheres após a sua entrada no mercado de trabalho. Discutiremos a temática a partir das imbricações entre gênero, trabalho e dominação masculina. Constatamos que existe uma estreita relação entre o trabalho remunerado e a independência feminina, a qual contribui para que a mulher se posicione frente às formas de dominação masculina em seu núcleo familiar. Destacamos a entrada da mulher no mercado de trabalho, como ponto de partida de um processo social que conduz a uma reorganização das estruturas de poder, dominação e resistência tanto masculinas, quanto femininas. As mulheres que se mantêm no mercado de trabalho se percebem e passam a ser vistas pelos outros com olhares mais valorativos.

Sumário: Falando sobre gênero | Modos de vida das mulheres: uma questão de gênero? | Virando o jogo: a história de dona Antônia | Considerações finais | Referências

Trazendo à tona a discussão complexa que envolve o questionamento da existência do pensamento patriarcal tanto em homens quanto em mulheres, descrevemos a seguir, de forma bastante sucinta, alguns resultados alcançados em uma pesquisa empírica realizada para fins de dissertação de mestrado. Nessa pesquisa, questionamos o que ocorre no mundo de mulheres, que foram donas de casa, após sua entrada no mercado de trabalho. Em certa ocasião uma senhora comentou:

Comecei a trabalhar desde sempre. Trabalhava em casa para ajudar a minha mãe, porque o dinheiro não dava para pagar empregada. E aos quinze anos, comecei a trabalhar para os outros, para ter o meu dinheiro. Cresci ouvindo minha mãe se queixar de como era ruim pedir dinheiro a qualquer homem, seja ele pai ou marido. Para mim, a mulher tem que ter sim o seu dinheiro! Para se enfeitar e ajudar o marido nas coisas que ele acha que não precisa. (…) O trabalho me deu liberdade. Fui juntando, crescendo, investindo. E olha onde eu estou agora! Com curso superior, concurso, poupança e um marido. (Entrevista com Dona Socorro, professora, 30 anos)

Histórias de vida como a de dona Socorro são cada vez mais comuns na sociedade contemporânea. Sabemos que a inserção da mulher no mercado de trabalho é cada vez mais significativa. Na atualidade, é recorrente a participação da mulher na disputa por vagas de emprego nas mais diversas áreas de ocupação remunerada. Contudo, se o olharmos para o passado poderemos perceber que esse fato é recente. A fala de D. Socorro é emblemática desse processo de inserção da mulher no mercado de trabalho. Ela reflete traços do universo de grande parte de mulheres que, no Brasil, desde a década de 1930, está sofrendo profundas mudanças, em razão da luta empreendida por mulheres que aspiram ingressar e permanecer no mercado de trabalho, de mulheres que percebem no exercício de alguma atividade profissional uma oportunidade para alcançar autonomia financeira, reconhecimento social e realização pessoal.

Entendemos que para captar as possíveis transformações que ocorrem no mundo das mulheres após sua inserção no mercado de trabalho é pertinente, além da categoria gênero, levar em conta outras categorias analíticas, como as de classe social e raça. Em certa medida, não é surpreendente que mulheres que nasceram em famílias financeiramente abastadas ocupem posições sociais de destaque. Sabemos que as oportunidades de acesso ao estudo e ao trabalho estão relacionadas com a classe social e a condição étnica em que cada mulher nasce. Para analisar a complexa relação mercado de trabalho/ mundo das mulheres, optamos por um viés específico: apreender o que ocorre com mulheres casadas, moradoras de um bairro de periferia da cidade de Campina Grande, após a entrada no mercado de trabalho formal. Para executar nossa pesquisa, optamos por uma metodologia de ordem qualitativa que nos permitisse analisar em profundidade os casos selecionados. Os casos foram tomados de um grupo de mulheres que partilham, entre outros, os seguintes aspectos: possuem escassos recursos financeiros, por diversas circunstâncias ingressaram no mercado de trabalho formal; dividem seu tempo e suas energias físicas com o trabalho e a execução de atividades domésticas, em razão de sua condição de esposas e/ou de mães; e estão inseridas em redes sociais nas quais se entrecruzam vínculos de família, Estado, religião, lazer, relações conjugais ou de amizade. Para abordar o universo dessas mulheres, aplicamos entrevistas semiestruturadas buscando identificar as mudanças em suas vidas a partir de sua inserção no mercado de trabalho. Entre outros, procuramos responder aos seguintes questionamentos: quais foram as mudanças na rotina dessas mulheres em relação à vida doméstica? Que estratégias utilizaram para lidar com as demandas do emprego e do lar? Sendo mulheres que por algum tempo viveram sob dependência econômica de seus maridos, que mudanças ocorreram em suas vidas em razão do salário auferido? Houve mudanças em relação à percepção da distribuição de papéis sociais no interior do lar? O trânsito entre a casa e a rua modificou a percepção da sua corporeidade? Algumas mulheres arranjaram trabalhos estáveis e melhor remunerados que os de seus esposos, esse fato modificou os modos de interação no interior da vida conjugal? Como ocorre o gerenciamento do tempo, do exercício da autoridade com os filhos e do salário após o ingresso no mercado de trabalho? Para responder a essas indagações, foi preciso delimitar nosso campo de pesquisa e optar por um referencial teórico capaz de nos oferecer pistas pertinentes para analisar a tensão que se gera entre aspirações individuais e demandas sociais.

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Hosana Suelen Justino Rodrigues é Mestre em Ciências Sociais e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará.

Jesus Izquierdo é Doutor em Sociologia, Professor de Teoria Sociológica do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Campina Grande e Pesquisador do CNPq.

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