Condição operária nos primórdios do capitalismo: análise do filme “Como era verde o meu vale”, de John Ford

Adalberto Cardoso

Cartaz estadunidense do filme "Como era verde meu vale". Fotografia: Reprodução/IMDb
Cartaz estadunidense do filme “Como era verde o meu vale”. Fotografia: Reprodução/IMDb

O filme “Como era verde o meu vale” (How green was my valley, 1941) é um clássico de John Ford, com Walter Pidgeon, Donald Crisp, Maureen O’Hara, Roddy McDowall e outros. Com estupenda fotografia em preto e branco de Arthur Miller. Baseado no romance de Richard Llewellyn, o filme sempre figurou na lista de 400 indicados aos 100 maiores de todos os tempos do American Film Institute.

A história se passa no limiar do século XX, no pequeno vilarejo de Rhondda Valley, no País de Gales, e é narrada por Huw Morgan, um mineiro que, cinquentenário, se prepara para deixar sua vila natal para sempre, agora que todas as pessoas que conheceu e amou estão mortas ou se mudaram dali. Ao juntar seus poucos pertences no avental no qual sua mãe costumava trazer as compras da feira, narra suas memórias de infância, quando a fuligem do carvão extraído das minas ainda não havia destruído o verde de seu vale. A história, pois, é narrada pelos olhos do Huw menino, interpretado pelo então garoto prodígio Roddy McDowall.

O filme começa com centenas de mineiros deixando a mina depois de passar pelo caixa e receber a paga da semana. Cantam uma canção entre melancólica e altiva, quase um hino. Descem pela rua margeada por muitas casas geminadas, todas idênticas cuspindo fumaça pelas chaminés. Está claro, desde logo, que se trata de fábrica com vila operária, algo muito comum em situações nas quais o empreendimento capitalista se estabelecia num green field distante dos centros urbanos e precisava garantir suprimento de força de trabalho. Exemplo típico no Brasil é a fábrica de Paulista, em Pernambuco, objeto do estudo clássico de José Sergio Leite Lopes, A tecelagem do conflito de classe na cidade das chaminés.

Esse aspecto é central ao primeiro terço do filme, que conta uma história idílica da vida comunitária construída em torno da fábrica por famílias operárias orgulhosas de sua profissão e também de sua comunidade.

Toda a família de Huw Morgan, então um garoto estudante, é de mineiros. Os homens (5 irmãos e o pai, Gwilym Morgan) estão entre as centenas que descem a rua. A matriarca, Beth Morgan, os aguarda na porta de casa, como de resto as outras esposas dos outros mineiros. Parece ansiosa. Ao identificar os seus na multidão, a filha Angharad, uma Maureen O’hara no auge da beleza, traz um banquinho para a mãe. Ela senta, quando os homens chegam ela estende o avental e recebe nele o soldo de todos. Aparentemente ela é a guardiã da renda familiar, mas depois ficaremos sabendo que a poupança de todos é controlada também pelo pai, num potinho que fica num bem iluminado aparador numa parede central da sala, à vista e ao alcance de todos. A cena é construída de maneira a não deixar dúvidas de que a sobrevivência da família depende do aporte dos cinco homens, e isso explica o relativo conforto em que vivem (vis-à-vis as outras famílias dali), que lhes permite certa largesse e generosidade, como veremos.

No banho coletivo depois do trabalho, os homens passam muito tempo se esfregando com bucha e sabão para limpar o carvão, mas nem todo ele sai, “irá com eles para o resto da vida”, diz o narrador. A limpeza coletiva é mostrada de forma lúdica. A irmã ajuda com a água quente e um sorriso, Huw traz o cachimbo para o pai, único que se lava numa tina (os outros estão de pé), a mãe Beth joga água sobre a cabeça do pai, apagando o cachimbo. Lavam-se brincando, embora a frase do narrador, de que não se pode limpar todo o carvão, deixe claro que o trabalho é pesado e insalubre.

