Competição e autogestão em fábricas recuperadas no Brasil: é possível combinar boa posição no mercado e luta contra ele?

Ana Beatriz Melo

Fonte: Revista Latino-Americana de Estudos do Trabalho, Rio de Janeiro, ano 18, n. 29, p. 113-139, 2013.

Resumo: As fábricas recuperadas expandiram-se no Brasil como respostas ao desemprego em massa durante os anos 1990. Trata-se de iniciativas autogestionárias inseridas no mercado que apresentam uma série de particularidades, nem sempre contempladas pela literatura especializada, no que diz respeito à sua história, organização interna, atores sociais envolvidos, inserção no mercado, articulações com entidades de apoio e poder público. Partindo dessa lacuna, o artigo propõe um debate sobre fábricas recuperadas no Brasil, enfatizando suas especificidades contextuais e organizacionais e analisando as possíveis contradições presentes na relação entre autogestão e competição de mercado.

Sumário: Introdução | As fábricas recuperadas no Brasil | O caso Uniforja | Autogestão e competição nas fábricas recuperadas | Considerações finais | Referências bibliográficas

Introdução

As fábricas recuperadas multiplicaram-se pelo Brasil durante a década de 1990, período em que o desemprego e a informalidade atingiam níveis alarmantes. Tais iniciativas ganharam força a partir da organização de trabalhadores que, a fim de preservar seus empregos, buscaram ocupar e controlar coletivamente empresas em situação falimentar, transformando-as em unidades autogestionárias.

O desenvolvimento dessas experiências vem chamando a atenção de vários estudiosos e especialistas para a retomada e a reconfiguração de problemáticas relevantes no campo do trabalho como o cooperativismo, o associativismo e a autogestão. Os debates atualmente travados apontam para um grande desafio: delimitar as particularidades das fábricas recuperadas no que diz respeito à sua história, organização interna, atores sociais envolvidos, inserção no mercado, articulações com entidades de apoio e poder público.

Tal desafio coloca em foco um espectro mais que heterogêneo de experiências, com dinâmicas estruturais e institucionais diversificadas, abrangendo de estratégias de sobrevivência a sistemas auto-organizativos de produção. A complexidade e a originalidade desse fenômeno trazem em seu cerne uma discussão fundamental que pode ser expressa pelo paradoxo competição X autogestão.

A esse respeito, cabe ressaltar que as fábricas recuperadas, por um lado, encontram-se inseridas no mercado, estando assim sujeitas às suas flutuações, oscilações, crises e retomadas. Essas iniciativas geralmente mantêm o estatuto jurídico e econômico de propriedade privada, trocando serviços e produtos com outros agentes econômicos.

Por outro lado, destaca-se que as fábricas recuperadas procuram observar os princípios cooperativistas. Nelas, a propriedade está atrelada a um coletivo formado por associados, que atuam, ao mesmo tempo, como trabalhadores e gestores. Nesse contexto, a autogestão desponta como essência da proposta cooperativista, consolidando-se como um atributo marcante das fábricas recuperadas.

Nesse ponto, vale questionar como se daria no cotidiano das fábricas recuperadas a convivência e/ou tensão entre a necessidade de se consolidar no mercado e a busca por uma práxis autogestionária de caráter ideologicamente emancipatório. O projeto autogestionário seria vital para os trabalhadores dessas experiências ou estaria presente tão somente no imaginário dos militantes? Em que medida a necessidade de inserção no mercado impactaria o projeto autogestionário ou a luta pela autogestão traria novos sentidos e critérios para avaliação dessa inserção? Até que ponto a busca por relações entre as perspectivas de sobrevivência no mercado e emancipação via autogestão representaria um grande equívoco, produzido a partir de uma visão reducionista e fragmentada desse fenômeno? Em que circunstâncias as fábricas recuperadas poderiam ser analisadas como revolucionárias, reformistas ou funcionais à economia de mercado?

Com base nesses questionamentos e diante do desafio proposto pelas discussões atuais sobre o tema, o presente artigo propõe uma análise sobre fábricas recuperadas no Brasil, enfatizando suas especificidades contextuais e organizacionais. Lançando mão de um balanço dos estudos mais relevantes sobre tais iniciativas no contexto nacional, ele será apresentado em três seções: 1) caracterização das recentes transformações do mundo do trabalho e seus impactos sobre a emergência e a difusão das fábricas recuperadas, enfatizando as complexas relações entre essas iniciativas, o movimento sindical e o movimento de economia solidária, bem como suas semelhanças e diferenças em relação a outras experiências da América Latina; 2) apresentação de discussões sobre a história e a organização de um caso emblemático, a Cooperativa Central de Produção Industrial dos Trabalhadores em Metalurgia (Uniforja), considerado pela literatura especializada, como exitoso de fábricas recuperadas no Brasil; 3) discussão e análise de questões teóricas que tratem dos paradoxos econômicos, políticos e sociais que atravessam essas experiências, entendidas como iniciativas autogestionárias inseridas no mercado.

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