‘Competição entre robôs e humanos afetará salários’, diz economista

A competição entre seres humanos e robôs por empregos qualificados e bem remunerados já começou e deverá se acirrar no futuro. Como as máquinas serão mais produtivas em todas as profissões, a renda do trabalho deverá crescer muito lentamente e corre o risco até de encolher. O prognóstico é feito pelo economista Richard Freeman, da Universidade Harvard, que pesquisa os efeitos do avanço da inteligência artificial sobre economia, educação e mercado de trabalho. “Se você for pleitear um aumento de salário, precisa entender que haverá robôs cada vez melhores e cada vez mais baratos, que poderão substituí-lo”, disse Freeman, ao citar que hoje máquinas já escrevem notas jornalísticas. Seu próprio emprego de acadêmico, diz, está sob ameaça. “Vamos trabalhar com as máquinas. Elas farão partes muito importantes do trabalho e faremos algo com elas”. Um dos maiores riscos dessa tendência será o provável efeito negativo da inteligência artificial sobre a distribuição de renda. Os donos dos robôs terão ganhos de rendimento muito maiores do que os trabalhadores, diz ele. Em viagem ao Brasil para seminários organizados pela Academia Brasileira de Ciências e pelo Centro de Políticas Públicas do Insper, Freeman diz que a única forma de amenizar o problema é que a propriedade das máquinas seja compartilhada com os trabalhadores – por exemplo, dando a eles ações das empresas.

A preocupação de que os robôs vão substituir os humanos é legítima?

A preocupação não é que os humanos não vão ter mais trabalho, mas que perderão empregos bons e bem pagos. Médicos, por exemplo. Já se pode fazer muita coisa com inteligência artificial que dispensa os médicos. As máquinas conseguem ver coisas que os médicos muitas vezes não conseguem e conseguem chegar a uma conclusão melhor. Isso está todos os dias nas revistas científicas.

Muito mais do que nós, leigos, podemos imaginar?

Sim. Nos Estados Unidos, a gente acaba lendo mais sobre o que (o presidente Donald) Trump disse ontem ou o resultado do basquete. Mas há uma ciência extremamente avançada fazendo coisas que nem imaginamos, muita gente em muitos países. Isso acumula e cresce em todos os campos: inteligência artificial, robotização, outras tecnologias. Uma conferência de inteligência artificial que recebia 23 estudos há cinco anos hoje recebe mil. Nos negócios também há grande impacto.

Mas, por outro lado, há muito pouca pesquisa sobre qual é o impacto das máquinas sobre o trabalho, não? Uma das poucas, de (Daron) Acemoglu e (Pascual) Restrepo, mostra um efeito não tão grande.

Sim, muitos países hoje estão com pleno emprego. Mas a renda está crescendo cada vez mais devagar. O sinal desse efeito das máquinas não será no emprego, mas nos salários: não vamos mais conseguir o tipo de emprego que paga bem. A forma como fazemos as coisas está mudando e não há como impedir isso.

Como esse crescimento mais lento da renda se relaciona com a robotização?

Há muito pouca evidência. Mas o trabalho de Acemoglu mostra que, nas cidades em que os robôs entraram, os salários caíram. Algumas das funções de vocês hoje já são desempenhadas por jornalistas robôs. Os robôs por enquanto só escrevem sobre esporte, este time ganhou daquele por tanto, nada muito complexo, mas a inteligência artificial os fará cada vez melhores. Portanto, se você for pleitear aumento de salário, precisará entender que haverá robôs cada vez melhores e mais baratos que poderão substituí-lo.

É possível evitar isso? Ou devemos esquecer os empregos e comprar alguns robôs?

Sim, podemos comprar os robôs. Isso será ótimo.

É inclusive sua recomendação, não?

Sim. Antigamente, nos Estados Unidos, você tinha seu próprio negócio, o da família, ou era um artesão e tinha seu equipamento. Vamos pensar em um encanador. Ele entende de canos, tem habilidades mecânicas. Se ele tiver um robô com conhecimento específico, poderá fazer um trabalho melhor.

Em outros períodos também houve preocupação sobre o impacto da tecnologia. O economista Robert Gordon diz que os ganhos de produtividade eram maiores antes.

Seria bom poder dizer que os dados dele estão errados, mas não estão. Se olhar as estatísticas, você poderá dizer que elas não mostram grandes mudanças. Ou você pode dizer: há tantas máquinas e tecnologia nova, robôs, inteligência artificial, capazes de fazer coisas inconcebíveis anos atrás… É impossível que não haja mudanças. Aposto que em dez anos veremos que Gordon estava prestando atenção só naqueles dados, e não no que está acontecendo. Quem olha apenas os dados estatísticos de produtividade está cego. No caso do celular, por exemplo, todo o mundo os usa e eles representam 1% do PIB dos Estados Unidos. Você não vê a produtividade, mas há todo um mundo de serviços em volta disso. O que as pessoas estão fazendo no celular? É tempo produtivo ou só lazer?

Os robôs substituirão trabalhos intelectuais, como o seu?

Sim. (risos) Grande parte dele. Vamos trabalhar com as máquinas. Elas vão fazer partes muito importantes do trabalho e faremos algo com elas. Máquinas podem fazer trabalhos pesados, ir a lugares perigosos, como apagar incêndios. Os bombeiros poderiam estar no controle, tendo certeza de que os robôs estão indo ao lugar certo. Cada trabalho humano os robôs serão capazes de fazer. Pode levar mais tempo. Provavelmente não será para nós, mas para nossos filhos.

O que as novas gerações podem fazer para se preparar?

É muito importante que as crianças aprendam linguagem de computador. Não precisam virar programadores, mas entender o que as máquinas são capazes de fazer, para poder funcionar nesse novo mundo. A Universidade de Illinois passou a unir todas as carreiras com ciências da computação. Se você estuda jornalismo, também estuda ciência da computação e tem uma dupla graduação, para ter uma ideia do que é preciso na sua área em relação à tecnologia. Para estar preparado e se ajustar.

O que pode acontecer com os que não terão mais trabalho?

Esse é um dos maiores perigos. Ter uma massa de desempregados e uma pequena elite que controla as máquinas e possui as tecnologias. O que vai acontecer com os motoristas, já que os carros autônomos estarão por todo lado e serão mais seguros? Provavelmente teremos carros elétricos, menos poluição, as pessoas serão mais saudáveis, mas há 2 milhões ou 3 milhões que vivem como motoristas nos Estados Unidos.

O senhor fala do risco de concentração de renda nas mãos de quem detém a tecnologia. Há quem defenda tributar os robôs e implantar políticas sociais, mas o senhor defende que a propriedade das máquinas seja compartilhada com os trabalhadores. Por quê?

Porque a posse compartilhada aumenta a produtividade, enquanto a tributação a reduz. Se as pessoas tiverem ações das companhias em que trabalham, há incentivo para que elas contribuam mais para o sucesso da empresa. Tributar, pelo contrário, vai elevar o preço dos robôs.

Fonte: O Tempo
Data original da publicação: 14/11/2017

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