Na cena seguinte os homens estão à mesa do jantar, e todos os costumes (hierárquicos, com a autoridade paterna ao mesmo tempo severa e generosa) são revelados numa cena curta: o garoto avança sobre o pão ao sentar, mas é repreendido pelo pai e o irmão mais velho com olhar pretensamente duro (o pai sorri depois). Em seguida todos dizem uma oração para si mesmos, e quando o mais velho vai pegar o pão o pai bate na mão dele, para mostrar que tem a precedência. Todos os homens estão sentados, enquanto as mulheres, que serviram a comida, os observam se servir. Só então a filha senta, mas a mãe não. O narrador diz que ela “era sempre a última a sentar e a primeira a se levantar”. Ela está sempre vestida como se fosse empregada doméstica, com avental e lenço nos cabelos. Uma família tradicional, portanto, com costumes rígidos, mas consentidos por todos.

Os costumes familiares continuam sendo didaticamente expostos por John Ford na cena seguinte, na qual Bronwin, a futura noiva de Ivor, o irmão mais velho, é apresentada à família. O pequeno Huw fica deslumbrado com sua beleza, a família toda fica. A apresentação dela a todos é rápida e bastante formal, mas o casamento, já na cena seguinte, é bem diferente disso.

O ritual é completo: igreja lotada, vestido de noiva, mãe chorando, a igreja toda cantando alto, tão alto que não se escuta o que diz o pastor Gruffydd aos noivos. O pastor é novo na cidade, e atrai os olhares apaixonados de Angharad, a filha mais nova. Ele também é atraído por ela, e esse será um dos fios importantes da trama. À saída da igreja, mais do ritual, com arroz em todos, depois festança na casa lotada da família. A festa é farta. Os homens estão no quintal, se embebedam com cerveja de barril, que jorra o tempo todo, as mulheres ficam dentro de casa, mas se divertem também. O filme retrata, nesse início, uma classe operária solidária, com forte senso de camaradagem, generosidade e alegria. Mas a vida de todos está prestes a mudar para sempre.

No dia seguinte, todos estão diante de anúncio, afixado na porta da fábrica, de que a paga por turno vai ser reduzida. Há zum zum zum, alguns começam a protestar, mas o patriarca dos Morgan incita todos os operários a ignorar o anúncio e trabalhar normalmente. Diz que isso é tema para os mais experimentados. Ele era o porta-voz dos trabalhadores junto à empresa, indicado pelo patrão, e ao apresentar a demanda dos colegas, ouve do Sr. Evans que o preço do carvão tinha caído, que não havia como manter os salários.

Ao chegar em casa o pai encontra os cinco filhos ainda sem banho. Eles informam que o corte foi porque uma mina próxima fechou e tem gente querendo trabalhar por qualquer salário. Há três homens para cada posto de trabalho no vale, eles dizem. O pai pergunta: onde vamos tirar poder para pressionar? Do ar? Ivor, o filho mais velho diz: criando um sindicato. O pai diz “de onde vocês tiraram esse nonsense socialista?” E não deixa o assunto prosperar.

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A mina Rhonda Valley como retratado no filme “Como era verde o meu vale”. Fotografia: Archive Photos/Getty Images/IMDb

A quebra de uma mina na cidade vizinha, na verdade, é o fantasma invisível que destrói o idílio pintado até este momento do filme (primeiro terço). O diálogo entre pai e filhos expõe a insustentabilidade da nova situação, tendo em vista os valores tradicionais vigentes até ali. Pai e filhos são e sempre foram mineiros, sem outro projeto senão continuarem mineiros, projeto alimentado também pelo pequeno Huw, que não conhece outra vida senão a dos mineiros. O vilarejo todo vive em função da mineradora, que emprega todos os seus homens. Os mineiros não têm um sindicato, apenas um porta-voz, que faz isso mesmo, leva aos mineiros a voz do patrão, de quem tem total confiança e a quem respeita como um superior hierárquico. E todos confiam em Gwilym, por ser o mineiro mais velho e mais experiente. Quadro típico de relações de trabalho assentadas no paternalismo, nas relações de proximidade e confiança.

Tudo isso se rompe como num passe de mágica quando o patrão faz valer o despotismo de mercado, reduzindo os soldos em razão do aumento da oferta de mão de obra na região, numa palavra, da pressão do exército industrial de reserva. E para completar, a mineradora toma decisão que, aos trabalhadores, aparece como moralmente inaceitável. Ela pune Gwylim, porta-voz dos operários, por ter ido reclamar. Coloca-o para trabalhar ao relento, sob a chuva pesada, contando os carrinhos de carvão que saem da mina. Os filhos, no jantar, dizem que a punição é injusta, que o pai morrerá quando chegar o inverno, mas o velho e orgulhoso Morgan os proíbe de usar sua situação para “fazer política”. Insiste que o patrão não adotará atitudes “selvagens”, como demitir os trabalhadores há tantos anos na mina. Rhondda Valley

Há uma tensão clara entre valores tradicionais (o pai e suas relações pessoais com o dono da mina) e modernos, no caso na forma da impessoalidade nas relações de trabalho sob o jugo do mercado, agora mediadas pelo sindicato, interposto entre os trabalhadores e o patrão não por nomeação deste, mas fruto da organização dos próprios trabalhadores. A tensão explode no abandono do lar pelos cinco filhos, na mesma noite. Apenas Huw permanece com os pais.

No dia seguinte, os operários entram em greve, obviamente liderada pelo sindicato, cujos líderes, contudo, não aparecem. No romance original, o sindicato e a organização operária têm presença marcante e constante a partir dessa greve, mas no filme ocupa o pano de fundo da trama. Não é desimportante, mas penetra o enredo em meio aos outros fios condutores mais salientes: a construção complexa da experiência operária, os valores familiares e a religião, duramente criticada em sua dimensão institucional (a Igreja Anglicana).

A greve se arrasta e, passadas 22 semanas, começa a provocar cizânia entre os operários, em razão da fome e do desespero. O coletivo se volta contra o velho Gwylim, que se posicionara contra a greve. Uma reunião sindical é convocada para discutir a punição a ele, mas Beth Morgan vai até lá com Huw e ameaça de morte quem fizer algo contra seu marido.

Então acontece um acidente que muda o rumo das coisas. Na volta para casa os dois, ela e o garoto, caem no rio de água congelando (era inverno e a neve caía), os mineiros escutam os gritos de Huw, vêm retirá-los. Ele perde os movimentos das pernas congeladas, o médico diz que não entende como ele não morreu. Deve ficar dois anos sem andar. A mãe também congelou e também ficou de cama sem conseguir andar por um mês.

Quando ela se levanta, já na primavera, uma centena de mineiros vem com flores levadas por meninas, cantam para ela, que os recebe agradecida. Os filhos também voltam para casa ao som da música coral. Solicitada a dizer alguma coisa, a mãe convida a todos para comer. A generosidade dos Morgan se mostra de novo, a casa é de novo invadida por dezenas de mineiros famintos.

A cidade mineradora representada em "Como era verde o meu vale". Fotografia: Reprodução/BBC
O pequeno vilarejo minerador Rhondda Valley como representado em “Como era verde o meu vale”. Fotografia: Reprodução/BBC

O infortúnio inesperado acabou reaproximando pais e filhos e também a família do resto do coletivo operário. Mais uma vez, pois, a solidariedade, aparentemente de tipo tradicional (risco de vida da matriarca e do filho mais novo), aproximou os que se haviam dividido na greve. Os mineiros se sentiram culpados pelo acidente no rio, ocorrido depois da visita heroica da matriarca à reunião sindical, e a culpa talvez tenha a ver com o sentimento de terem ido longe demais na hostilidade a um igual. A sombra da morte uniu a todos.

O tradicionalismo dessas relações é apenas aparente. Os que estudam movimentos de mineiros, petroleiros e outras categorias que trabalham em situações de alto risco sabem que o risco de morte é um elemento central da construção da identidade coletiva. Sabem, também, que os operários mais velhos são sempre muito respeitados, porque já passaram por muitas situações de risco e sobreviveram, portanto têm muito a ensinar aos que chegam. Uma hierarquia ambígua, porque construída entre iguais, já que todos estão submetidos às mesmas condições insalubres, precárias e perigosas de trabalho, sendo todos solidários no perigo. Expor à morte, mesmo que acidental, uma pessoa da família do operário dissidente, mostrou-se atitude inaceitável entre pessoas em constante risco de morrer no trabalho. A demonstração contundente de arrependimento, com meninas levando flores, um coral de vozes masculinas e carinho, deixam isso bem claro.

Na casa cheia depois da convocação da matriarca, o pastor chefe (que ainda não havia aparecido no filme, figura cruel e abjeta) pergunta a Ianto, segundo filho, por que ele não tem ido à igreja. Ianto diz que está muito ocupado com o sindicato. O pastor diz que isso é coisa do demônio. Gruffydd, o pastor mais jovem, interfere, pede permissão para falar sobre um tema que desuniu a família, o pai concede. Ele diz que os trabalhadores devem ter seu sindicato, que sós eles são fracos, juntos são fortes, mas devem ter claro que com a força vem maior responsabilidade, não se combate uma injustiça com outra, mas apenas com justiça. O outro pastor protesta chamando Gruffydd de socialista e promete denunciá-lo aos superiores. Ianto reage ao pastor chefe, que é expulso da casa.

A cena é uma reviravolta importante, ao mostrar que o sindicato não é mais tabu na casa dos Morgan, sendo central à vida de Ianto, que deixou de frequentar a igreja, algo impensável numa sociedade tão tradicional e controlada como aquela. E a ação de Ianto é como que abençoada pelo jovem pastor, com o que este sela definitivamente a reunião da família, agora lastreada na solidariedade de classe.

A greve termina depois de meses, e é claro que só pôde durar tanto em razão do sindicato e seu fundo de greve, algo que não está no filme. Na verdade, greves longas eram típicas dos primórdios do sindicalismo, como mostrou Charles Tilly em seu clássico de 1978. A intransigência patronal testava os limites da resistência operária através da fome e do desespero. E depois, por meio de retaliações aos grevistas. Não foi diferente aqui. Os trabalhadores voltam ao trabalho sem a alegria de sempre, e nem todos conseguem passar pelo portão da mina. Os que ficam de fora descobrem que não haverá mais trabalho para eles no vale. Dentre os que ficam de fora, os dois membros mais jovens da família Morgan.

Na cena seguinte eles comunicam à família que decidiram emigrar para a América. No mesmo momento chega uma carta do palácio real dizendo que um dos filhos (Davy, o terceiro mais velho) foi convocado para cantar para a rainha. Ele dirige o coral do vale. O pai convoca o coral para comemorar o convite, que será também a celebração da partida dos filhos. O coral se alinha na escadaria da igreja e canta “God Save Our Queen”. Enquanto isso, ao fundo, os dois filhos deixam a casa, como se na calada da noite. Como se a rainha os estivesse banindo, ou talvez abençoando, ou as duas coisas. A cena é bela e ambígua. É como se dissessem: amamos nossa rainha, mas ela não pode nos salvar. Estamos por nossa própria conta.

Há outro núcleo temático importante no filme, a relação amorosa não convencional e fadada ao fracasso entre Angharad e o pastor Gruffydd. Numa sociedade patriarcal e conservadora, é ela quem se insinua para ele, depois de se insurgir contra o pastor chefe que, num culto, expõe uma moradora local que engravidou fora do casamento, e deixar a capela chamando a todos de hipócritas. Gruffydd a acompanha, ela diz que ninguém pode punir uma mulher por amar tanto alguém a ponto de ficar cega. Ela fala dela mesma.

A relação é fadada ao fracasso porque Angharad é cortejada pelo filho do dono da mina, um dândi esnobe e arrogante a quem ela não ama nem amará. Quando ele pede sua mão ela procura o pastor e pergunta por que ele a está evitando. Ele diz que não suportaria vê-la passar privações ao lado dele, um pastor numa capela pobre. Que tem a missão de cuidar dela. Ela o beija, ele não corresponde. Ela acaba se casando com o dândi, e John Ford filma o clima na saída da igreja não como se fosse um casamento, mas um funeral, muito diferente do casamento de Ivor e Bronwin no início. Evidente e aberta luta de classes, com os mineiros desaprovando o casamento interclassista.

Embora pareça lateral ao tema que nos interessa aqui, na verdade não é. Ford fez de seu filme uma celebração da classe operária e um libelo crítico à hipocrisia da igreja anglicana, aliada do capital e de uma visão muito conservadora da família, que atribui à mulher posição submissa e trata os desvios femininos como pecado, punido com a expulsão da comunidade. O pastor chefe, que expos a mulher grávida sem marido e que quer expor também Angharad quando ela volta da África do Sul sem o marido (querendo o divórcio), é pintado como um homem cruel, injusto e intolerante. Sua oposição ao sindicato também é narrada na mesma chave, o que torna o filme uma obra muito engajada tanto politicamente quanto na renovação dos costumes, nos limites possíveis da Hollywood de 1941.

O filme ainda conta a história do próprio narrador, Huw Morgan, que volta a andar com o apoio do mesmo Gruffydd, que se torna seu preceptor, preparando-o para o exame para a escola pública nacional. Ele passa no exame, sofre bullying dos colegas e do professor autoritário, mas tem ótimo desempenho e se qualifica para a universidade. O pai pergunta se ele quer ser advogado ou médico, e para seu desespero o garoto escolhe trabalhar na mina e ficar no vale com a família.

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Mineiros experientes eram substituídos por crianças e adolescentes que ganhavam um décimo dos adultos. Fotografia: Reprodução/IMDb

Pesou em sua decisão um grande acidente na mina, no qual mais de 100 mineiros ficam presos, e entre os mortos está o irmão mais velho, Ivor, o líder sindical. Os mineiros em peso vêm dar a notícia Bronwin. Há comoção nas cenas, o clima é todo épico e trágico, porque para completar Bronwin estava grávida. Ela dá à luz enquanto a casa está cheia de gente no velório. Huw, o garoto, informa à mãe que vai trabalhar na mina, morar com a cunhada e provê-la, agora que ela está sem marido. Mais um caso, portanto, de relação não convencional de gênero, na qual o provedor é o cunhado adolescente, que abdica da ascensão social que a família estava disposta a lhe oferecer para cuidar da mulher que não pode ser sua esposa, com isso afirmando seu orgulho de classe, seu caráter e sua abnegação. E seu amor pela cunhada, expresso como deslumbramento desde o dia em que a viu pela primeira vez.

O filme expõe, ainda, a deterioração das condições de vida no vale e das condições de trabalho na mina. Operários experientes são substituídos por crianças e adolescentes (Huw entre eles), ganhando um décimo dos adultos, cujos salários já estavam baixos em razão do desemprego nas regiões vizinhas. Enquanto no início os irmãos Morgan recebiam quase 4 libras por semana, na cena em que são despedidos recebem pouco mais de 2 libras, e lhes é informado que serão substituídos por pessoas que aceitam salários menores. E eles também decidem emigrar.

Outro grande acidente vem de novo nos lembrar que o trabalho na mina é perigoso e fatal. Desta vez mata o patriarca Gwylim Morgan, cujo corpo é recuperado por Huw e o pastor Gruffydd. Fica claro que nem mesmo o mais experiente dos mineiros está a salvo de ser morto num acidente.

Huw narra a tragédia de sua família mais de 30 anos depois, após idas e vindas ao vale, certamente motivadas pelos ciclos de expansão e crise da mineração na região. Desta vez, porém, ele diz que está saindo para nunca mais voltar, já que todas as pessoas que conheceu já tinham morrido ou se mudado. As imagens inicial e final do filme são as de uma cidade empobrecida e totalmente deteriorada pela incessante emissão das chaminés carvoeiras. Imagem presente em todas as cenas externas, mas que apenas no início e no fim aparece como asfixiante e opressiva.

O filme expõe a vulnerabilidade da condição operária nos primórdios do capitalismo, a corrosão das relações tradicionais de trabalho e de poder, a emergência da consciência operária através do confronto com o capital, apresentado como injusto e mesmo satânico em suas consequências, já que a mina não destrói apenas vidas de trabalhadores, mas também o meio ambiente idílico e as relações familiares. Expõe a tensão entre a religião e a consciência operária, critica duramente a intolerância religiosa e louva a lenta e tensa modernização das relações de gênero. Tudo isso em 1941, o mundo convulsionado pela guerra na Europa, na qual os Estados Unidos estavam prestes a entrar. Ato de bravura do mestre John Ford, que um ano antes havia filmado “As vinhas da ira“, obra prima do mesmo quilate.

Adalberto Cardoso é doutor em Sociologia pela USP e professor e diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

One Response

  • Importante resenha crítica.Tudo observado.Tudo dito. Sob o ponto de vista de um velho trabalhador estamos sendo empurrados para os primórdios da exploração capitalista.É certo que resta o legado da organização dos trabalhadores. O nosso norte é e sempre será a emancipação do homem.

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